“O Estado é o último que deve perder a cabeça”, diz o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos

O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, em carta assinada conjuntamente com os advogados Luiz Armando Badin e Maíra Beauchamp Salomi, afirma que o comportamento arbitrário de alguns policiais [durante manifestações pacíficas] é incompatível com o que se espera das forças de segurança. Destaca que o Estado não pode compactuar com detenções arbitrárias. Diz que o Estado tem o dever de assegurar o direito constitucional à manifestação pacífica. Além de acrescentar que “os fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados”.

Leia a carta na íntegra:

“O Estado é o último que deve perder a cabeça”

As autoridades de segurança pública têm a responsabilidade de proteger o exercício do direito constitucional de manifestação pacífica. A sociedade se organiza politicamente em torno do Estado para realizar a Constituição, não para negar os seus pressupostos mais fundamentais. Todos os cidadãos têm a liberdade de se reunir para manifestar politicamente as suas reivindicações (artigo 5º, inciso XVI).

Cumprindo o seu dever de informar, a imprensa noticiou amplamente que, nos protestos populares da semana passada, alguns policiais teriam se excedido no uso da força, realizando prisões arbitrárias e agredindo manifestantes e jornalistas que simplesmente exercitavam os seus direitos fundamentais: aqueles de expressar as suas ideias políticas, estes de manter a sociedade informada sobre elas.

Uma conduta só pode ser considerada criminosa se for descrita numa lei (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição). Ninguém pode ser preso se não estiver cometendo um crime (art. 5º, LXI). Ao que se saiba, não há nenhuma lei que proíba o “porte de vinagre” e o “uso de máscaras”, sobretudo quando se trata de proteger a própria integridade física.

As autoridades policiais estaduais não podem compactuar com detenções arbitrárias. Devem se ater, exclusivamente, aos casos de excessos individuais. É oportuno recordar que, quando o povo brasileiro saia às ruas para reconquistar o direito de eleger os seus próprios governantes, roubado pela ditadura, alguns manifestantes eram marcados com tinta, para serem “averiguados” e detidos mais adiante.

Isso não pode voltar a acontecer.

Bem ao contrário. Hoje, proibido é abusar da violência (art. 129 do CP), por uma razão muito simples. Só a polícia pode empregá-la, desde que de maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade.

Caso elas falhem, sempre se pode pedir o amparo do Poder Judiciário, por meio do habeas corpus. Ele existe na Constituição justamente para assegurar a livre circulação dos brasileiros e para protegê-los contra todas as formas de excesso de poder.

Além de tecnicamente cabível, é correta a iniciativa dos estudantes, organizados em torno de seus centros acadêmicos, de impetrar medida judicial para prevenir que novos abusos e violências voltem a acontecer.

É óbvio que o texto da Constituição já assegura ampla proteção aos cidadãos, em novas manifestações pacíficas. Os fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados. Quando há razões concretas para temer, a Justiça não pode se omitir na contenção da brutalidade.

O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino. Delas se espera que estejam preparadas para enfrentar situações de tensão, por meio de treinamento adequado.

O Estado é o último que pode perder a cabeça.”

MÁRCIO THOMAZ BASTOS, LUIZ ARMANDO BADIN e MAÍRA BEAUCHAMP SALOMI são advogados que trabalham na cidade de São Paulo

 

Redação

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