O PDT morreu, mas o brizolismo está vivo

Por Roberto Bitencourt da Silva

Na segunda-feira (25/07) o PDT fluminense lançou o nome da deputada estadual Cidinha Campos como candidata a vice-prefeita, para compor a chapa eleitoral com o deputado federal Pedro Paulo (PMDB), que concorre à Prefeitura carioca.

Pedro Paulo é tido como fiel escudeiro do prefeito Eduardo Paes (PMDB) e, há meses, tem sido apresentado como nome de continuidade da administração pemedebista.

A aliança do PDT com o candidato de Paes surpreendeu a muitos no Rio de Janeiro. Virou voz corrente que “Brizola deve estar se revirando no caixão”.

Isso não tenho condições de saber. O que sei é que não espanta esse mais novo capítulo da degradação do antigo partido do ex-governador Leonel Brizola.   

Há anos o PDT converteu-se em mero satélite do PMDB, oferecendo estreito apoio parlamentar e ocupando cargos nos governos do estado do Rio de Janeiro e da capital.

Está muito à vontade e enfronhado na orientação elitista e empresarial dos governos capitaneados pelo PMDB no estado.

Com a aliança eleitoral estabelecida com Pedro Paulo, o PDT conseguiu a proeza de situar-se em uma posição política mais rebaixada e contestável que o PT e o PC do B.

Estes, também anos a fio frequentando os salões palacianos do PMDB e lhe dando apoio, somente em função do afastamento da presidente Dilma Rousseff desligaram-se do PMDB fluminense e lançaram candidatura própria, com Jandira Feghali.

O PDT nem isso. Mantém-se com o PMDB de Eduardo Paes, a despeito de todas as notórias evidências e denúncias de uma administração que sempre atuou contra os interesses populares. À essa altura do campeonato, tal aliança só pode ser motivada por convicção reacionária.

A última pá de cal foi lançada sobre o PDT nessa semana. Um partido criado para retomar o que Brizola chamava de “fio da história”. Isto é, um instrumento político norteado por princípios nacionalistas populares, socialistas e anti-imperialistas. A recuperação das lutas e das bandeiras populares abortadas e silenciadas pela ditadura de 1964.

Com muita expressão no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, enquanto Brizola esteve à frente, o PDT conseguiu aos trancos e barrancos defender e pôr em realização aqueles valores políticos.

Ademais, se teve uma marca importante da história brizolista foi a despreocupação com cargos políticos e votos, com eventuais conveniências. A coerência programática falava mais alto. É sempre bom lembrar que Brizola morreu fazendo oposição à esquerda ao governo Lula. Praticamente sozinho, contando apenas com a companhia dos então chamados “radicais” do PT. Muitos posteriormente expulsos e fundadores do Psol.

Nesse sentido, de maneira alguma é possível compatibilizar o trabalhismo/socialismo brizolista com o PMDB de Sergio Cabral, Pezão, Eduardo Cunha, Paes e do velho algoz Moreira Franco, o “gato angorá” como ironizava Brizola ao antigo e conservador cacique pemedebista.

O PMDB representa um grupo político que manda agredir professores na praça pública, que incrementa a especulação imobiliária na cidade – introduzindo medidas draconianas de remoção de casas de comunidades populares –, que submete a cidade a uma visão segregadora, limitando a mobilidade urbana e os fluxos das zonas norte e oeste para a zona sul (área mais abastada e que concentra os bens culturais e de entretenimento).

Um agrupamento político reacionário que torna os recursos públicos e toda a cidade em meros dispositivos da sanha do grande capital. Não, amigos, o velho e bom brizolismo não tem nada a ver com isso. É a sua antítese em estado bruto.

Aos olhos de Eduardo Paes e do PMDB, seguramente, o apoio buscado no PDT visa angariar alguma legitimidade para a candidatura de Pedro Paulo.

De um lado, o deputado federal tem sobre as costas séria acusação de ter agredido a ex-esposa. A respeito, a pedetista Cidinha Campos, tentando emprestar apoio e credibilidade feminina, saiu-se com essa:

“O movimento feminista tem que cuidar para que mulheres tenham o mesmo salário que os homens. Esse é um caso resolvido (a acusação de agressão por parte de Pedro Paulo). Eu sou contra a violência doméstica, mas quando é com pessoas desvalidas, que não têm como se socorrer, que não têm como se amparar. Ela (Alexandra) está bem, está feliz, ela está muito mais rica do que quando estava com ele. O marido dela parece que é muito mais rico do que o Pedro Paulo” (O Globo, 26/07/2016).

No mínimo, grotesco. De outro lado, Paes e PMDB buscam no PDT capitalizar alguma capa popular e progressista, hoje inexistente. Haja estômago para acompanhar uma nauseante mobilização eleitoral do legado de Brizola. Contudo, não convencerá.

O PDT morreu de vez. Ah, mas o autor está exagerando, isso é só no Rio! Ora, se na principal base política, histórica e simbólica de Brizola, o PDT converteu-se em satélite do reacionarismo, do entreguismo, do golpismo e do elitismo pemedebista, esperar o que em demais unidades da Federação?

Reitero, essa semana foi a última pá de cal jogada no PDT. Porém, o brizolismo está vivo.

Ele está vivo em cada jornalista e em demais trabalhadores e cidadãos que questionam a credibilidade dos oligopólios de comunicação, em especial da Globo.

Em cada trabalhador sem-teto e sem-terra, que luta cotidiana e aguerridamente pelo inalienável direito à moradia e à terra, salteia uma veia brizolista.

Em cada trabalhador favelado que protesta contra as violações dos direitos humanos dos moradores de comunidades populares, superexploradas e excluídas, bate um coração brizolista.

Em todo professor que luta pela dignidade das condições de trabalho e ensino ao menos um pouquinho de brizolismo está lá presente.

Em cada cidadão que aspira a um Brasil soberano – questionando interesses espúrios de oligarquias internas e potências capitalistas e imperialistas –, que tem a expectativa e age por uma sociedade mais justa e menos desigual, com um povo livre, culto, saudável e feliz, a gente pode encontrar um cadinho de brizolismo.

Assim, deixando de lado o superado PDT e considerando a difícil conjuntura para a cidade e o estado do Rio de Janeiro, bem como para o país e o subcontinente latino-americano, encerro com passagens de importante texto da pena de Leonel Brizola, publicado em 1962.

Vale bastante a reflexão, incomum, mas necessária em nossos dias. Particularmente para a juventude, que, naturalmente, pouco ou nada conhece desse grande patriota e histórico líder popular e das esquerdas brasileiras. As sábias palavras de Brizola, eis um legado de verdade:

“Por que tem sido de empobrecimento, de marginalismo, de degradação física e cultural, a vida dos povos latino-americanos? Quais as causas do drama da América Latina? Corresponde à tragédia social do nosso Continente a um determinismo, a uma fatalidade histórica, a uma condenação contra a qual nada conseguimos ou poderemos fazer? Se decorre do fato de sermos todos nós nações jovens – nação jovem não é os Estados Unidos? Devemos a proletarização crescente da nossa América ao clima? A nossa composição racial? (…).

Ou “não convém”, ou “não vale a pena” cogitar das causas e origens dos nossos males? Quem sabe se não é melhor passar, desde logo, à terapêutica, como preconizam os grupos e classes dirigentes da própria América Latina? Essas classes dominantes prescrevem a nossa entrega total aos “milagres” da livre empresa, do capitalismo, ao poder mágico que emana dos trustes e das corporações estrangeiras. Para tais grupos e classes a solução está em franquearmos nossas riquezas à exploração do capital estrangeiro, ao seu domínio, confiando-lhes o controle dos setores fundamentais das nossas economias (…).

E por que, tendo adotado [tal] doutrina não [conseguimos] o desenvolvimento? Por que – persiste a pergunta – não nos alçamos ao nível dos países desenvolvidos? E por que, politicamente, não conseguimos sistemas institucionais que nos conduzam ao desenvolvimento? Essa é a questão crucial. Esta é a pergunta que queima nossas consciências. Esta é a questão que desafia a nossa geração. Aceitamos o desafio. Incluo-me entre os que consideram que estamos submetidos a uma execrável injustiça. A insubmissão a essa injustiça é uma reação isenta de colorido ideológico – é reação de patriota, de cidadão e de ser humano que não se conforma com as agressões a sua dignidade e a sua própria existência.

Podem as classes dirigentes, através de seus formuladores e teorias, compor, rendilhar, articular as doutrinas que quiserem. Não nos conseguirão mais enganar. Sabemos hoje que nós, latino-americanos, somos vítimas de um tremendo processo de descapitalização. Nossas riquezas estão sendo succionadas, drenadas para fora dos nossos países. Há uma transferência contínua e crescente de nossas rendas nacionais e os frutos do nosso trabalho para outras áreas onde estão instalados os controles remotos de nossas economias. O trabalho dos nossos povos é dilapidado sistematicamente. Todo esse quadro de saque e sangria compõe o processo espoliativo que se apoia nas nossas estruturas internas, moldadas de forma a servirem aos interesses dos trustes e das corporações (…). Aqui está a matriz das inclementes injustiças sociais que vergastam as nossas populações (…)”.

(Leonel Brizola, prefácio do livro “Vais bem, Fidel!”, de Jurema Finamour, editora Brasiliense, São Paulo, 1962, páginas V-VIII).  Abaixo disponibilizo o texto completo em imagens.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Publicado no Diário Liberdade.

Redação

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