Contra armas não há argumentos

Operação Tapajós – operação armada para garantir hidrelétricas do Tapajós

http://candidoneto.blogspot.com.br/2013/03/contra-armas-nao-ha-argumentos.html

” (…)

Maquiavel, teórico da política, defendia numa obra famosa (os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio) que a causa da intensa e fratricida violência política da cidade de Florença era a não institucionalização dos seus conflitos. Em Florença, dizia Maquiavel, cada partido (os guelfos e os gibelinos, os negros e os brancos, os nobres e o povo) consolidavam a vitória com a expulsão do partido adversário da vida política da cidade – de maneira que só restava ao grupo derrotado atuar de fora do jogo político estabelecido, preparando um golpe de estado. O resultado era uma vida política violenta e sanguinária, sem estabilidade política e sem paz interna.

(…)

A investida da Força Nacional de Segurança Pública, esta semana, contra a terra indígena dos Munduruku, a fim de garantir a atuação de 80 técnicos responsáveis pelos primeiros levantamentos de impacto ambiental dos projetos de barramento no rio Tapajós, guarda uma relação direta  (…) com o conturbado panorama social da Florença medieval.
 
Na última década de governo petista, assistimos de perto a extinção dos canais legítimos para participação da chamada “sociedade civil” na definição dos rumos da política nacional nos seus variados setores. Quem se apresentava como promessa de governo mais democrático e aberto à participação popular acabou se transformando em fiel defensor do latifúndio, do capital financeiro, e dos interesses dos grandes grupos econômicos.
 
O caminho iniciado por Lula, e aprofundado por Dilma, se vale da popularidade para justificar a atuação surda no planejamento e execução das políticas de Estado, como se o resultado eleitoral e os eventuais índices de aprovação fossem sinônimo de um cheque-em-branco dado pelo povo ao governo, para atuar da maneira que achar mais conveniente, e onde bem entender. O exemplo mais bem acabado dessa realidade é a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
 
O processo em curso, que compreende os projetos de barramento nos rios Xingu, Tapajós, e dezenas de outros, mas também os grandes corredores de exportação de soja, e a viabilização da mineração em áreas indígenas (mesmo à revelia da vontade dos povos), assume o modus operandi padrão de desconsiderar por completo os interesses e visões de mundo das populações que terão suas vidas diretamente comprometidas pelas obras e projetos. Vozes dissonantes são ignoradas, ou por vezes caladas, enquanto a locomotiva do progresso segue rasgando seu caminho.
 
A chegada da Força Nacional de Segurança Pública à cidade de Itaituba, no oeste do Pará, é o sintoma evidente e atual do estreitamento político no campo de debate sobre os rumos do país e do futuro das regiões, a partir da perspectiva das populações diretamente interessadas e afetadas pelas propostas. Nos próximos dias, uma nação de quase dez mil indígenas Munduruku terá seu território invadido por tropas federais, a fim de levar a cabo trabalhos técnicos que são o primeiro passo palpável da destruição de seu modo de vida.
 
Tal como os guelfos ou gibelinos de Florença, os Munduruku estão excluídos do campo de decisão sobre o destino de suas próprias vidas e dos caminhos da política estatal. Não há diálogo possível nem capacidade alguma de influência sobre o que está para acontecer com o rio que lhes é essencial para a existência enquanto povo.
 
Na ausência de um campo democrático para o diálogo inter-povos sobre o futuro do Tapajós e da política de desenvolvimento nacional, restará aos Munduruku atuar do lado de fora do jogo institucional estabelecido, ou seja, no campo da violência. Para Dilma restarão duas opções: ou tenta corromper as lideranças indígenas com o caixa-forte do Estado, ou constitui pra si um corpo militar de intervenção interna, capaz de garantir pela força a prevalência do interesse central sobre os povos ameaçados. O recentes decreto presidencial 7.957/2013 e a Portaria MJ 1.035/2013 são o primeiro sinal de qual decisão foi tomada.”
 
*Mestrando em Geografia pela USP.
@joaoninguem
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador