A coisa e a cousa e o “Ó” da raposa

O uso recorrente do argumento falacioso está fazendo escola. Em 11 de dezembro de 2016, na edição impressa da Folha de São Paulo, mais dois exemplos dignos de estudo.

Argumento: o problema do pobre é gastar demais.

No editorial ”Rota insustentável”, apoiando a reforma da previdência enviada ao Congresso, a Folha sai-se com este argumento:

“Proporcionalmente, o Brasil gasta mais com a Previdência do que alguns países ricos com população mais velha, o que é um contrassenso”.

Ora, se esse argumento tem valor por si próprio, então, seria análogo concluir que como sabidamente a população mais pobre gasta com alimentação uma porcentagem maior de sua renda do que a população mais rica, bastaria que os pobres reduzissem a quantidade de comida que consomem para assim melhorar de vida.

A falácia da Folha acaba de criar o pobre glutão.

Argumenta a Folha: “o problema é que o Brasil [um país relativamente jovem] já gasta cerca de 13% do PIB com a Previdência, incluindo o INSS e os regimes públicos. Mas mesmo entre países ricos, com população mais idosa, há os que gastam proporcionalmente menos do que o Brasil, caso de Suíça, Inglaterra e Holanda, que despendem em torno de 10% do PIB”.

Não é necessário sequer argumentar que os regimes previdenciários entre os quatro países necessitam ser os mesmos para ser comparados.

A Folha desconsidera a população e assim o PIB per capta desses países. PIB per capta do Brasil é de 11.208,08 USD. PIB per capita da Inglaterra é de 50.566,00 USD, o da Holanda 50.793,14 e o da Suíça é de estratosférico 84.815,41 USD. Dados de 2013, antes do PIB brasileiro ser destruído pela “insurreição burguesa”.

O truque é o uso do tal “proporcionalmente”. Os pobres não gastam com comida mais que os ricos, gastam proporcionalmente mais porque ganham menos.

E que tal esta análise de futurologia praticada no mesmo editorial para justificar que os brasileiros passem a trabalhar por meio século antes de aposentarem?

“Em 2060, a proporção da população inativa em relação a população em idade de trabalho atingiria 44,4%”.

Uma projeção para mais 4 décadas à frente calculada com a precisão de décimos de porcentagem. Quanto à validade desse argumento, a prudência manda que sejamos ceticamente keynesianos: “no longo prazo, todos estaremos mortos”.

Única conclusão confiável.

Argumento: em uma maçã dividida em onze pedaços, nenhum dos pedaços é maçã em si mesmo.

Na mesma edição, em “Tendência e Debates”, um professor de direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio ao comentar o caso Renan Calheiros X STF:

“Não era Renan quem estava sendo julgado, mas sim a liminar de Marco Aurélio”.

“A mesa do Senado não resistiu à autoridade do Supremo. Pelo contrário, o Senado resistiu à liminar de Marco Aurélio, confiando no tribunal. Apostou que o ministro agia sem apoio na Constituição, em precedentes ou em seus colegas de tribunal. A mesa do Senado apostou certo. O professor age como os comentaristas das mesas redondas de futebol, sempre acertam o resultado depois do jogo terminado.  Aliás, a mesa do Senado apostou em nada, Renan foi orientado por um “ministro do Supremo” a não receber a ordem de afastamento. Quem é esse “ministro do Supremo”? O mesmo que conversava com Jucá sobre como estancar a sangria?

Segue o professor:

“A força do Supremo Tribunal Federal está em seu colegiado. É possível concordar ou não com os argumentos de Marco Aurélio. Todavia, é muito difícil, e mesmo temerário, concordar com a possibilidade de que um ministro decida afastar um chefe de poder, por uma decisão individual, sem apoio em precedentes ou no texto constitucional”.

O professor poderia citar qual o precedente e em que artigo da Constituição o Ministro Gilmar Mendes se baseou para impedir a nomeação de Lula como ministro alegando “desvio de finalidade”? O professor diria que Dilma deveria ter afrontado tal decisão de Gilmar Mendes e nomeado Lula assim mesmo?

Na época, por certo, o professor aceitaria que ordem judicial se cumpre.

Direto ao ponto

Poderiam ambos, editorial e professor, terem poupado tinta e ido direto ao argumento infalível: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”

PS: a Oficina de Concertos Gerais e Poesia gostaria de deixar um cumprimento à embaixadora dos EEUU no Brasil que está se retirando: Missão cumprida. Tchau, querida.

Redação

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