Brasil: a racionalidade dos interesses e o imponderável

Determinadas linguagens e certos comportamentos políticos, que guardam expressivos traços de golpismo, a princípio, não passam de espuma raivosa de setores sociais específicos, particularmente frações das classes médias. Em boa medida, geograficamente identificáveis, mais especificamente de São Paulo.

Na contramão, a insignificância do fenômeno no país salta às vistas, sendo marcante no Rio de Janeiro, nas redes e nas ruas: um protesto marcado para esta quarta-feira (11/03) conseguiu contar com não mais do que 30 pessoas. Virou motivo de chacota.

Em todo caso, por conta do acentuado peso político, econômico e simbólico que o estado de São Paulo possui no país, é impossível desprezar a cantilena a favor do “impeachment da presidente Dilma Rousseff”. Notadamente pela capacidade bandeirante de ingerência na construção da agenda pública nacional e pelo potencial envenenamento da mesma.

Assim, não é desrazoável afirmar que se tratam de setores que têm sido instigados pela cosmovisão reacionária dos conglomerados de comunicação, sempre ciosos em modelar a opinião pública e interferir decisivamente nos rumos do país.

As Organizações Globo, tão enraizadas no Rio, parecem revelar uma capacidade de influência, no desgaste da imagem do governo e do PT, com mais “competência” em São Paulo. A longa e empedernida trajetória dos embates entre petistas e tucanos no estado de origem, evidentemente, ajudam. E muito, pois consiste em um caldeirão político e cultural mais receptivo. São Paulo ainda conta como sede de outros conglomerados, Estadão, Folha e Abril, que engrossam o caldo. E o país praticamente a assistir aos desdobramentos.

Contudo, em se tratando dos eventuais riscos de mobilizações (golpistas) por um “impeachment”, um exercício mínimo de racionalidade diria que:

1. O setor financeiro tem alcançado muitos lucros com a sucessão de governos petistas. Só o Bradesco obteve em lucros anuais, ano passado, cerca de metade do que é investido pelo governo no Bolsa Família. O próprio “ajuste fiscal” em adoção corresponde a garantias para o pagamento de juros aos especuladores e banqueiros, via superávit primário.

2. O setor latifundiário, agropecuário, que tem se constituído em um dos eixos do modelo econômico privilegiado, primário-exportador, tem ganhado bastante e não tem visto qualquer ameaça de reforma agrária, anos a fio.

Ademais, quanto a possíveis agentes promotores de um golpe: Forças Armadas? Após as trágicas experiências do golpe e da ditadura instalada em 1964, que até hoje maculam acentuadamente a imagem das corporações militares? Um Legislativo, amplamente desmoralizado, desapossado de qualquer fiapo de confiança junto à grossa parte da população?

Difícil encontrar atores dos diferentes circuitos do poder disponíveis a uma aventura golpista. Por conta, também, da imprevisibilidade sobre possíveis reações de amplos segmentos da sociedade, que por ora, somente acompanham cética e desinteressadamente ao falatório. Do ponto de vista da racionalidade dos interesses de diferentes círculos do poder, mormente da burguesia – ávida por estabilidade para os negócios e a acumulação –, é muito difícil identificar eventuais agentes disponíveis.

Ao que tudo indica, trata-se de estratégia utilizada pelo oligopólio da mídia e pela casta partidária que tem flertado com o fascismo (PSDB, em especial), desde o “mensalão”: desgastar ao máximo a imagem do governo e do PT, para que cheguem esgotados e sem possibilidades de êxito na próxima eleição presidencial.

O PT e os governos Lula/Dilma, evidentemente, deram e dão margens para inúmeras críticas e descontentamentos. Sequer têm revelado possibilidades de preservação de um consenso em diversos setores das suas próprias bases, efetivas e potenciais. Diga-se, um consenso tendencialmente apassivador e assentado em uma lógica mercantilizada de ganhos via poder de consumo. Não fecundado no solo dos direitos. Mas, essa é outra história.

O que interessa realmente destacar é que, para aqueles/as sintonizados/as com uma mentalidade cartesiana, como o próprio autor destas linhas, é sobremaneira difícil enxergar mais do que ruídos fascistóides, geograficamente localizados e que servem para reforçar a nauseante oposição petucana – a cada dia mais destituída de sentido, devido a inúmeras convergências programáticas.

No entanto, é sempre válido lembrar que as subjetividades individuais e coletivas não se orientam apenas por interesses racionais, frios e calculistas. O imprevisível, o imponderável sempre desempenhou importante papel na História. Valores e crenças, as experiências cotidianas, a “economia moral”, como chama E.P.Thompson, tem capacidade indiscutível de nortear a ação dos sujeitos. Mesmo iniciativas absurdas.

Nesse sentido, os conglomerados da mídia brasileira têm destilado, diuturnamente, perigosos venenos fascistóides, antidemocráticos e despolitizantes, tendendo a alimentar a construção de valores e disposições comportamentais incompatíveis com o regime democrático e o seu necessário aprofundamento. O que pode estimular o envolvimento de estratos do poder que, “racionalmente”, com base em seus potenciais interesses imediatos, não participariam de aventuras golpistas. Por isso, o momento exige estado de atenção, entre democratas, progressistas e esquerdistas dos mais variados matizes.

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.

Publicado no Diário Liberdade
http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/414-batalha-de-ideias/54764-a-racionalidade-dos-interesses-e-o-imponder%C3%A1vel.html 

 

Redação

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