Crise e multiplicadores fiscais, por Rodrigo Medeiros

O debate público qualificado sobre a extensão temporal da crise global ainda está presente entre nós. Informações de diversas fontes apontam mesmo para o fim do boom das commodities em um tempo no qual uma onda de insatisfação social encontra-se presente na América Latina [1]. Esta insatisfação difusa questiona a estagnação dos avanços sociais na região e os governos de diferentes orientações político-ideológicas precisam efetivamente lidar com essa complexa situação.

Delfim Netto, por sua vez, afirma: “A verdade é que como não sabemos como terminaria a crise de 1929 na ausência da preparação para a Segunda Guerra, continuamos a não saber como terminará a crise em que vivemos. Aparentemente ela deixou uma desorganização que se manifesta na redução da capacidade política e do produto potencial de todas as sociedades, consequências da continuidade do absoluto domínio das finanças sobre a produção de bens e serviços, que até agora os governos foram incapazes de corrigir” [2]. Nesse complexo contexto, os bancos centrais dos países democráticos precisam avaliar suas opções.

No atual contexto de contração dos gastos familiares, de redução dos investimentos privados, de elevação do desemprego e de baixa dos preços das commodities, há quem pergunte ainda o que deve ser feito no curto prazo. Existem visões interessantes sobre o assunto. Vejamos rapidamente.

Para Caggiano e Castelnuovo, o crescimento do gasto governamental se mostra mais efetivo exatamente quando ele é realmente mais necessário, ou seja, quando uma economia está em uma recessão profunda, por exemplo [3]. Entre as suposições dos acadêmicos encontra-se a sustentabilidade da dívida pública, ainda que na presença de acréscimos nos gastos públicos não imediatamente respaldados pelo crescimento das receitas. Nesse ponto, é necessário avaliar a eficácia das instituições fiscais de cada país. Entre nós, por exemplo, o “sonegômetro” registra a elevada estimativa de perda de arrecadação fiscal [4].

De acordo com Blanchard, o crescimento potencial dos países avançados já estava declinando antes da crise porque o envelhecimento da população e a redução da produtividade total estavam presentes [5]. A queda da produtividade é mais acentuada nos mercado emergentes, apontou o economista do FMI, onde envelhecimento populacional, baixa acumulação de capital e baixa produtividade se combinam para reduzir o crescimento potencial nessas sociedades. Investir em infraestrutura para remover pontos de estrangulamento pode se mostrar proveitoso quando as reformas estruturais não conseguem operar milagres do crescimento no curto e médio prazo.

No caso dos países em desenvolvimento, há cálculos que apontam que eles se beneficiam do investimento governamental em infraestrutura quando este é comparado ao multiplicador fiscal do gasto com o custeio das máquinas públicas [6]. Ademais, o investimento é capaz de construir uma importante capacidade produtiva e contribuir para o crescimento no longo prazo. Vivemos um momento bem delicado da nossa história coletiva. A perspectiva próxima de um mergulho econômico requer alguma reflexão sobre as grandes lições do passado [7]. Felizmente há espaços civilizados para essa discussão em nosso país.

Rodrigo Medeiros é professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo)

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/06/1648819-em-crise-presidentes-da-america-latina-sao-cobrados-pelos-cidadaos.shtml?cmpid=%22facefolha%22

[2] http://www.valor.com.br/brasil/4114312/o-futuro-esta-mais-opaco-do-que-costumava-ser

[3] http://www.voxeu.org/article/government-spending-multipliers-and-business-cycle

[4] http://www.quantocustaobrasil.com.br/

[5] http://blog-imfdirect.imf.org/2015/04/14/four-forces-facing-the-global-economy/

[6] http://www.economist.com/blogs/freeexchange/2013/08/fiscal-policy-developing-countries

[7] https://jlcoreiro.wordpress.com/2015/06/26/entrevista-para-o-cofecon-sobre-a-atualidade-do-pensamento-keynesiano/

 

Rodrigo Medeiros

3 Comentários

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  1. O problema moral

    Penso que o prejuízo dos mal investimentos é muito superior à sonegação de impostos, pois esta devolve o poder de compra  para quem gasta, o povo, com o preço menor e competitivo do produto na boca do caixa.

    Já a compra de derivativos podres ou investimentos ruinosos feitos por funcionários públicos ( BNDES me vêm a mente, não sei por que) beneficia alguns poucos, pouquíssímos mesmo ( aqui não dá para deixar de pensar Friboi e Odebrecht) que não acrescentam nada no consumo interno do país.

    Ou seja, existem meios do dinheiro não ir para o caixa do governo, um extremamente perverso e danoso e outro que tenta reestabelecer a capacidade de investimento e produção na selva intransponível das obrigações fiscais e legais hoje em vigor no Brasil que são implementadas por agêntes públicos que pensam só no seu interesse privado.

     

    1. Não considero injeção de

      Não considero injeção de dinheiro ou participação acionária do BNDES em empresa como investimento.

      No caso estamos falando de investimento direto em infrastrutura no Brasil, onde as oportunidades são quase infinitas (a carência é gigantesca). O fator multiplicador desses investimentos é gigantesco, tanto pela geração de empregos diretos quanto pelos benefícios de longo prazo que esses investimentos trariam à economia.

      O projeto de ferrovia transoceânica, caso saia do papel, cabe perfeitamente na definição de investimento em infrastrutura com reflexos positivos (diretos e indiretos) por toda a cadeia produtiva. Agora empréstimo do BNDES para a Friboi comprar o Bertin não acrescenta absolutamente nada, a não ser no bolso dos acionistas.

  2. Eh! Assim.
    Penso que nao era hora para fazer o ajuste rapido, corte na carne da economia.
    sim em um espaco e tempo dilatado e melhorar, dar prioridades aos investimentos existente na infraestruturas. E relocacao de alguns cortes de outras areas em novos investimentos. O governo americano dos democratas lutaram muito com os republicanos e conseguiram por algum tempo estes investimentos na infraestruturas, ate hoje algumas obras estao em andamento e deslocou algumas para nao parar outros iniciados antes a crise.
    Lula deu sorte que o PAC 1 jah tinha saido dis gabinetes e estava no inicio. Alimento os empregos, principalmemte outras regioes.

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