Para entender a revolta das feministas

Um artigo de bom nível para entender a razão do termo “feminazi” ter provocado a ira das feministas. E também informações sobre a diversidade do movimento feminista.

Do Blog Groselha News

A quem interessa comparar feministas a nazistas?

dezembro 13th, 2010 · 39 Comments · Marie Claire

Dentro de um movimento social, ou mesmo dentro de pequenos grupos sociais organizados, é possível encontrar grupos ou pessoas com características mais radicais. Na maioria das vezes o termo “radical”, no sentido filosófico, é usado para definir grupos que optam pelo uso de ações extremas, por exemplo, violência física ou verbal, para gerar transformações sociais. Porém, o termo “radicais” pode possuir infinitas interpretações. No caso do feminismo as pessoas gostam de definir como radicais as mulheres que queimam sutiãs em praça pública (você já viu alguma?), as que são incisivamente a favor da legalização do aborto, as que afirmam que o casamento é uma instituição social de aprisionamento da mulher e até as que defendem uma reforma  de gênero na língua portuguesa. Porém, há pessoas que afirmam existir um tipo de feminista que quer a extinção dos homens e para compará-las aos nazistas deram-lhe a alcunha absurda de feminazi.

Essa é uma feminazi? E tem que usar roupa de homem, né?

Você conhece alguma mulher feminista que prega um mundo em que os homens iriam para campos de concentração e depois exterminados? É até possível que alguém tenha essas idéias, um dia Hitler e várias pessoas a tiveram, porém, o movimento feminista não prega o extermínio de pessoas. O movimento feminista prega a igualdade de gênero e o fim do machismo. E ao se falar de igualdade não significa que mulheres querem ser homens, nem que queremos mijar em pé, significa que  mulheres e  homens devem ter os mesmos direitos e deveres na sociedade. Isso inclui desde equalização nos salários, até licença maternidade e paternidade compartilhada, passando por diversas outras questões como a violência doméstica. O movimento feminista é constituído por um discurso social, político e filosófico que tem como base os direitos iguais de gênero e a proteção legal às mulheres. O feminismo contempla não só o âmbito coletivo, como também o âmbito privado das relações humanas, pois o machismo está presente culturalmente na sociedade.

Então, a quem interessa comparar feministas a nazistas? A quem interessa grudar no movimento feminista uma etiqueta que representa supremacia de um gênero sobre o outro, totalitarismo e extremo racismo? Ao se utilizar o termo feminazi definem-se características perversas não apenas para uma feminista, mas para todo o movimento, pois, note que ninguém nunca sabe apontar uma feminista nazista radical, sabem apenas que elas representam grande parte do movimento e são uma grande ameaça a nossas crianças, pois os meninos crescerão afeminados e todas as meninas serão lésbicas. Não é mesmo? Um conjunto de informações erradas que de tanto repetidas na mídia e pelas pessoas se tornam verdades.

Quem se utiliza do termo feminazi quer principalmente desqualificar o movimento feminista, suas conquistas e sua voz. Quer reproduzir idéias estereotipadas, tacanhas e falsas que ajudam a definir o feminismo como um clichê em que mulheres raivosas lutam para tomar o lugar dos homens. Além de se utilizar do direito de definir um movimento do qual não faz parte, justamente para empobrecer sua causa. O que podemos concluir, ao ler o que as pessoas que usam o termo feminazi dizem, é: “Aceito que você seja feminista, desde que não seja uma feminazi, mas quem vai determinar se você é ou não uma feminazi sou eu.” Então, além de desqualificar um movimento social e suas participantes, a pessoa também se sente no direito de definir os critérios para classificar quem é radical e quem não é. Quem utiliza e dissemina o termo feminazi não está qualificando uma pessoa, na verdade está desqualificando todo o movimento feminista e banalizando o nazismo.

Veja bem, existem muitas pessoas chatas no mundo, gente que xinga muito no twitter e etc. Você pode simplesmente achá-la chata, não? Eu não gostava do Plínio de Arruda Sampaio nos debates eleitorais, achava-o chato e implicante, não vi contribuição para a discussão, só fazia atacar e atacar. Poderia definí-lo como um socialista radical chato. Isso me basta, pois reconheço o direito que ele tem de ser assim e a validade de suas idéias. Tanto no socialismo como no feminismo há bandeiras e causas que você pode concordar ou não. Porém, em nenhum momento cunhei o termo nazi-socialista para ele, em nenhum momento espalhei e preguei que ele quer o extermínio das pessoas neoliberais deste país. Então, para que cunhar e disseminar um termo como feminazi? A quem interessa desqualificar todo um movimento e não apenas chamar uma pessoa de chata? Os movimentos sociais reivindicam mudanças sociais por meio de expressões políticas, sociais e filosóficas. A quem interessa não discutir propostas de mudanças sociais?

Isso é uma feminazi? E tem que ser peluda também, né?

A quem interessa afirmar que não há racismo no Brasil? Que há igualdade para todos, basta a pessoa correr atrás? A quem interessa dizer que você pode ser gay, mas só se usar roupas de homem e se comportar como macho? A quem interessa espalhar as idéias de que negros, mulheres e gays querem ganhar privilégios e que os homens brancos e héteros estão ameaçados? A quem interessa dizer que se homofobia virar crime a liberdade de expressão estará ameaçada? A quem interessa dizer que todas as feministas são radicais e violentas e dar provas disso usando tuitadas em que a pessoa fala palavrões? A quem interessa afirmar que qualquer opinião contrária é patrulhamento?

Nenhum movimento social é homogêneo. Ninguém é uma pessoa 100% justa e correta só por fazer parte de um movimento social. Dentro do movimento feminista há diversas opiniões divergentes sobre pornografia, prostituição, licença-maternidade, casamento, economia, política, etc. Porém, há pontos de união, há a luta contra o machismo que prejudica não só a mulher, como também o homem. A identidade de um movimento está em suas ações e não na particularidade de suas participantes. Porém, quando não se tem mais argumentos, a solução para desqualificar um movimento é compará-lo a algo extremamente desumano como o nazismo. Quem faz questão de usar e disseminar um termo como feminazi ajuda na expansão do conservadorismo e na extinção das novas idéias sociais. Contribui para a falta de diálogo e para a renovação do machismo na sociedade.

O feminismo é um movimento que encontra-se muitas vezes isolado, sem o apoio de grupos de direita e esquerda,  não pelo “radicalismo” de suas participantes, mas justamente pelo preconceito, pelas idéias deturpadas, pela falta de visão quando se fala de representatividade para mulheres, pela falta de educação e de um conhecimento maior do que seja feminismo. É fato que mesmo na internet as feministas parecem falar para elas mesmas e por mais que perteçam a grupos de blogueir@s suas reivindicações não ganham peso, pois a maioria não faz questão de que exista representatividade, acham que há questões mais importantes a serem tratadas. O feminismo, assim como o movimento LGBT e o movimento negro, deveria ser uma luta de todos na sociedade, pois pregam justamente o fim das desigualdades sociais, são movimentos pautados nos direitos humanos. Todos somos cidadãos, mas não somos vistos e tratados da mesma forma. A quem interessa isso?

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Uso do singular para descrever movimentos plurais

    Prezado Luis Nassif.

    Concordo totalmente com o repúdio ao termo feminazi. Também acho o feminismo válido, só não acho perfeito ou santificado.

    Sua defesa do movimento é retóricamente exemplar. Só esbarra numa realidade interessante, a pluralidade dos movimentos feministas.

    Sim, porque o feminismo descrito no singular como a luta pela igualdade de direitos entre os gêneros é um reducionismo utópico absurdo de vários movimentos plurais, com alinhamentos e antagonismos entre sí. Principalmente porque há grupos radicais que recorrem, como você citou, à atos de violência física, verbal e ideológica. E fazem isso não apenas contra o opressor patriarcal, o que de certa forma validaria esses atos, mas também contra outras minorias oprimidas e outros atores sociais, como grupos profissionais e religiosos. 

    Há grupos que violentam pelo silêncio, omissão e prevaricação. Pelas calúnias, injúrias e difamações. Pelo uso do discurso medo como forma de proselitismo. Pelo uso da dicotomia maniqueísta. E tudo isso porque reproduzem as táticas e estratégias das quais foram vítimas. E fazem isso porque funciona. Em especial, funciona muito bem o método psicológico que extrai o membro familiar do convívio parental em prol do novo grupo, ao ínves de instrumentalizar a pessoa para capacitá-la a expressar-se no seu meio social de origem.

    Cunham seus próprios termos de isolamento e luta. Podemos pesquisar maletears, menstalking, mensplanning e os aportuguesados iuzomi, duzomi entre outros. Para separar ao invés de unir.

    É incrível o anátema de perceber que existem feministas racistas. Existem feministas transfóbicas. Existem feministas misandricas. Existem feministas que erram ao julgar precipitada e duramente os filhos das suas próprias companheiras feministas. Isso não tira o mérito nem desqualifica os movimentos. Esconder, camuflar e negar essas realidades faz isso. Nada mais danoso ao feminismo do que torná-lo em mais uma das muitas hipocrisias humanas racionalizando suas próprias inadequações em prol da imagem e propaganda públicas.

    Vivemos numa era que se alimenta da publicidade positiva. Até aí é louvável passar uma boa imagem. Reprovável é passar oleo de peroba pra lustrar a cara de pau. Inté.

  2. O problema é que o o

    O problema é que o o movimento feminista têm duas formas, digamos assim. A forma real e a forma que ele tem de fato. A forma que eu aqui cito como real seria sim a igualde entre gênero em todos os aspectos, enquanto as diferenças biológicas não interferirem. Mas não é por isso que grande parte das feministas lutam. Muitas não querem igualdade, mas superioridade. Digo isso pois conheço mulheres assim e que me repugnam apenas pelo fato de eu ser homem hétero. E essa é a grande realidade do feminismo, mas é encoberto pois o que ouvimos hoje em dia sobre o movimento feminista é vinculado pelo próprio.

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