Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Verso e Choro de Orquestra, por Maíra Vasconcelos

Buenos Aires, outubro 2014.

Acabo de escrever um texto jornalístico. E como sou sem graça! Enquanto criativa sou insinuante. Sei que sou porque desbordo em coisas e desatinos. E também porque rebento, sei das Marias que choram, e das Marias que são de Milton. Há muitas Marias, e se todas essas Marias não as visse, talvez nem ao menos criativa escreveria. Tudo é assim, por saber eu de tantas Marias. As choronas. Chavela Vargas é também muito chorona, e enquanto as Marias estão no Brasil, Chavela descansa no México. Chorando, chorando. E mesmo quem nunca escutou Chavela Vargas, pode ainda acompanhar a este escrito, porque isto é criativo, amplo convidativo, jamais restritivo. Eu vos convido, entrem meus queridas! Agora converso neste tom duplo e amigo, porque acabo de folhear poesias, seus versos vão ainda latentes em mim, estou flexível e permissiva. Escrevo a memória recente da poesia que li. Sou mesmo dada a entender de Marias e Chavela! Sei pisar no chão de terra, e sei que elas choram se não há água, por isso as Marias derramam. E eu de cá jorro palavras. Ambas nos entendemos. Ah!, se Milton escutasse! Por onde andará Milton? Aquela voz restrita aveludada. Enquanto aqui, nem ao menos tenho voz, tenho um concerto de violinos adentro, escuto um pássaro todinho em mim. Mas o dono desse jeito de dizer violinos e pássaros, isso não é meu, e sim de Juan Gelman – ele casou pássaros e violinos, eu apenas bem o entendi. Gelman agora saliva voos em mim. E como ele, também sou afeita a colocar este pequeno voador em meus escritos. Apenas porque muitas coisas parecem coincidir com o voo dos pássaros. Os vejo passarados na minha imaginação, como Marias, Chavela e Milton. Já sei!, descobri agora que Juan Gelman via nos estimados pássaros coisas além. Assim: pessoas refletidas em voos que jamais alçarão, mas elas nos confundem pois vão mesmo muito-muito longe. Como Marias!, Chavela! e Milton! Estou hoje cheia de exclamação. ! ! ! E quanto mais pássaros vemos nas pessoas, mais isto quer dizer que somos estimados escrevedores. Não estamos com as pessoas, com ninguém, na solidão de indivíduo que escreve percebemos toda gente, sabemos como estão, são e serão. Recitamos o ser humano eloquentemente: loucamente. E dizem que a critividade é louca, disso ainda não sei. Sei do seu trabalho árduo. Não vejo a loucura pousar em Marias, Chavela, e nem em Milton. Eles são minhas amizades furiosas cheias de imaginação. E neste lugar fantasiado posso decidir fumar até a morte chegar. Mas o que faço: escrevo sentada e recolhida, transito casa porta e quarto, e por isso os imagino, Marias, Chavela e Milton, em doses cavalares de lindo delírio. Junto a tudo isso, violino e bandoneón – acrescento o bandoneón – e vou ao piano onde deixei outro verso que bem quis, mas outro com o qual não pude estar. Vou juntando instrumentos e entendendo intimamente de cada um. Sou uma escala, estou a passar de um a um. Mas não estou com nenhum!, e é sempre uma tentativa estranha estar com outro ruído além do meu: sei da solidão. Por isso caio inteira nas entranhas de alguns poetas, que não precisam de mulher, mas sim de delicada imaginação. Vou então brincar em versos:
 

Solto meus cavalos, e são bravos!
Banho salivas institivas, e são dóceis!
Provo tantas sedes, e são pouco pão!

Estou sendo leviana. Não posso prosseguir com este linguajar, porque assim jogo com a poesia, e para isso tenho todinho para mim o antipoético-manifesto Ossos de Poesia. Mas o que fazer, se sigo com esta memória que escreve e hoje persiste pela poesia? E sei que tais versos insistem seguir em mim, porque vejo as folhas tão verdes e duvido que hoje seja domingo. Ainda não me perdi dos dias, mas se curto meu desatino de verso não-escrito, posso, sei que posso entender que não há nome em cada dia. São apenas dias-e-dias. Assim são, e por isso não quero ler o jornal deste domingo, nenhum jornal, porque jornais indicam que hoje é hoje. E assim sucessivamente. Quando tão bom é estar perdida, ainda mais entre Marias, Chavela e Milton. Eles, meus amigos! Tanto mais agora, que tudo enalteço com violino, bandoneón e piano – e tenho um pássaro preso na garganta. Escrevo indiscretamente a poesia que alaga-me o corpo. Estou a montar uma orquestra, quando antes ladrava em meu interior apenas o som fino e chorado do violino de Juan Gelman. E chorando também temos, ainda, Marias e Chavela. Eis que começa a chorar tudo junto! Finalizada, tenho comigo toda uma orquestra! Sem graça mesmo é o escrito do jornalismo, e ainda saber que hoje sim é domingo.

 

Sua Mentirosa Vestimenta

I.

Fui enganada. Todos os meninos de rua para os quais tanto quis dar este meu precioso cuidar, estão eles reunidos nas cozidas roupas do corpo de um só poeta. Toda minha entrega, quão vasta tanto pulsa, está reduzida em incessante trabalho de palavra escrita. Estou encurralada entre o poeta e a palavra. O que devo, então: agarrarei teu revigorar de poesia breve em mim?

II.

Terei que criar e criar!, porque toda a fome desse exigente falsário menino, é meticulosa fome pela palavra escrita. Se é assim, escreverei audaz contestadora, de igual para igual, como devo palavrear. Pronuncio, ainda que arredia. É a palavra minha maior defesa, posto que nunca estarei no papel de tua e nenhuma musa. Não sou quieta para ser observada, poeta.

III.

Minha alma gira.

A Romério Rômulo.
Novembro, 2014.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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