Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Setor elétrico brasileiro: enfim a conta chegou

Enviado por Ronaldo Bicalho

Setor Elétrico Brasileiro: enfim a conta chegou

Por Diogo Lisbona Romeiro

Do Blog Infopetro

O início do ano de 2015 foi marcado pela retomada do “realismo tarifário” no setor elétrico brasileiro. Os desavisados consumidores cativos surpreenderam-se com o novo valor da conta de luz e estão espantados com o custo efetivo da geração elétrica.

A política de realismo tarifário do segundo Governo Dilma contrasta-se com as medidas adotadas no primeiro mandato, que buscavam reduzir e postergar ao máximo o repasse aos consumidores cativos das elevadas despesas incorridas pelas distribuidoras – decorrentes da custosa geração térmica em operação e da liquidação no curto prazo dos montantes involuntariamente descontratados.[1]

O Governo optou por não repassar o custo efetivo da energia em véspera eleitoral, cobrindo o fluxo de caixa deficitário das distribuidoras com recursos do Tesouro (R$ 20,3 bilhões), via aportes na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), e com empréstimos tomados pela CCEE (R$ 17,8 bilhões), contabilizados na Conta ACR. Ainda é esperado mais um empréstimo de R$ 3,1 bilhões para cobrir as despesas de novembro e dezembro de 2014 das distribuidoras.[2] Os aportes do Tesouro não serão reembolsados, mas os empréstimos serão pagos pelos consumidores cativos entre novembro de 2015 e outubro de 2017. Em estimativa conservadora, a desestruturação financeira de todo o setor já ultrapassa R$ 60 bilhões.[3]

O ajuste fiscal em curso, comandado pelo Ministério da Fazenda, vetou qualquer possibilidade de novos aportes do Tesouro ao setor elétrico, reorientando-o rumo a sua desejável sustentabilidade econômico-financeiro. Se no curto prazo o realismo implicará em elevação tarifária exorbitante, no médio e longo prazo induzirá importantes ajustes no setor.

A Conta Chegou

A tarifa média de fornecimento para o segmento residencial, sem tributos, alcançou R$ 335/MWh em dezembro de 2014, o mesmo patamar de 2012, anulando em pouco tempo a redução tarifária média de 20% promovida a duras penas pela MP 579. É sobre este patamar que a ANEEL aprovou a revisão tarifária extraordinária em março, com efeito médio de 23,4%, para recompor a CDE, não mais coberta por recursos do Tesouro, e para repassar o aumento da energia de Itaipu. Ainda são esperadas elevadas revisões tarifárias ordinárias em 2015, com reajustes que podem superar 40%. As revisões já realizadas em fevereiro, em cinco distribuidoras que atendem a um total 612 mil consumidores, registraram reajuste médio de 33%.

Soma-se a estes significativos reajustes em curso, o sistema de bandeiras tarifárias que entrou em vigência no início do ano. Com o intuito de sinalizar a todos consumidores o custo efetivo da geração elétrica, as bandeiras representam um adicional tarifário que varia de acordo com a situação hidrológica vigente em cada subsistema. Quando o custo marginal de operação (CMO) mais o Encargo de Serviço de Sistema por Segurança Energética (ESSSE), que contabiliza os custos do despacho fora da ordem de mérito, for inferior a R$ 200/MWh, vigora a bandeira verde, que não implica em gastos adicionais. Quando o “CMO + ESSSE” estiver entre R$ 200 e R$ 350/MWh, vigora a bandeira amarela, implicando em acréscimo de R$ 25/MWh. Quando o “CMO + ESSSE” for igual ou superior a R$ 350/MWh, vigora a bandeira vermelha, acrescentando R$ 55/MWh. O adicional das bandeiras amarela e vermelha já sofreu reajuste em menos de dois meses de vigência – até fevereiro oneravam as tarifas em R$ 15/MWh e R$ 30/MWh, respectivamente. O atual patamar da bandeira vermelha onera a tarifa média de fornecimento, sem tributos, em 16,5%.

Antes da vigência das bandeiras, os gastos com o custo variável do despacho das termelétricas apenas eram repassados aos consumidores na revisão tarifária seguinte. Com as bandeiras, parte da receita é antecipada, mitigando o descompasso do fluxo de caixa das distribuidoras. Ainda que o sistema alerte aos consumidores o custo efetivo da geração elétrica, este é socializado igualmente por todos. Como já criticado por D’Araujo (2014),perdeu-se uma grande oportunidade para incentivar a eficiência, premiando os consumidores que reduzissem o consumo em momento desejável.

Outra medida adotada para reequilibrar os fluxos financeiros do setor foi a redução do limite máximo do preço de liquidação de diferenças (PLD). O PLD, preço do mercado spot, é determinado semanalmente pelo CMO de cada subsistema, limitado a um piso e teto estabelecido anualmente pela ANEEL. Até 2014, o teto do PLD correspondia ao custo variável unitário (CVU) atualizado anualmente pelo IGP-DI da térmica de referência adotada em 2003, UTE Alegrete. Ao invés de atualizar o valor teto de R$ 822/MWh em 2014 pelo IGP-DI, resultando em valor superior a R$ 860/MWh, a ANEEL alterou a térmica de referência em 2015, passando a  considerar o CVU da UTE Mario Lago, de R$ 388/MWh. Desta forma, o teto do PLD ficou mais próximo ao custo variável médio do que ao custo marginal do parque térmico. Esta medida alivia significativamente o custo de exposição dos agentes descontratados, mas reduz o importante sinal de preço para os consumidores livres, potencialmente mais expostos ao PLD. A Tabela 1 apresenta o custo marginal de operação das semanas operativas de 2015, revelando a discrepância entre o teto atual do PLD e o CMO vigente, que já superou 450%.

Tabela 1 – Custo Marginal de Operação Médio (R$/MWh)

Fonte: ONS (2015)

Considerando o adicional da bandeira vermelha de 16,5%, o reajuste extraordinário médio de 23,4% e a possibilidade de reajustes ordinários da ordem de 40%, o salto no preço da energia para o segmento residencial em 2015 poderá alcançar 80%. Como a redução média de 20% promovida pela MP 579 já foi anulada com as revisões tarifárias realizadas até 2014, os reajustes em 2015 poderão representar um incrível salto de 100% em relação ao patamar anunciado pelo Governo em setembro de 2012.

Em paralelo à guinada dos preços da eletricidade, a possibilidade do país enfrentar novamente um racionamento de energia torna-se a cada dia mais inevitável. Os reservatórios do sudeste/centro-oeste, que representam 70% da reserva hídrica do país, encerraram fevereiro com apenas 20% de armazenamento. Em 2001, ano do racionamento, o nível neste período era superior a 30%, o que sinaliza a gravidade da situação.

Diante de tão assombroso quadro, o Governo alega caráter temporário aos aumentos tarifários, justificando-os pela ocorrência de uma “crise hídrica sem precedentes”, enquanto que, devoto de São Pedro, reza para que as águas de março sejam abundantes e caiam sobre os reservatórios. Embora janeiro de 2015 seja o pior registro hidrológico da região sudeste, o triênio 2012-2014 foi apenas o 16º pior já registrado no Sistema Interligado Nacional (SIN). Ou seja, a hidrologia não é favorável, mas por si só não explica a crise, já que o sistema deveria estar preparado para situações piores.

A reestruturação do setor elétrico promovida no primeiro Governo Lula tinha por objetivos garantir a segurança de suprimento e a modicidade tarifária, recuperando, para tanto, o planejamento setorial e a coordenação centralizada da expansão do sistema. O novo modelo foi exitoso em promover leilões de compra de energia nova, permitindo a expansão da oferta pari passu ao acelerado crescimento da demanda de 4% em média ao ano. A lógica exitosa da expansão baseou-se no financiamento hoje da capacidade instalada de amanhã. Porém, nos últimos anos, o setor passou a pagar amanhã a operação da capacidade instalada de hoje. Esta inconcebível inversão de fluxos flagra a situação insustentável de desequilíbrio de curto e longo prazo do setor. Enfrentam-se riscos crescentes de impossibilidade de suprimento, enquanto que a modicidade tarifária vai literalmente por água abaixo. Embora várias razões concorram para a justificativa de tamanha desestruturação, subsiste uma causa maior no cerne de todo o desequilíbrio: o sistema encontra-se em meio a uma mudança de paradigma operativo que ainda não foi apreendida pelo planejamento da expansão.[4]

Mudança do Paradigma Operativo do Sistema Elétrico Brasileiro

O desenvolvimento do setor elétrico brasileiro, como discute Bicalho (2014), baseou-se no aproveitamento de seu privilegiado potencial hídrico, com a construção de grandes reservatórios de armazenagem capazes de regularizar a variabilidade das afluências tropicais. Neste contexto, a complementação térmica foi concebida para ser totalmente flexível, de modo a operar esporádica e pontualmente em situações hidrológicas adversas, traduzindo-se em uma disponibilidade térmica latente preferencialmente evitada.

O planejamento da expansão foi articulado de acordo com este histórico paradigma operativo, aproveitando os potenciais hídricos remanescentes e contratando uma disponibilidade térmica como backup da reserva hídrica. Embora, em geral, as fontes concorram entre si em leilões genéricos de energia nova pela demanda futura das distribuidoras, o planejamento prioriza a participação das fontes renováveis (hídrica, eólica, solar e biomassa). Por um lado, ainda se dispõe de mecanismos determinativos capazes de promover fontes específicas (leilões de fontes alternativas, de reserva e estruturantes), orientando a rota de expansão do sistema. Por outro, a metodologia de cálculo do Índice Custo Benefício (ICB), utilizado para comparar as alternativas complementares à expansão hídrica, como amplamente discutido por Losekann, Almeida e Romeiro (2014), eleva a competitividade de térmicas flexíveis e de fontes que apresentam oferta esperada maior no período seco (eólica e bagaço de cana).

Decorridos dez anos desde a reestruturação do setor, foram contratados 33,6 GW médios de energia em 29 leilões para expansão já realizados: 18 leilões de energia nova (23,3 GWmed); 3 leilões estruturantes – Santo Antônio, Jirau e Belo Monte (6,1 GWmed); 6 leilões de energia de reserva (3,2 GWmed); e 2 leilões de fontes alternativas (0,9 GWmed).

Como revela a Figura 1, as fontes renováveis lideraram a expansão da matriz: hídrica (12,4 GWmed), eólica (6,1 GWmed), biomassa (2 GWmed) e a iniciante solar (0,2 GWmed) responderam por 62% de toda a energia contratada nos leilões. Conjuntamente, a energia das fontes térmicas (15,1 GWmed) foi superior à hídrica (12,4 GWmed).

Figura 1 – Energia contratada (MWmed) em todos os leilões realizados para expansão da matriz

Fonte: CCEE (2015)

O ICB privilegiou a contratação de térmicas flexíveis, voltadas para backup, em consonância com o paradigma operativo histórico do sistema. Com a perspectiva de despacho esporádico, foram contratas térmicas com baixo custo fixo, mas admitiu-se elevados custos variáveis. As térmicas a óleo e diesel apresentam os custos de operação mais elevados, alcançando R$ 1.160/MWh, seguidas das térmicas a gás natural e a carvão (ONS, 2015).[5]

A maior contratação de energia térmica expõe as dificuldades enfrentadas pela expansão hídrica, que teria sido 50% inferior à realizada sem os três projetos estruturantes. A maior parte do aproveitamento hídrico remanescente concentra-se na Amazônia, cuja viabilização enfrenta inúmeras resistências socioambientais. Esta região é caracterizada por potenciais de baixa queda e altas vazões no período chuvoso, o que dificulta a construção de grandes reservatórios. De fato, desde fins da década de 1990, não se introduz hidrelétricas com reservatórios de regularização plurianual. O potencial hídrico remanescente será aproveitado por usinas a fio d’água, agregando ainda mais energia intermitente à matriz. (…) O texto continua no Blog Infopetro

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

13 Comentários

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  1. Gostaria de saber que fim deram para…

    Aquele pequeno valor que as distribuidoras cobraram a mais dos consumidores… Alguém sabe? Alguém viu?

    1. O valor cobrado a mais é para

      O valor cobrado a mais é para pagar despesa passada! entendeu porque o Governo raspou todos os fundos do setor? A conta só pode ser repassada posteriormente(agora) mas as distribuidoras tinham que pagar na hora. Como o preço da energia subiu muito, a conta ficou tão alta que boa aprte das distribuidoras efetivamente quebrou.

      Para evitar o caos, recessão de no mínimo 5%, a perda da eleição…o Governo fez isso. Agora a conta chegou PARA VC, e todo mundo! 

      Lembra aquelas reportagens falando sobre apagão? Não eram mentira! Quase aconteceu! O Governo teve que agir CONTRA a Lei para evitar! Ninguém reclamou!!!  Roubou dinheiro para tapar o buraco e VC não saber disso!

      Agora vc sabe porque não da para esconder e alguém tem que pagar e neste caso é vc mesmo!

  2. Geração nuclear!!!

    As consequências do não debate! 

    Lembram das manchetes sobre leilões eólicos? Um sucesso…e foram mesmo mas…resolveu alguma coisa?

    Observe o gráfico da expansão!!!

    Se vc é contra nuclear, vc é necessáriamente a favor das térmicas sujas! Não existe outra opção! 

    Essas térmicas matam gente funcionando normalmente e SEM  acidentes! Isso para não falar do custo!

    “As térmicas a óleo e diesel apresentam os custos de operação mais elevados, alcançando R$ 1.160/MWh, seguidas das térmicas a gás natural e a carvão (ONS, 2015).[5]

    A maior contratação de energia térmica expõe as dificuldades enfrentadas pela expansão hídrica, que teria sido 50% inferior à realizada sem os três projetos estruturantes. A maior parte do aproveitamento hídrico remanescente concentra-se na Amazônia, cuja viabilização enfrenta inúmeras resistências socioambientais.”

     

    Novamente, o SUCESSO dos leilões eólicos não amenizou nada? que surpresa heim!!!

     

     

    1. Discordo. Existe uma terceira

      Discordo. Existe uma terceira “corrente”. 

      Quem é contra nuclear e contra termica, mas mantém coerência:

      – É aquele que se despe de televisão, de computador, de ar condicionado, de freezer. Vive só com duas lampadas de led e uma geladeira. Chuveiro a gás e lava ropa no tanque. (rsrsrs)

    2. Se tiver os mesmos problemas

      Se tiver os mesmos problemas na implantação das Nucleares, como nas Hidreletricas e linhas de transmissão, não adianta. 

      Para mim, o grande problema são os licenciamentos, demoram e mesmo depois de liberadas, os MP’s  e/ou ONG’S tentam barrar a instalação ou queimam o local de contrução.

       

  3. O setor elétrico,

    O setor elétrico, especialidade da Gerentona, saiu do armário.

    Os esqueletos gerados pela dedada da Dilma vão começar a aparecer, podem ficar sossegados que tem mais, inclusive no Tesouro.

    Quem criticava era “inimigo do povo”.

    Não existe almoço grátis, cqd.

    Imaginem o que virá de areas não “profundamente” conhecidas pela Poste.

    Mas, tudo bem, ela está eleita, agora paguem!

    Eu, ao menos, sabia que ia sobrar para nós, mas e os que acreditaram no PT (Perda Total)? 

    Vai Dilma!!!!!

     

  4. Péra lá…

    Acho que a primeira atitude (em moda) é atirar pedra na Geni.

     

    Mas, nos últimos 10 anos, como anda o custo da energia em países como os EUA, UK e Alemanha ? Está baixando ? A energia mais cara é, realmente, um fato creditável exclusivamente à uma conjuntura política nacional ou é uma conjuntura internacional ?

    1. Alternativas

      Infelizmente no Brasil as alternativas energéticas não tem apoio do governo por serem pontuais e não recolherem impostos. A energia térmica solar poderia substituir milhões de chuveiros elétricos em todo o país. Até hoje não tiveram incentivo e nem financiamento oficial. Isto porque a preocupação até hoje foi em fornecer energia e cobrar ICMS.

    2. Alternativas

      Infelizmente no Brasil as alternativas energéticas não tem apoio do governo por serem pontuais e não recolherem impostos. A energia térmica solar poderia substituir milhões de chuveiros elétricos em todo o país. Até hoje não tiveram incentivo e nem financiamento oficial. Isto porque a preocupação até hoje foi em fornecer energia e cobrar ICMS.

    3. Boa abordagem.
       
      De fato o

      Boa abordagem.

       

      De fato o momento internacional não é bom como vc bem constatou mas há exceções.

      Quem são as exceçõs?

      As exceções são China, India, Coreia do Sul e Russia…economias em expansão e/ou desenvolvedores de tecnologia de ponta.

      E todos aqueles que PRECISAM expandir seu aprque gerador!!!

       

      Onde o Brasil se encaixa no mundo? Foda ter que falar o óbvio porque as pessoas não conseguem enxergar!

       

  5. Alternativas

    Infelizmente até hoje não existe incentivo e nem financiamento oficial para alternativas simples, tais como a energia térmica solar. esta substituiria milhões de chuveiros com resistência elétrica em todo o país. Mas, essa alternativa não recolhe ICMS, e por isso não tem apoio.

  6. ejam como nova tecnologia solar pode contribuir.

    Vejam como nova tecnologia solar pode contribuir para o equilíbrio do sistema eletrico brasileiro. Temperaturas de 97oC.

    É uma proposta de como fugir da eletricidade em processos de demanda térmica para diversos fins, inclusive para refrigeração ambiental.

    Não haverá necessidade de subsídio, a vantagem será surpreendente com tendência de aumento da eletricidade. Pay back inferior a 1 ano.

     

    https://jornalggn.com.br/blog/sergio-torggler/novidades-da-energia-solar-para-ajudar-a-equilibrar-o-sistema-eletrico-brasileiro

     

     

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