Longe de Ser Simples

Há dias, como acontece hoje, que não desejo nada, ou muito pouco. Quero apenas as coisas simples, porque às vezes não as tenho. Por exemplo, quero poder ser entendida, quando sucede ser esse entendimento não de mim mesma, mas daquilo que as pessoas estão a ver sobre elas através de mim. E quando não querem aceitar a si mesmas, terminam repudiando-me, e eu sou nada mais que um reflexo! Pois, muitas vezes, tenho um pouco das outras pessoas em mim, por alguns instantes sei muito sobre elas; ou então sou tão grosseiramente o oposto delas mesmas, que elas enxergam a si com muito mais claridade estando diante de mim. Ah! Não consigo entender porque sou assim, mas posso compreender isso que tenho, e que revela aos outros o que eles querem ou não saber sobre si mesmos. E sinto tudo quando sou esta pessoa-revelação, e sei bem o que estou a mostrar aos outros nesses momentos, sinto também a repulsa que lhes posso causar, ou a atração admirada. Já disseram-me o quão pavoroso poderia ser minha presença diante deles, e tudo o que eu queria era poder estar em paz, porque apesar de não querer dizer nada mais a ninguém, não posso deixar de existir sendo isso que sou. Eu gosto da verdade, e gosto de vivê-la, tendo isso comigo como parâmetro e medida das coisas que devo valorar. Olho, admiro e aprecio, e dou um sorriso, somente às coisas que parecem-me transmitir nada mais que a pureza e a inocência. Talvez isso esteja quase que restrito ao mundo infantil, mas vivo tão esperançosa que acredito no adulto despossuído das mágoas dos anos. E quando tentei passar os dias sem a verdade, tudo deu errado demais e eu comecei a cair em um lugar escuro. Se posso ter luz e verdade, é injusto tratar-me de outro modo que não este, aproveitando o que tenho para apenas também passar os anos. Mas é tão difícil ter isso comigo!, essa transparência irredutível, e querer conviver com o mundo. Às vezes, penso que estaria melhor ilhada, sempre de porta fechada a escrever, e sem molestar ao mundo e a mim mesma. Mas hoje é um dia em que quero muito as coisas simples, e o mais simples é apenas isso: quero ser entendida para estar com as pessoas do mundo. Ao mesmo tempo em que não posso deixar de estar com a verdade e com tudo o que acarreta levá-la aos ombros; por isso a leveza das crianças deve estar sempre comigo.

Tudo é muito compreensível a mim mesma, também entendível, e agora faço com que isso seja até mesmo algo possivelmente escrito. E não sei mais quais instrumentos poderei usar para apenas passar os anos sendo isso que sou; às vezes, uma pessoa-revelação, outras vezes um ser escondido a escrever em algum quarto fechado. E diante de tudo isso como poderei estar em paz com o mundo? Começo a ver que isso não é querer uma coisa simples. Agora, passei então a pedir muito. Porque a minha paz eu estou a alcançá-la, e sei que chegarei a tê-la por completo, mas se a tenho somente em mim, viverei realmente em estado de paz? Porque eu dependo tanto das pessoas! Olhem o que faço hoje com esta certa paz que a possuo em mim: converso interiormente, fico sozinha olhando as plantas e sinto alegria, sinto tranquilidade, olho o ar com gosto bom, sou gentil com pessoas desconhecidas, e sei que estou apenas bem. Isso é o que faço com a paz que hoje me ronda o espírito. Mas sei que sou rapidamente sacolejada se qualquer outra pessoa, que não seja eu mesma, mostra-se diante de mim como uma descoberta, um caminho, um túnel. E sem que eu queira, vejo. E, talvez, sem que elas mesmas percebam, estão a passar sua intimidade por mim, e contam-me tantas coisas. Claro!, isso também me faz lembrar a percepção. Tinha me esquecido de mencioná-la até agora por sermos já tão cúmplices e afins. E talvez tudo parta disso, do fato de eu perceber demais. Deveria fechar os olhos. Não posso. Vejo até sem querer. Acho até que meus olhos se abrem sozinhos diante do que para eles é algo desconhecido. Mas como as pessoas que estão a ver-se através de mim sabem que estão diante de algo que é uma realidade e não um delírio delas mesmas? Por que acreditam tanto nisso ao ponto de se afastarem de mim ou terem-me como alguém especial? De repente, nada do que quero é assim tão simples, estive redondamente enganada. E parece que o que terei é mesmo muito trabalho para conseguir estar no mundo sendo entendida e aceita, assim, como são todos. Agora, ao passo que escrevo cada uma destas palavras, tenho muita vontade de não terminá-las, queria poder continuar aqui discorrendo sobre esta minha quase ridícula intimidade. Mas apenas não a ridicularizo porque as pessoas acreditam demais em mim.

Redação

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