TJ-SP mantém proibição a protesto contra empreendimento

Do O Globo

TJ-SP mantém proibição a protesto na internet contra empreendimento de alto padrão

Engenheiro agrônomo criou movimento contra a obra, localizada na Zona Sul de SP, há dois anos

SÃO PAULO – A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve nesta quarta-feira a decisão que proíbe o engenheiro agrônomo Ricardo Fraga de se manifestar pela internet contra a construção de três torres de alto padrão pela construtora Mofarrej no bairro da Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Em 6 de março o TJ-SP proibiu, em caráter liminar, quaisquer tipo de postagens virtuais sobre o assunto. Na decisão desta quarta-feira, que julgou dois agravos de instrumento (um de cada uma das partes), os três desembargadores – João Francisco Moreira Viegas (relator), Edson Luiz de Queiroz e Fábio Podestá – citaram tanto o direito à liberdade de expressão quanto o da livre-iniciativa. A multa em caso de descumprimento é de R$ 1 mil por dia, até o limite de 30 dias.

Há cerca de dois anos, Ricardo Fraga iniciou um protesto chamado “ Outro Lado do Muro – Intervenção Coletiva”. A manifestação, artística, consistia em colocar uma escada em frente aos muros que cercavam o empreendimento para que pessoas pudessem observar o canteiro e comentar sobre o local em que gostariam de viver. Os observadores, então, teciam comentários que eram colocados em painéis juntos com fotos deles numa espécie de varal, no próprio muro. A maioria das manifestações ocorria em frente ao terreno, de dez mil metros quadrados, acompanhadas de megafones e carros de som. As ações foram consideradas pela Justiça passíveis “de causar dano irreparável ou de difícil reparação à imagem” da Mofarrej. O TJ-SP entendeu que houve excesso por parte do engenheiro, com “caráter ofensivo das fotos e menções publicadas” na web.

Na decisão desta quarta-feira, a Justiça também reduziu o espaço em que o engenheiro agrônomo poderá exercer livre manifestação contra o empreendimento. Antes era proibido de ficar a menos de quilômetro da área, distância considerada “demasiadamente drástica” pela Justiça. Agora, o espaço foi reduzido para um quarteirão.

O relator Moreira Viegas deu, ainda, parcial provimento no agravo de instrumento da construtora, que queria a exclusão da página do movimento no Facebook. “A retirada completa da página do Facebook poderia acarretar prejuízos ao agravado e à coletividade, sem que gerasse maior benefício à agravante, razão pela qual mostra-se por hora razoável e adequado que se imponha apenas a retirada de todo o conteúdo”.

O caso é bastante complexo, segundo advogados de ambas as partes. O imbróglio já culminou, inclusive, no embargo da obra por cerca de dez meses, em 2012. Uma das principais argumentações do engenheiro, no início dos protestos, era a do impacto ambiental na região, já que o rio Boa Vista, hoje canalizado, passaria sob o terreno onde as torres estão sendo construídas.

A construtora, no entanto, afirma ter, além de licenças ambientais da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente para a obra, contratado especialistas para realizar um estudo específico sobre o assunto.

A Mofarrej diz que as manifestações afugentavam clientes do local. Segundo o site da construtora, o empreendimento Ibirapuera Boulevard (IB) possuí três torres de 27 andares, com dois apartamentos por andar. São 156 apartamentos e 6 coberturas duplex com, respectivamente, 246 metros quadrados e 391 metros quadrados. As vagas na garagem variam de quatro, para o primeiro, e cinco, para o segundo. Estima-se que os valores das unidades podem chegar a R$ 5 milhões.

– O objetivo não é tolher manifestação de ninguém, mas direito tem um limite, e houve um abuso. Nenhum direito é absoluto. Se de um lado há o de expressão, reunião e crítica, do outro há o de livre-iniciativa, direito de propriedade. São os dois previstos na Constituição e, segundo reunião com o relator, antes da sessão de hoje (ontem) um não pode prevalecer sobre o outro – diz o advogado da construtora, Daniel Sanfins.

Ricardo Fraga, por outro lado, argumenta que a área em questão estava parada há mais de 50 anos e era assunto da comunidade do bairro há décadas – objeto de várias matérias de jornais do bairro, inclusive. “A gente não é contra o empreendimento. É a favor de projetos urbanos mais decentes”, disse o engenheiro agrônomo em entrevista a um documentário sobre o caso, “O Outro lado do Muro – A História”.

O advogado Renato Silviano, que representa Ricardo Fraga, questiona a decisão da Justiça e estuda entrar com recurso em instâncias superiores. Ele diz que o direito à liberdade de expressão é um dos pilares da democracia e lembra que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou sobre dizendo que, por conta disso, é um sobredireito.

– Foi (uma decisão) periclitante ao exercício da liberdade de expressão. O empreendimento vai além da livre-iniciativa, ele extrapola e, apesar de privado, prejudica o público. E o interesse público deve prevalecer. Houve, nesse caso, uma colisão de direitos fundamentais ou constitucionais. O próprio STF já se pronunciou que a liberdade de expressão é um sobredireito. Ele está acima dos outros, é um dos pilares da democracia.

A Artigo 19, organização que trabalha com liberdade de expressão, disse que a decisão desta quarta-feira vai contra os padrões internacionais sobre o assunto.

– Trocaram seis por meia dúzia e a decisão em nada beneficia o Ricardo. Não conheço, pelo menos em relação a protestos na internet, um caso similar que tenha tido uma decisão desfavorável dessas. Propõe uma reflexão internacional acerca da liberdade de expressão – disse a advogada do Artigo 19, Camila Marques.

Luis Nassif

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