Para democratizar diplomacia, grupo defende criação de Conselho Nacional de Política Externa

 

Patrícia Dichtchekenian | São Paulo – 12/09/2014 – 08h00

Órgão consultivo legitimaria mais as medidas do Itamaraty, alegam membros do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais

Uma carta aberta do GR-RI (Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais) divulgada nesta semana veio a público reforçar a proposta de criação de um Conselho Nacional de Política Externa. Formado a partir de movimentos sociais, sindicais, empresariais, partidos políticos e organizações acadêmicas que atuam no campo das relações internacionais, o grupo tem o intuito de discutir as diretrizes da política externa ao lado do Itamaraty.

“Esse é um debate muito caro. Aqui funciona um mecanismo de elite que só o pessoal da hierarquia do Itamaraty tem acesso. Outros interesses menos poderosos da sociedade brasileira ficam em uma situação de informalidade e não conseguem ter acesso a esse debate”, afirma a Opera Mundi Gonzalo Berrón, da Fundação Friedrich Ebert, que atua como um dos principais facilitadores do GR-RI.

Efe/ arquivo

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“O conselho é simplesmente uma maneira de o Estado dialogar com outras instâncias da sociedade civil”, explica. “Se você envolve a sociedade no debate político, você ganha mais legitimidade e consistência. Dá mais trabalho, mas o resultado é melhor para todos”, acrescenta.

Na mesma linha, Fátima Mello, da ONG Fase, acredita que tal conselho incluiria setores historicamente marginalizados. “A ideia é criar um instrumento poderoso de democratização do Estado brasileiro. No caso da ONG, abordamos uma agenda de sustentabilidade e direitos da agricultura familiar. Mas é um grupo plural e tentamos articular nossa agenda com as negociações internacionais”, explica.

Para Gonzalo Berrón, em geral há uma sinalização positiva do Estado em relação à proposta. “Há algumas resistências de setores mais conservadores do Itamaraty no modo de operação do órgão, mas a abertura do governo para a discussão deste tema tem sido ampla”, afirma.

Por sua vez, o assessor de Relações Internacionais da Presidência Ricardo de Azevedo argumenta que há de fato uma simpatia no atual governo federal pela medida. “Somos a favor de espaços democráticos da sociedade civil junto aos governos. Isso é um princípio que apoiamos. Agora a forma que será feita, isto é, se será um fórum ou um conselho, ainda está em discussão. Mas fortaleceria, sim, a democracia e o Itamaraty”, garante.

“Criou-se uma polêmica sobre essa questão sendo que já existem mais de 30 conselhos em outras áreas que não são das Relações Exteriores”, acrescentou Azevedo.
 

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Outra membra do GR-RI é Maria Regina Soares de Lima, professora de ciência política da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Para ela, o conselho é uma iniciativa muito importante para a política externa, mas há uma leitura equivocada em relação a essa proposta.

“O programa da Marina [Silva, candidata à presidência] dizia que um conselho enfraqueceria e tiraria a autonomia e o protagonismo Itamaraty. Mas, na verdade, ele fortaleceria o Itamaraty e o legitimaria mais ainda. Com isso, teríamos uma politica externa mais densa”, argumenta.

Segundo a acadêmica, como existem conselhos em áreas como saúde e educação, a criação do órgão para a política externa serviria como uma forma de democratizar a relação internacional. “É muito claro que esse órgão é de caráter de assessoria, consultivo. Dizer que é deliberativo é uma distorção”, completa.

Procurada por Opera Mundi, a assessoria de imprensa do Itamaraty limitou-se a informar que a proposta de criação de um Conselho Nacional de Relações Exteriores é um “assunto que está em debate no âmbito do governo federal”.

Leia a carta aberta do GRRI na íntegra:

Conselho Nacional de Política Externa fortaleceria o Itamaraty

Nestas eleições, os rumos da política externa brasileira estão em disputa. O Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), que reúne pessoas que estudam a política externa e atuam no campo das relações internacionais a partir de movimentos e organizações sociais, partidos políticos, organizações não governamentais, instituições acadêmicas, de pesquisa e de governo, vêm a público reafirmar sua proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa, criticada no programa de governo de uma das candidaturas principais, e reiterar sua posição acerca dos temas que consideramos mais relevantes para a Política Externa Brasileira.

Em todos os documentos produzidos pelo GR-RI, há uma convergência na avaliação globalmente positiva das diretrizes da política externa levada a cabo pelo governo brasileiro nos últimos 12 anos, no que se refere sobretudo a dois aspectos centrais:

1) A busca de maior autonomia e protagonismo no plano internacional, que se manifestou, entre outros tópicos, na oposição à invasão do Iraque; na proposta de mediação e apoio às negociações do Irã com a comunidade internacional, acerca de seu programa nuclear; no reconhecimento do Estado Palestino; na forte reação contra os golpes de Estado em Honduras e no Paraguai; no aumento da representação do Brasil na direção de organismos internacionais (OMC, FAO); na defesa da democratização das relações globais, por exemplo, através da reforma e ampliação do Conselho de Segurança da ONU, na iniciativa junto a Alemanha para a criação de um marco global para a internet, na defesa do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas no seio das negociações climáticas multilaterais, no acordo de reforma das instituições financeiras (Banco Mundial e FMI) e, já em 2014, a parceria para a construção do Banco dos BRICS. Embora o governo tenha preservado as relações tradicionais do Brasil com os países centrais, desenvolveu um intenso esforço em ampliar o leque de parcerias diplomáticas. Enfatizaram-se as relações Sul-Sul, as coalizões com potências médias no âmbito do fórum Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) e as atividades com os parceiros no grupo que ganhou a denominação de BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bem como as relações com o continente africano.

Efe

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2) A ênfase na integração regional, especialmente sul-americana. Tiveram prioridade os processos de integração no continente, com o firme engajamento em iniciativas como a CELAC, a UNASUL, o Conselho Sul-Americano de Defesa, o Conselho Sul-Americano de Saúde Pública; o MERCOSUL teve o número de integrantes ampliado e se buscou adicionar conteúdo social e político à sua dimensão eminentemente comercial. Além disso, tivemos a articulação de encontros como os da América do Sul com os países árabes e africanos.

Em resumo, o Brasil diversificou parcerias, abriu fronteiras comerciais e diplomáticas, interveio com peso na cena mundial, ganhou credibilidade junto aos demais países em desenvolvimento e tornou-se peça fundamental na geopolítica regional.

Essas diretrizes são a nosso ver fundamentais para que o Brasil siga crescendo, distribuindo renda e contribuindo para uma ordem internacional pacífica e justa, e por isso elas devem ser consolidadas e aprofundadas no próximo período.

3) Democratização da Política Externa

Defendemos uma esfera pública de discussão democrática sobre a política externa. Daí a proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB).

Conforme previsto em vários artigos da Carta Constitucional de 1988, que definiram a participação como ferramenta de gestão pública nas mais diversas funções governamentais, e concebido nos moldes dos conselhos nacionais de participação já existentes em outras políticas públicas, o CONPEB, conselho de natureza consultiva, visaria a acompanhar a condução da política externa do poder executivo federal e contribuir para a definição de diretrizes gerais dessa política.

Tal proposta prevê, além da presença dos setores governamentais específicos da política externa, a participação de uma diversidade e pluralidade de organizações, movimentos, redes e outros fóruns que atuam no campo da política externa, contemplando os setores empresariais, organizações sindicais, movimentos sociais, organizações não governamentais, fundações partidárias, acadêmicos, instituições de estudos e centros de pesquisa, entre outros.

Além de promover a democratização das agendas de política externa e a dimensão propriamente pública de seus debates, a proposta do CONPEB fortalece institucionalmente o MRE na relação com outros atores governamentais domésticos e legitima sua capacidade de negociação no exterior, na medida em que amplia a representatividade, a credibilidade e a pluralidade de vozes da sociedade nessa esfera renovada da política externa.

Contrariamente à hipótese do esvaziamento e da marginalização do Itamaraty, a criação do CONPEB permite a institucionalização da participação da sociedade civil nas agendas da política externa, garante centralidade ao Itamaraty e, assim, evita a privatização da política externa.

O CONPEB seria assim uma instituição colegiada formalmente integrante da estrutura do governo federal para assessorar o Poder Executivo, na qual a relação público/privado se estabeleceria, materializando princípios da democracia representativa e participativa. Sua finalidade principal seria servir de instrumento para garantir a participação popular, o controle social e a gestão democrática da política externa brasileira, assegurando a predominância do interesse público. Tal iniciativa se adequa à proposta do atual governo de criação e implementação do Sistema Nacional de Participação Social.

O GRRI e as pessoas e organizações que apoiam essa nota, consideramos, que a criação do CONPEB é fundamental para a democratização da política externa e do Estado brasileiro, e para que as diretrizes globalmente positivas da política externa adotada neste último período possam ser aprofundadas.

 

Redação

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