Crivella: conservadorismo, oportunismo e casos polêmicos, por Roberto Bitencourt

por Roberto Bitencourt da Silva

O senador Marcelo Crivella (PRB), líder nas sondagens eleitorais para a prefeitura do Rio de Janeiro, há anos tem conseguido projetar uma imagem razoavelmente positiva. 

Dotado de retórica articulada, simpático e costumeiramente sereno, o candidato tem perseguido a construção de uma identidade propositiva e acima das “disputas” e dos “interesses políticos”.

O “bem comum”, habitualmente argumenta, é o seu objetivo maior. Tem conseguido convencer a muitos. Desde o início da década de 2000, paulatinamente vem galgando posições importantes no cenário municipal e estadual do Rio de Janeiro.

Senador há mais de 10 anos, as frequentes participações nas corridas eleitorais da capital e do estado demonstram crescente influência política e obtenção de votos.

Porém, muito longe da imagem projetada, Crivella possui lado e representa interesses bastante claros: a inserção e o aumento do poder de ingerência da cúpula da Igreja Universal, da qual é bispo licenciado, na formação da opinião e na construção da agenda pública brasileira.

Cumpre de antemão observar que não quero explorar questões de natureza religiosa. Note-se que, não raro, a religiosidade dos fiéis, no cotidiano, não guarda necessariamente relação com os propósitos de poder das cúpulas.

Como toda e qualquer instituição – religiosa, política, militar, empresarial etc. –, são comuns os descompassos e fossos entre as burocracias, os comandos dirigentes e as suas bases.

Isso posto, recorri ao noticiário do jornal O Globo, veiculado desde o início da década de 1990, para acompanhar a trajetória de Crivella e tecer algumas ponderações sobre o significado da sua candidatura. Deixo de lado certas informações que já têm sido veiculadas por demais órgãos de comunicação, em função das notórias repercussões públicas.

Em primeiro lugar, restringindo-me especificamente ao terreno da moralidade, não é verdade o que a campanha de Crivella tem explorado, acerca de eventual inexistência de envolvimento em “escândalos”.

No início dos anos 1990, a compra da TV Record pelo bispo Edir Macedo foi motivo de acalorado questionamento no noticiário. O processo envolveu intervenção do Judiciário e da Polícia Federal, devido a controversas fontes de financiamento da operação sobre um veículo de concessão pública.

Em 12/10/1991, o jornal noticiava que Macedo encontrava-se com “prisão decretada” e que o bispo Crivella deveria ser conduzido “pela polícia para prestar depoimento, até mesmo com uso de força, se houver necessidade”. Crivella teria faltado ao depoimento na PF e sido “proibido de deixar o País”.

No ano seguinte, ainda em relação a potenciais “irregularidades na compra da Rede Record”, era veiculada a informação de que Crivella aparecia “como beneficiado num empréstimo realizado para a compra da TV Record Rio Preto (SP)” (O Globo, 7/05/1992).

Anos depois, o assunto era retomado nas páginas do jornal sob manchete intitulada “PF ouvirá Crivella sobre evasão de divisas”. Tratava-se de investigação acerca das polêmicas modalidades de compra da TV Record, em que a notícia asseverava que o senador “é acusado em inquérito de envolvimento com empresa em paraíso fiscal” (O Globo, 3/07/2004).

O jornal denunciava ainda que Crivella não havia declarado ao Tribunal Regional Eleitoral a participação na propriedade de dois canais de televisão – TV Cabrália, em Itabuna (BA) e TV Record, de Franca (SP).

Com isso, estaria com a então candidatura a prefeito do Rio ameaçada de impugnação (O Globo, 10/07/2004). Poucos dias depois, matéria reverberava imbróglio na TV Record Rio, envolvendo o nome de Crivella e a possibilidade de uso de “laranjas” na aquisição da emissora (O Globo, 17/07/2004).

Adentrando a superfície propriamente política, eleito senador em 2002, Crivella sistematicamente aparece em arranjos políticos, marcados pela mais absoluta diluição das fronteiras ideológicas e partidárias. É o furor pelo poder que norteia as suas ações.

A despeito de eventuais rusgas, as suas relações com o ex-governador Anthony Garotinho são estreitas, ao menos desde o lançamento da candidatura Garotinho (à época no PSB) à Presidência da República, em 2001. Apoios recíprocos têm sido constantes, como ainda hoje.

Crítico e opositor de Cesar Maia, então no PFL, em 2004 (O Globo, 1/01/2004), quatro anos depois aparecia em matéria como aliado de ACM Neto, em Salvador, de “olho” em uma “aliança” com Maia, com vistas a potencial segundo turno na eleição para a prefeitura do Rio (O Globo, 1/01/2004).

Aliado de Sergio Cabral Filho (PMDB), de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), durante anos, recentemente vem tecendo ácidas críticas ao ex-governador e aos dois ex-mandatários da Nação, como se oposição fosse. Participou da movimentação golpista para retirar a presidente eleita e não assume qualquer responsabilidade sobre as mazelas do estado e do País, no passado e no presente.

Crivella articulou “apoio evangélico a Dilma” (O Globo, 9/10/2010) e era considerado um “amigo” pelo presidente Lula (O Globo, 10/06/2008). Ademais, chegou a mobilizar slogan de campanha lulista, em candidatura para prefeito do Rio: “Crivella, lá” (O Globo, 7/07/2008). As conveniências de momento são uma expressiva marca na trajetória do senador Crivella. Surfar na onda e beneficiar-se eleitoralmente: eis a regra do seu jogo. Ideias, programas e coerência mínima são cartas fora do baralho.

Saiba mais: as matérias de O Globo aqui mobilizadas encontram-se ao final do texto.

Atualmente posicionando-se como crítico de Eduardo Paes (PMDB), inicialmente afirmava em 2008 que o pemedebista era o “candidato dos ricos”. Pouco depois, no segundo turno da mesma eleição, apoiou Paes, alegando que ele faria “uma gestão sobretudo para os mais pobres” (O Globo, 15/10/2008).

Nessa mesma eleição reverberava abertamente posicionamentos conservadores em relação aos direitos individuais. Satanizava o então candidato Fernando Gabeira (PV) como defensor do “aborto”, da relação “homem com homem” e da “maconha” (O Globo, 22/03/2008).

Preconceitos assentados no desrespeito a potenciais direitos elementares dos cidadãos, assim como uma percepção reacionária antidrogas, que somente estimula o tráfico de armas e de drogas – bem como a criminalidade violenta na cidade –, consistiam no feijão com arroz da retórica crivellista.

Apesar de hoje afirmar, reiteradamente, ser contrário à “intolerância”, é difícil acreditar no candidato.

Também no ano de 2008, grave escândalo envolveu o nome de Crivella. Tratou-se do projeto “Cimento Social”, que realizou obras no Morro da Providência, na capital fluminense. O Exército foi envolvido nas obras, sem o conhecimento da população local.

Três jovens moradores foram barbaramente assassinados, com envolvimento de agentes do Exército. Ocorreram protestos populares em que se denunciava o senador do seguinte modo: “Marcelo Crivella, o seu nome está manchado com sangue de três inocentes” (O Globo, 17/06/2008).

O projeto foi suspenso pelo TRE-RJ. A motivação foi o apontamento judicial de que as obras estavam sendo promovidas com finalidade meramente eleitoral (O Globo, 25/06/2008).

Cumpre assinalar que a escalada da influência política e eleitoral de Marcelo Crivella coincide com alguns fenômenos sociais e políticos.

Um deles é o obscurecimento do brizolismo na cidade e no estado do Rio de Janeiro. A primeira eleição exitosa de Crivella, como senador, em 2002, não gratuitamente correspondeu a última candidatura lançada por Leonel Brizola. O ex-governador amargou o 6º lugar entre os postulantes ao Senado. As suas bases sociais eram (e poderiam ainda ser) comuns.

A ascensão do número de seguidores da Igreja que tem em Crivella um dos seus líderes, também coincide com a crise da dívida externa brasileira, nos anos 1980, e os seus efeitos deletérios para a cidade e o país. A desindustrialização da urbe carioca, sobretudo na década de 1990, foi uma das consequências mais marcantes, notável na Av. Brasil – via expressa que corta boa parte do município.

Conforme o mundo do trabalho mudou, os empregos industriais foram desaparecendo, as formas de sociabilidade de grossa parte dos moradores e trabalhadores das zonas norte e oeste do Rio mudaram.

Os sindicatos e as modalidades cooperativas de relacionamento no cotidiano, típicas do emprego industrial, foram substituídas pelas redes de assistência e sociabilidade religiosa. A Igreja Universal aí entrou com força, convertendo-se em importante esfera de afirmação, dignidade e identidade dos sujeitos. Evidentemente, com implicações eleitorais e mudanças nas visões de mundo.

Ademais, a emergência da TV Record, aliada direta da Igreja Universal, tem contribuído para a introdução e o reforço de valores e esquemas de percepção com incidência na vida política e nas estruturas de poder da cidade, do estado e do país.

Em um país subalterno na divisão internacional do trabalho, dependente em termos tecnológicos das corporações multinacionais – afetando decisivamente o modelo de sociedade e as oportunidades de vida da população, particularmente das classes populares e trabalhadoras –, importa ressaltar que as incoerências políticas de Crivella têm representado a busca pela manutenção desse status quo neocolonizado.

Sem dúvida, com a crescente participação do agrupamento político representado por Crivella. O apoio ao golpe contra a soberania do voto e o Brasil, redundando em uma voraz entrega do patrimônio público para os gringos, bem como à destruição dos direitos sociais (com a nefasta PEC 241), contou e conta com a participação ativa do grupo de Crivella no desmonte em curso da Nação.

Trata-se da mera busca do poder pelo poder, para chumbar-nos no atraso cultural, tecnológico, econômico e político. A formação de uma cabeça de ponte no Rio para o obscuro fundamentalismo incrementar o atraso cultural, bem como o entreguismo deslavado, são os significados reais da candidatura Crivella.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Redação

6 Comentários

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  1. Golpista

    E, acima de tudo, Crivella é golpista.

    J. Carlos de Assis sustentou num post anterior a este que Crivella votou a favor do impeachment da Dilma por “cálculo político”.

    Desde a consumação do golpe, ficou claro que estamos vivendo tempos anti-democráticos. O estado de direito está ameaçado.

    Numa conjuntura dessa, não há como ser condescendente. Crivella votou pelo golpe e isso é indesculpável para quem preza minimamente o estado democrático. Não interessa se for por “cálculo político”.

    Não dá para tergiversar. Golpista não. De nenhuma forma.

    1. Se vale rasgar a falecida CF
      Se vale rasgar a falecida CF por cálculo político, o que podemos esperar?

      Se eleito, e a maioria da população for favorável, por ex, que a guarda municipal dê porrada em manifestantes, ele pode mandar descer o pau por cálculo político?. Não, responderão seus apoiadores.

      Mas ate onde vai o cálculo político de alguém capaz de rasgar a CF? Qual é o limite?

  2. Oportunistas

    É preciso ressalvar a diferença do oportuno = momento adequado, e o oportuno = conveniente. O primeiro se justifica pela situação, circunstância, que é a oportunidade. O segundo se ampara na vantagem e no proveito próprio. Um exemplo seria a chegada do presidente Lula ao poder maior da nação. Ele foi conduzido pelo povo, pelos movimentos sociais, e pelo declínio das forças neoliberais incapazes de governar. Porém a chegada de Dilma a presidência se deu no oportunismo da popularidade de seu antecessor. Ela nunca passou pelo crivo das urnas; desarticulada; inábil; centralizadora; deu no que deu. O Crivela, mesmo com suas ligações pouco claras com amigos e religiosos, deve receber a oportunidade de governar a cidade, e demonstrar se é mais uma carinha bonita, ou se irá ajudar os moradores do Rio de Janeiro.

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