Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Segurança energética e mudança climática: o caso russo

Enviado por Ronaldo Bicalho

Do Blog Infopetro

Por Felipe Imperiano

Além de ocupar uma posição relevante no que tange o fornecimento energético, a Rússia é um dos maiores consumidores mundiais de energia de origem fóssil, portanto as suas decisões de política energética têm implicações para a segurança energética e a sustentabilidade do meio ambiente, em uma dimensão global (IEA, 2011, p. 245). O que faz com que o seu posicionamento, dada a perspectiva de elevação de temperatura mundial, em função da liberação de carbono na atmosfera pelo consumo de energia, seja de amplo interesse.

A Rússia foi o terceiro maior produtor de energia do mundo, em 2011. A sua produção total foi de 1.314,88 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (Mtep), isto é, aproximadamente 10% da produção mundial (IEA, 2013a, p. 54). A demanda interna bruta[i] total, nesse mesmo ano, foi de 730,97 Mtep (IEA, 2013, p. 240). Isso representou um crescimento de 4,1%, em relação ao ano anterior (IEA, 2012, p. 13). Ainda assim, o seu percentual no total do consumo mundial diminuiu ligeiramente de 6% para 5,6% e ela passou a ser o quarto maior demandante de energia, sendo ultrapassada pela Índia (IEA, 2013, p. 13; IEA, 2012, p. 13).

Em 2011, a Rússia emitiu 1.653,23 Mt de dióxido de carbono, isto é, 5,3% das emissões mundiais, o que faz dela a quarta maior emissora de CO2 (IEA, 2013a, p. 54). Estima-se que entorno de 82% das emissões de gases de efeito estufa russas sejam provenientes do setor energético (IFC, 2011, p. 11). O pico das emissões de CO2 acorreu em 1989 e, a partir de então, caíram continuamente até 1998, com ilustra o Gráfico 1 (BP, 2013). No ano seguinte, concomitantemente à mudança de governo e ao início de sua recuperação econômica, essa tendência se inverteu. Entre 1999 e 2011, as emissões russas cresceram em média 0,9% ao ano, porém ainda são, aproximadamente, 30% menores do que em 1989.

 

Gráfico 1: Variação anual das emissões russas de CO2, entre 1986 e 2012.

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Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da BP (2013)

Quando comparada às médias das emissões mundiais e dos países da OCDE, em termosper capita e por unidade do PIB, revela-se mais uma dimensão da baixa eficiência energética do país. Em 2011, a Rússia emitiu mais dióxido de carbono per capita[ii] do que a média mundial (159%), da OCDE (17%) e da China (96%), (IEA, 2013a, p. 48). As discrepâncias são ainda maiores com relação ao PIB. O Canadá, país da OCDE com clima e participação da indústria pesada no PIB mais semelhantes aos da Rússia (IEA, 2011, p. 258), emite 75% menos CO2 por unidade do PIB produzida[iii], enquanto os países da OCDE e os EUA, nessa ordem, emitem 83% e 77% menos (IEA, 2013a, p. 48). Como mostra o Gráfico 2 a seguir.

Gráfico 2: Emissões de CO2 per capita e por unidade do PIB, em 2011.

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Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da IEA (2013a, p.49-58).

A possibilidade de aumento da eficiência energética, na Rússia, é maior do que em quase todos os outros países (IEA, 2011, p. 257). Segundo estimativas da IEA (ibid., p. 258), haveria potencial para economizar 180 bcm de gás natural, 600 kb/d de petróleo, mais de 50 Mtce de carvão, que juntos representariam um gasto de US$ 70 bilhões, ou 46% dos gastos do país com energia, em 2008. Além disso, o consumo final de energia elétrica poderia ser 170 TWh abaixo dos níveis atuais. Por exemplo, a IEA (ibid., p. 272) calcula que 11% da que energia elétrica gerada seja perdida somente nos sistemas de transmissão e distribuição.

A exploração de todo potencial do incremento da eficiência energética e da economia de energia tem como benefício a liberação de parte da produção de hidrocarbonetos, que hoje atende ao mercado interno, para a exportação e pode gerar uma receita adicional de US$ 84 – 112 bilhões (TYNKKYNEN; AALTO, 2012, p. 104). Com efeito, a atual oferta de energia russa seria capaz de suportar um nível maior de produção, isto é, crescimento econômico sem a necessidade de aumento do consumo de energia e dos investimentos para ampliação da oferta (IEA, 2011, p. 258). Por exemplo, se a eficiência energética do país fosse a mesma dos países da OCDE, isso significaria uma redução de mais de 200 Mtep da sua demanda de energia primária, ou seja, quase a totalidade da energia primária consumida pelo Reino Unido (ibid., p. 257).

Um dos desafios da política energética russa é conseguir estimular os investimentos em eficiência energética. Boa parte da capacidade industrial do país foi instalada há décadas, desse modo opera com equipamentos obsoletos e altamente ineficientes (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 140). O preço da eletricidade e do gás natural é artificialmente baixo, consequentemente, os estímulos tanto para os consumidores residenciais quanto para os industriais para conservar energia são reduzidos, além de tornar a taxa de retorno dos investimentos em eficiência energética incerta e de longa maturação (ibid., p. 137; IEA, 2011, p. 259). A IEA (2010, p. 601) estimou que, em 2009, os subsídios ao consumo de gás natural e eletricidade na Rússia somaram quase US$ 34 bilhões, isto é, 2,7% do PIB. A taxa de subsídio – ou seja, a parte do custo econômico total que o consumidor deixa pagar – do setor elétrico foi de 27%, para o gás natural o descontou chegou a 50% (ibid., p. 601).

A baixa eficiência energética também está relacionada com a ausência de um ambiente institucional capaz de promover investimentos em novas tecnologias e na renovação do parque industrial. Atualmente, a eficiência energética da economia é uma das principais diretrizes da política energética russa de longo prazo (GOVERNO DA RÚSSIA, 2010, p. 24) e, mesmo tendo se tornado uma prioridade nacional nos últimos anos, as políticas têm mudado vagarosamente (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 137). Somente com a Lei de Eficiência Energética de 2009 e com o State Programme for Energy Saving to 2020, adotado em 2010, é que se estabeleceu uma política, em escala nacional, voltada para a eficiência energética (IEA, 2011, p. 260).

O país não só é importante para a solução do problema das mudanças climáticas, como também é especialmente vulnerável aos seus efeitos, apesar de ser bastante difundida na sociedade russa a crença que o aquecimento global poderia beneficiar o país, dada as suas baixas temperaturas (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 127). Para o Banco Mundial o aquecimento global é uma ameaça importante para a Rússia não só na esfera ambiental, como social e econômica (ibid., p. 127). Dada as suas características naturais, o país pode sofrer amplamente com os efeitos resultantes das alterações do seu clima. Um estudo do próprio Serviço Federal para Hidrometeorologia e Monitoramento Ambiental (Roshydromet) mostra que houve um aquecimento de 1,29º C no período de 1907 a 2006, enquanto o aquecimento global, para os mesmos 100 anos, foi 0,74º C (ROSHYDROMET, 2008, p. 8). Já se observa, no país, um aumento das inundações, ondas de calor, incêndios florestais e derretimento do permafrost[iv](CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 127).

Nesse último, os problemas envolvendo os impactos da elevação das temperaturas são particularmente complexos. O permafrost está presente em mais de 60% do território russo (ROSHYDROMET, 2008, p. 17) e a sua degradação não só tem impactos importantes sobre o ecossistema, como implica em custos sociais e econômicos. As edificações construídas sobre terrenos com uma camada de permafrost dependem do seu não derretimento para a manutenção da estabilidade.

Em 2007, ocorreram mais de 7.400 acidentes relacionados ao derretimento do permafrost (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 129). Espera-se também que as mudanças no solo em decorrência das alterações do permafrost possam causar o aumento da ocorrência de acidentes relacionados a derramamentos de petróleo e vazamentos de gás (KOKORIN; GRITSEVICH, 2007, p. 3), 95% da produção de gás natural e 75% da de petróleo ocorrem em zonas de permafrost e, atualmente, já tem sido gastos cerca de US$ 1,8 bilhões anualmente em virtude de acidentes e necessidade de manutenção da rede de dutos (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 129), por exemplo[v].

Por ora, o ecossistema russo ainda tem uma notável contribuição para a estabilidade ambiental do planeta, os seus benefícios são inclusive bastantes superiores aos impactos negativos gerados pela economia do país, entretanto o crescimento dos malefícios gerados pelo setor energético pode inverter essa posição (UNDP, 2010, p. 11).

Em 2009, foi assinado a Doutrina do Clima da Russa. Essa doutrina marca a primeira tentativa de institucionalização de uma política para as mudanças climáticas (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 134). O debate em torno da sua elaboração foi baseado, em grande parte, na publicação da Roshydromet, que admite o aquecimento global como um fenômeno induzido pela ação antrópica (KORPPOO, e 2009, p.3). A doutrina oferece um quadro inapropriado para a elaboração de políticas públicas, uma vez que não estabelece metas concretas para a adaptação e mitigação, mecanismos para tais atividades, ou um arcabouço para a cooperação internacional (CHARAP; SAFONOV, 2010, p. 134). Além disso, o documento dá maior ênfase à adaptação do que a mitigação (ibid., p. 135).

Dada a sua extensão geográfica e, consequentemente, a variação climática e topográfica, a Rússia tem potencial para se transformar em uma superpotência de energias renováveis (TYNKKYNEN; AALTO, 2012, p. 98). O potencial técnico dessas fontes é estimado em 4,6 bilhões de toneladas equivalentes de carvão por ano, excedendo o atual consumo energético em mais de quatro vezes (ibid.). Alguns especialistas acreditam que o potencial econômico seja superior a 270 Mtce por ano, o que equivale a 25% do consumo corrente (IEA, 2003, p. 29). A participação das fontes renováveis na matriz energética russa é bastante inexpressiva.  Em 2011, responderam por apenas 1% (7,54 Mtep) da oferta primária de energia e 0,31% (3304 GWh) da geração elétrica (IEA, 2013, p. 240).

Estudos preliminares sugerem que os benefícios totais gerados pelas renováveis superam o custo da implementação. De acordo com a companhia de energia russa RusHydro, um investimento de 90,19 bilhões de rublos até 2015 resultaria em benefícios econômicos superiores a 112, 36 bilhões de rublos (IFC, 2011, p. 5). Segundo o IFC (2011, p.24) uma das principais barreiras ao desenvolvimento das energias renováveis, na Rússia, são as condições desiguais de concorrência. A disponibilidade de grandes reservas de combustíveis fósseis, bem como a importância da indústria energética tradicional para o país representam um empecilho para as renováveis. Com a atual estrutura de mercado e política de preços, as tecnologias renováveis são mais caras do que as tradicionais. Desse modo, as perspectivas para as renováveis irão depender, em grande medida, do ritmo em que os subsídios aos hidrocarbonetos serão eliminados. Nos últimos anos, a energia renovável tem recebido atenção significativa na agenda política nacional, resultando, inclusive, em alguns documentos oficiais de política pública (IFC, 2011, p. 5), todavia o governo tem falhado em cumprir suas próprias metas de expansão das renováveis e reconhece que o país carece de um quadro legal e regulatório adequado para estimular o uso de fontes limpas no setor elétrico. (…) continua no Blog Infopetro

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

2 Comentários

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  1. Okay
    Outro fator importante
    Okay

    Outro fator importante para o quadro global é o plano alemão de substituição de nucleares.
    O plano é bem simples.
    Vou iniciar com um SIC( LOL )…Enquanto a tecnologia limpa não se desenvolve de modo a garantir o abastecimento com segurança, eles pretendem investir de 50 a 90 bi de euros em térmicas a carvão.
    Ainda bem que eles tem reservas infinitas de carvão. ..

    É O famoso plano Me Engana Que Eu Gosto.

  2. OkayOutro fator importante
    Dobrado

    Os russos não tem dinheiro. Eles tem que desenvolver o s500, novos mísseis intercontinentais o PAK e etc..

    Os chineses, com grana, estão fazendo a limpeza construindo dezenas de nucleares e um belo monte por ano em painéis foto voltaicos.

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