Professor da UFRJ rebate críticas ao sistema de formação de mestres e doutores no país

“Como interpretar, se não como defesa de um secular privilégio e da persistência de uma Federação inacabada, as críticas ao papel da Capes na disseminação de novas universidades e de novas pós-graduações (mesmo com sua aparente fragilidade inicial) por todo o nosso imenso país?”, questiona Adalberto R. Vieyra, em matéria do jornal da ciência, da sociedade brasileira de física

(Adalberto R. Vieyra, professor titular de Biofísica e Fisiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. Atualmente é coordenador da Área de Ciências Biológicas II da Capes)

O que diz o artigo:

“O Jornal da Ciência, órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, publicou recentemente (6/7/2010) declarações formuladas pelo professor Marcelo Hermes Lima (UnB), em entrevista concedida ao Portal da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília. No seu costumeiro tom, o professor tece comentários sobre o desenvolvimento da pós-graduação brasileira em anos recentes, sobre a Capes e sobre a qualidade profissional dos doutores que formamos.

Discordo frontalmente dos conceitos e opiniões vertidos pelo professor Marcelo; porém apenas haverei de me deter inicialmente em apenas quatro breves considerações.


Primeiro, que os doutorandos que agora recebemos em número crescente, fruto da expansão do ensino superior nos últimos anos, constituem um desafio para nossa capacidade transformadora quando eles chegam aos nossos laboratórios portando as marcas do descalabro na educação básica, no ensino público, ao longo de décadas. Em segundo lugar, quero recordar que a excelência acadêmica há de ter uma dimensão quantitativa obrigatória num país com uma história, uma geografia e uma estrutura social em transformação como a do Brasil contemporâneo.

Em terceiro lugar, recordar que excelência e exclusão são categorias conceituais e sociais antagônicas. E, finalmente, manifesto que não será com ataques violentos à figura do presidente da Capes que enriqueceremos o necessário debate em torno do salto qualitativo que almejamos para nossa pós-graduação na próxima década, porque sendo crescentemente bons temos a obrigação de ser cada vez melhores. Ataques que, claramente, revelam absoluta falta de idéias e propostas.

Isto posto, prefiro me estender em dois aspectos que não mereceram atenção nas respostas formuladas às últimas declarações do professor Marcelo. Um deles relacionado com aquelas pessoas e entidades que se manifestam da mesma forma, que externam – repetidamente – as mesmas opiniões, fazendo os mesmos ataques pessoais e institucionais, mas que recebem de nós a resposta do silêncio prudente. Talvez pela força que emana dos cargos que ocupam ou da representatividade institucional que ostentam.

Na essência da injustiça dos ataques, embora sobre aspectos diversos, há diferenças entre as posturas e os alvos das repetidas manifestações de um membro da diretoria de conceituada fundação estadual de amparo à pesquisa e aquelas do professor Marcelo? O quê dizer das solenes manifestações de colegiados superiores de renomadas universidades na mesma linha?

Certamente, na esteira dos ataques à forma em que se desenvolvem diferentes ações da Capes e à própria dinâmica da pós-graduação brasileira, se inserem também a contribuição – literariamente refinada – enviada para a comissão que elabora o programa nacional de pós-graduação para a próxima década por respeitado sociólogo que, simplesmente, propõe o fim da Capes. E o que dizer ainda dos ataques de editores de revistas científicas ou da recente iniciativa de reforma da lei 10.861 que pretendia retirar – do texto legal – os conceitos dados aos cursos de pós-graduação para compor o leque de elementos destinados a avaliar as instituições de ensino superior? Não são certamente casuais.

Tenho a certeza de que a motivação real e profunda desses ataques ao presidente da Capes e à própria agência não é de natureza pessoal. Até porque, no caso do professor Marcelo, sou testemunha há anos de sua fidalguia e de sua retidão de caráter. Ela é, sim, política. E quero dizer claramente: apesar do “Partido da Ciência e da Educação” ser teoricamente apolítico, ele não o é como tampouco o são os que o atacam de maneiras e trincheiras diversas.

Porque políticas são as concepções da sociedade e do mundo; as ideias e os sentimentos de nação e de país. E por causa dessas concepções políticas – e dos interesses a elas associados – é que, na minha convicção, ocorrem esses ataques.

Como interpretar, se não como identificação factual com a defesa da concentração econômica, a reclamação reiterada de prejuízos ao maior estado da Federação nos investimentos em pós-graduação, quando é exatamente o oposto? Querem tudo?

Como interpretar, se não como defesa de um secular privilégio e da persistência de uma Federação inacabada, as críticas ao papel da Capes na disseminação de novas universidades e de novas pós-graduações (mesmo com sua aparente fragilidade inicial) por todo o nosso imenso país?

Não será que incomodam, mas não se atrevem a verbalizar a não ser de maneira oblíqua, a desvelada defesa da expansão da pesquisa e da pós-graduação em nossa cobiçada Amazônia ou o programa “Amazônia Azul” que, certamente, haverá de contribuir para consolidar o domínio soberano de nosso mar continental?

O que nos dizem, em outros planos, os ataques de certos editores de revistas científicas – alguns deles com pretensões de guardiões do patrimônio científico e ético, tal como aiatolás enfurecidos – que revestidos às vezes de solene pompa, pretendem antepor veículos de discutível lustre à aposta pela consolidação de periódicos genuinamente representativos de vastas áreas entrelaçadas de nossa ciência?

Há interesses contrariados, sim. Estou convencido ainda que a defesa do ensino técnico, na vertente defendida pelo professor Marcelo e por muitos outros, não esconde a força do seu elitismo social e político, na medida em que é apresentada como alternativa à expansão do ensino superior, nele incluída a pós-graduação.

Vamos ser claros. Não espelha essa concepção o reconhecimento de que há habilidades e competências técnicas específicas, fruto de autênticas vocações a serem fomentadas como direito individual de grande significado e impacto social. No contexto em que a inserem exurge do mais profundo a convicção – talvez resignada – de que “filho de médico bom médico haverá de ser”, “filho de advogado tem o direito de advogar”. E, paralelamente, de que “filho de pedreiro tem que ser pedreiro” e “filho de eletricista deve ser eletricista” (talvez formado numa escola técnica segregada, na melhor representação de um genuíno “apartheid” acadêmico e social).

Finalmente, o que escondem as críticas que sempre retornam – não raro com timidez envergonhada – para a Capes da Educação Básica? Certamente, pela concepção política que têm da sociedade, do país e do mundo, eles (muitos dos que exemplifiquei acima e não apenas o professor Marcelo) não se conformam com a perspectiva de que a excelência de nossa pós-graduação possa reverberar em todos os níveis de ensino.

Para que se concretize o que Darcy Ribeiro pregava: “quanto mais pobres e carentes sejam as nossas crianças, mais ricos devem ser os recursos educacionais colocados ao seu alcance”. Evitemos o revide a declarações pessoais por mais dolorosas e injustas que elas sejam. Vamos ao autêntico debate político que requer a verdadeira essência desses reiterados ataques.”

 

Redação

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