Por um Triz

Não desejo hoje o escrever bonito. Vou fingir que não vejo cores e flores. Vou emparelhar-me no muro de guerra de concreto, e proferir minha última fala de olhos vendados: a vida é bonita. E isso basta. A palavra é apenas a sua repetição, a clarificação das coisas possivelmente belas de um mundo possível. Vê-se, eis que o único problema é a repetição da palavra possibilidade. Bem avisei, hoje não irei escrever bonito. Porque não sei como fazê-lo. O bonito da palavra simplesmente chega sozinho e se apodera, faz primeiro desenhos sinuosos em minha mente, e logo depois de visíveis seus traços, sinto os desenhos, mas não as suas linhas, e sim as suas cores perpassando-me, e delas fazem-se caminhos idos para outros lados, que é o lado bonito da palavra. Cheguei. Num susto grande, bato o dedo no teclado, na força da última palavra, e vejo: o bonito. Porque o bonito desvirtua, é elevador-motivador das coisas da gente, vai moldando e ajustando aquilo que era duro em gelatinosa possibilidade. E assim encontra-se outro jeito possível. Olha a possibilidade travestida de coisa bonita! Vê-se, apenas por mencionar o bonito da palavra, ela começa a vir nos espreitar. Mudando o tom cinza das possibilidades. Mas ¡hoje estou tão insistente na tentativa de firmar o não-bonito! Porque, claro, o bonito não começou sobre este texto a ser um pequeno bisbilhotar, o bonito é aqui desde o início um grande-altivo. Escrevia esta a-crônica negando a palavra-bonita, porque a negação é a existência mais invisível e concreta que há em nós. Existir-concreto(?). Então é por isso que o bonito se faz vivo em mim, escrevendo-o não tenho comigo o muro de concreto dessas guerras. O bonito é a minha salvação constante. Assim vejo mais flores e verdes, suas elevações se fazem grossas e rechonchudas à minha vista. Porque praticar a visão junto ao bonito é escrever a palavra bonita, e a sequência de tudo isso me levará, afinal, ao caminho dum imenso jardim. Estou chegando, vejo tudo verde, mas não há uma só rosa. Hoje não é mesmo o dia para um final de palavra bonita e brotada. Mas, olha, o que tenho agora é minha imaginação jardinada sendo algo tão bonito, que estou salva, mesmo sem a tal palavra.

A Aceleração da Estática

Escrever é perigoso. Mas o medo ao senti-lo é saudável e necessário. É como sentir o medo, mas ainda assim prosseguir confiante durante a ação, e há de se agarrar o medo sem permitir seu escapulir. Agarrando-se do medo, que talvez seja apenas o medo pelo ato de viver. E viver e escrever parecem então coisas inseparáveis. Juntos são uma bola imensa com a qual, às vezes, penso não poder caminhar. Porque o perigo da palavra escrita é real, e escreve-se em estado de salvamento de si mesmo. Agarrando essa bola grande. Dizem que as coisas são feitas à nossa medida, não tenho dúvidas, mas também não se pode pestanejar com a palavra. ¡Que perigo imenso! Hoje mesmo tive vontade de fotografar as minhas mãos, e elas estavam em posição de confronto e defesa, luta e paz. Fiquei por segundos olhando-as estáticas, sem poder decidir-me pela imagem preservada-registrada, ou não. Mas tudo isso é muito inútil, se amanhã virá uma bola grande para eu carregar, e minhas mãos se farão assim em outras, serão mais novas e mais velhas ao mesmo tempo. Vejo, não se foge mesmo do perigo, ele vem rolando, mas meu corpo e passos caminharão passivamente, porque o medo freia o que a escrita acelera. A vida não para mesmo.

Redação

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