Sobre lições de diplomacia

Uma das grandes virtudes da boa polêmica são os ensinamentos que trazem, concordemos ou não com os argumentos.

O Blog tem o luxo de contar com os comentários do André Araújo, frequentemente contrários ao pensamento da maioria dos comentaristas, mas sempre fundamentados. Alguém tentou depreciá-lo taxando-o de sucedâneo de Paulo Francis. Antes Francis tivesse metade da consistência intelectual de André.

Não concordo com várias de suas posições, mas nunca deixo de beber nos seus escritos.

O que ele coloca frequentemente, em temas ligados à diplomacia, são argumentos e discussões que remontam o cardeal Richelieu, o primeiro a pensar nas chamadas razões de Estado.

São discussões absolutamente pertinentes, seja para analisar a posição do Brasil frente o golpe no Paraguai, ou as alianças políticas pragmáticas de Lula ou Fernando Henrique Cardoso.

A grande questão, que sempre suscita discussões enormes, é se os fins justificam os meios. Dependendo dos fins justificam, diriam os mais realistas. Jamais justificam, diriam os idealistas.

Mas quem transforma o mundo?

Richelieu foi o primeiro a considerar que a maior virtude de um político seria atender às razões de Estado. A partir delas se consolidaria o poder nacional e, com ele, o atendimento dos objetivos defendidos pelos idealistas. Julgava que as razões de Estado suplantariam a chamada moralidade universal.

Em sua época precisou enfrentar o mais poderoso Estado já montado, o Sacro Império Romano, herdeiro da visão universalista da Igreja com o império romano, comandado pelo arquiduque Fernando 2, da Áustria.

O arquiduque abominava toda sorte de concessões. Dizia ele (mencionado por Kissinger em seu livro “Diplomacia”):

“Linhas políticas mentirosas, podres,  tão em voga atualmente, Ele, em sua sabedoria, condenou desde sempre. Dizia ser impossível tratar com quem as seguisse, praticantes  de falsidades que abusavam de Deus”.

Era enfático: “Prefiro morrer a fazer qualquer concessão aos sectários no que trata a religião”.

Embora cardeal da Igreja, Richelieu se aliou aos príncipes protestantes para impedir a expansão do reinado dos Habsburgo, herdeiros do Sacro Império, que poderiam colocar em ameaça a França.

Richelieu consolidou o poderio francês por séculos e trouxe as razões de Estado para o primeiro plano das relações internacionais; Fernando 2 não deixou legado.

Ao se tornar potência, cada país trata de definir estratégias diplomáticas que favorecem seus interesses. Foi assim com a Inglaterra e seu sistema de alianças provisórias, dependendo da circunstância do momento. Foi assim com os Estados Unidos, seja na objetividade dura de Theodor Roosevelt ou no messianismo de Woodrow Wilson, do bom mocismo de Rockefeller ao oportunismo da família Bush.

Ou seja, por trás das observações do André, há séculos de uma discussão histórica, cheia de nuances, que se reflete em suas posições frente os problemas dos vizinhos.

De minha parte, julgo que a estratégia diplomática correta seja a de firmar a imagem da diplomacia soft brasileira, como passível de abrir mais portas do que manifestações de poder. Especialmente frente a vizinhos tão fracos e tão carentes de desenvolvimento. André defende o endurecimento, sempre que algum presidente estouvado colocar em xeque o interesse brasileiro.

Mas os dois caminhos visam buscar o melhor para o país. Daí a importância de se estimular o contraditório, de entender as diversas posições muito mais como fator de enriquecimento intelectual do que briga de torcida.

Luis Nassif

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