O papel da PGR com a denúncia de Marcos Valério

A Doutora está sempre me atazanando com observações de bom senso e informações sobre os meandros de algumas burocracias públicas, especialmente do sistema judiciário – STF (Supremo Tribunal Federal), Ministério Público Federal e afins.

Presa no trânsito, está particularmente inspirada. Começa a conversa com uma frase de Victor Hugo: “Não há nada tão poderoso quanto uma ideia cujo tempo chegou”. E a ideia nova é justamente a nova mídia, as redes sociais, o contraponto da Internet à mídia convencional.

 “Parem vocês de superdimensionar o poder da imprensa, achar que manipulam o Ministério Público ou o Supremo. Ela tem ainda poder de influenciar a opinião pública mais leiga, sim, mas não tem nem credibilidade nem a a Inteligência necessária para articular essas conspirações de que se fala tanto”. Ninguém bem informado a leva a sério, nem no MPF nem no Supremo, diz ela. Mas ainda tem bom poder de criar marola. É pela marola que atuam junto a esses órgãos, não pela articulação política.

Refere-se, primeiro, ao caso Marcos Valério e ao papel do Procurador Geral da República Roberto Gurgel.

“É enorme bobagem achar que Gurgel articulou para prejudicar o Lula”, diz ela. “Se quisesse atuar politicamente bastaria ter aceitado a delação premiada do Marcos Valério, porque a prova teria que ser feita no âmbito do Supremo. Com o Supremo aceitando ou não a delação, o carnaval seria muito maior e antes das eleições. Dependia apenas da PGR aceitar ou não e ele não aceitou”.

Se não aceitou, indago eu, qual a lógica de abrir um inquérito, que poderá devassar as contas de Freud e até de Lula, se as próprias procuradoras não viram consistência nem provas no depoimento?

É simples entender, me diz a Doutora. Nesse caso, as armas da mídia funcionam. Por alguma razão Marcos Valério decidiu recorrer à delação premiada. As procuradoras entenderam que não trazia informações novas para o “mensalão”, daí não ser beneficiado. Mas trouxe outras informações que precisam ser apuradas. Quando percebeu que a delação não iria prosperar, botou a boca no trombone para a imprensa.

Mas qual seu interesse, se já sabia que não seria beneficiado no processo? Qual a lógica de trazer informações referentes a outros episódios?

A Doutora não quer avançar em suposições. Mas imagina que ou foi por desespero ou por outras intenções. Tendo atrás de si advogados preparados, dificilmente cederia ao desespero. Houve outra motivação no vazamento do depoimento, diz ela, mas não adianta suas suspeitas.

Digo que um especialista escreveu na Folha que só poderia ser motivação pecuniária. Que sua delação colocou no foco do MPF o tal Freud Godoy, da copa e cozinha de Lula, ao mesmo tempo que a Operação Farol invadia a sala de Rosemary Noronha. E, agora, de acordo com reportagem da “IstoÉ”, Gurgel já estaria indicando o procurador para abrir o inquérito.

“Você precisa entender melhor a natureza do MPF, me diz a Doutora. “A Operação Porto Seguro foi conduzida com tal discernimento que a procuradora responsável jamais pensou em indiciar Lula, por falta de elementos, não houve um vazamento sequer do lado dela, assim como do delegado da Polícia Federal, considerado ótimo profissional”. Do mesmo modo que no “mensalão”, aliás, onde não se viu nenhum indício capaz de envolver Lula e ele não foi indiciado.

Os vazamentos de peças de e-mails e gravações não diretamente ligadas às acusações é prova da politização da Polícia Federal de São Paulo, digo eu. Ela não diz nem sim, nem não. Apenas reforça que o inquérito foi mantido em sigilo enquanto esteve sob responsabilidade da procuradora e do delegado. Vazou depois que foi entregue à chefia da PF.

A partir do momento que se faz o carnaval – é ela voltando ao caso Marcos Valério -, não tem como não propor uma investigação. Caso contrário a PGR ganharia a fama de omisso, como ocorria com Brindeiro. Além disso, abrir inquérito não significa condenar.

Explico que o próprio inquérito é um ato político ao abrir espaço para uma devassa tanto nas contas de Freud quanto de Lula. O próprio Gilmar Mendes já deu a senha, ao sugerir que as ações de primeira instância levassem em conta a tal denúncia –repasses de Valério a Freud em 2002, antes da própria posse de Lula.

Ela fiz que o inquérito é a maneira do acusado se defender. Explico que inocente ou culpado, o próprio inquérito em si será um álibi para a exploração de qualquer fato, irrelevante ou não, levantado por ele.

Política não é bem a praia da Doutora.

Faço a ela uma pergunta que a blogosfera repete exaustivamente: qual a razão para não ter sido aberto nenhum inquérito em relação às denúncias contidas no livro “A privataria tucana”.

“É simples entender”, diz ela. “Hoje em dia nenhum procurador age “de ofício” – fazer uma denúncia sem ser provocado -, nem mesmo o PGR. Essa cautela tornou-se bem maior depois da fase de Luiz Francisco e Guilherme Schelb, de intenso ativismo. De lá para cá criou-se a ideia de que o procurador que age “de ofício”, quer aparecer”.

Continua a Doutora: Seria muito simples testar a disposição do MPF em investigar a “Privataria” ou outros temas: formalizem a denúncia, resumam o livro em algumas páginas com os pontos centrais da denúncia e encaminhem ao MPF. Duvido que a denúncia não seja acolhida. Mas sem a provocação, não sairá nada.

O trânsito começa a andar, mas ainda dá tempo para algumas observações finais.

“Quem está interessado no bom jornalismo verá que o MPF é um aliado. É o único órgão que tem se insurgido contra abusos da mídia, seja no campo dos direitos humanos, dos direitos das crianças, dos incluídos. Vira e mexe abre-se uma denúncia que muitas vezes terminam com Termos de Ajustamento de Conduta com as emissoras”.

Na conversa, tentou me convencer de que são normais mudanças de opinião – como o caso dos Ministros do Supremo que um ano atrás defendiam que cassação é prerrogativa do Congresso e agora externam ideia oposta.

Decididamente, não me convenceu.

Antes de desligar, uma última observação: a sofreguidão da mídia para acelerar o julgamento do “mensalão” não teve nada a ver com as eleições. O motivo foi jogar para segundo plano a CPI de Cachoeira. As eleições vieram como bônus para a mídia.

Luis Nassif

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