Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Dominó de Botequim, por Rui Daher

Mundial de Dominó

Do nascer do sol no Rio Piracicaba até o calor do meio-dia em Marsilac, sob a direção segura de Netinho, trilhamos profundos silêncios, roncos estrondosos e peidos incógnitos meus, de Osorinho e do Dr. TT. Vá lá que Netinho tenha, em algum momento, se aproveitado da situação. Nunca o saberemos.

Ainda babava quando percebi, à beira da Raposo Tavares, um médico grandalhão carregando esquálida figura de homem até um táxi.

– Vamos ver o que conseguimos para o velho Serafa, disse Netinho, dando ponto final às bebedeiras minha e de Osório, e começando a seguir o taxista.

No caminho fui pensando em certas mudanças na sociedade, demoradas, quase imperceptíveis a seus tempos e atores, mas que ao final sobem um degrau na escala civilizatória. Lembram-se da falta de solidariedade que se reclamava dos taxistas no trânsito? “Só mesmo um táxi para fazer isso”, xingávamos diante de uma fechada, buzina impertinente, mau humor, descortesia com pedestres. Hoje, pouco. Guiam muito bem e, no geral, com cortesia.

Como todo o degrau acima pode servir para descer, aos fominhas taxistas substituíram ogros com pequenos carros “a serviço” de alguma empresa, muitas vezes com uma escadinha na capota.

Acordei de minhas sempre raivosas anotações ao ver o Dr. Teodoro Toledo sair da Unidade Básica de Saúde do distrito de Engenheiro Marsilac, onde o Serafim estava sendo atendido. Andava devagar e não disfarçava um sorriso.   

– Dengue!

– Não acredito. Pouco tempo atrás li que Marsilac, um dos cafundós mais pobres de São Paulo, desassistido pelos governos em tudo o que deveria fazer nascituros virarem cidadãos, era o único distrito a não revelar um só caso da doença.

– TT, como o Serafim deu jeito de pegar dengue?

– Ninguém sabe. O português acha que pode ter sido em Parelheiros, num casamento em que trabalhou de garçom. Lá foram notificados mais de 30 casos.

– E agora?

– Consegui que ele ficasse na UBS até os principais sintomas passarem. Aí eles vão ligar para o Netinho vir buscá-lo e segue o tratamento em casa.

– Ele perguntou de nós, do nosso plano?

– Não. Fica o tempo todo repetindo “ai Jesus, ai Jesus, ai Jesus”. Às vezes, chora e aperta a mão de alguém mais próximo.

No caminho para São Paulo, mantivemos longo silêncio, sem roncos ou peidos, apenas o barulho do motor do carro.

Combináramos deixar o Dr. TT na Rodoviária para pegar o ônibus de volta a Piracicaba. Eu pedi para ficar numa estação do metrô. Netinho deixaria o carro e Osorinho em casa e, de lá, pegaria um ônibus para a pensão no Cambuci.

Despedimo-nos tristes, mas aliviados. Afinal, o Dr. Sérgio Moro não localizara nenhum ilícito em nossa jornada, que pudesse nos levar aos cárceres paranaenses.

Visto que a sede provisória da Federação Paulista de Dominó hoje está em Cidade Patriarca, bairro nas imediações de Vila Matilde, Manoel ligara mudando o local de nosso encontro. Estávamos os dois com saudade do Bar da Dona Onça, nos baixios do Edifício Copan.

Ele pegaria o metrô na Estação Patriarca e eu seguiria até a República. Nos unia a certeza de que seria melhor sair de lá sem dirigir.

Logo somos avisados de pelo menos 40 minutos de espera até termos uma mesa para chamar de nossa. Ótimo. A porção de croc milanesa e uns aperitifs, que poderiam ser cachaças mesmo, ficam ótimas sob a marquise de nossa joia arquitetônica.

Antes de começarmos a falar do Dominó e de Serafim, observo:

– Este é um dos poucos lugares que, ao entrar, não podemos caçoar da crise brasileira. Não vale como medida. Nunca o encontrei sem uma multidão de clientes.

A espera foi maior. Perto de uma hora, o que serviu para contar com mais detalhes o que acontecera com o Dominó, Serafim, e qual era o nosso plano. À mesa, pois!

– Vou pedir o PF com a sardinha frita. Eles fazem muito bem.

– PF, Manoel? Sei não.

– Não tenho empreiteira e as campanhas presidenciais para a Federação sempre foram feitas às minhas custas e de uns poucos amigos.

– É aí que mora o perigo, Manoel. Nos amigos. Vai que interceptem ligação sua para um deles, perguntando quando o Marcelo irá colocar as pedras no tabuleiro. Para eles, pedras podem ser dólares e, no Paraná, tabuleiro sempre quis dizer Suíça.

– Talvez, pela divisão em cantões …

Depois das gargalhadas, faço meu pedido: camarão com chuchu.

– Quer dizer, Rui, solamente camarão.

– Nada. Aqui o chuchu vem apenas para explicar de forma pausada e silabada a farofa de ovos e o arroz soltinho.

– O que vocês estão pensando fazer com o Rolex?

Conto sobre a rifa, a ajuda do Especialista, as nóias do Magrão.

– Nada disso. Tudo bobagem. Demorará muito e o Dominó de Botequim não pode ficar fechado mais tempo. Tenho uma ideia melhor. Imediata. Daqui a 21 dias começa o 12º Campeonato Mundial de Dominó, em Porto Rico. Daí que …

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

7 Comentários

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  1. Rui, escaparam do xerife… sorte de vocês

    Deu dengue…. dessa estava mesmo difícil escapar por essas bandas bandeirantes… agora de “última classe”.

    Mas agora ….  não vão sumir vocês, hem, com esse negócio de campeonato em Porto Rico, viu.

    Fica difícil ir junto.

    No máximo ouvir daqui um BUENA VISTA SOCIAL CLUB pra arrematar com Cuba o campeonato.

    Vão não !

  2. Dengue!
    Dengue!  Rui, saída maravilhosa pela direita.

    Mas concordo com Odonir; essa coisa de “vamos viajar” …

    Fique por aí. Puxe uma cadeira, sirva-se do que lhe apetecer e sorva também está beleza!

    BVS
    [video:https://youtu.be/tGbRZ73NvlY%5D

    Abraço e até domingo!

    Afinal, “amigo é para essas coisas” !

  3. Vocês podem estar sendo “monitorados”.

    Boa noite a todos os frequentadores(virtuais) do Botequim.

    Fazendo uma “salada”com a intermitente dengue que assolou São Paulo, e que mesmo nesta “friaca” insiste em não abandonar-nos, eu aconselharia o escriba do blog, a escolher programas mais amenos, que atravessar o Estado, visitar companheiros adoentdos em bairros tão distantes da civilização, e aí a culpa é da adm. municipal, e jamais elogiar os pontos de encontro boêmios(ou quase)paulistanos, como o citado e agradável Bar da Dona Onça, nos baixos do Copan, aonde a crise passou longe, pois pelo que euu tô vendo, os tentáculos e aparelhos de monitoramento à distância da Polícia Federal, do juíz Moro, é muito mais eficiente que a “engenhoca” observadora da intimidade alheia, da NSA, e seus métodos de punição(aí incluída a delação obrigatória) é infinitamente mais rigorosa e perversa, que os manuais do Estado Islâmico.

    Então, aconselho a todos uma canja quentinha, de preferência aperitivada com uma “branquinha” artezanal, sem risco de está contaminada, pelo “Grande Irmão” dos tempos atuais, o Poder Judiciário, que volta a ver nos PeTistas e aliados do atual governo, como comedores de crianças. 

  4. DOMINÓ

     

    Obrigado Rui, pelas curtidas em nossa página do facebook e pelo comentário em seu blog, lembrando e divulgando o 12º Mundial de Dominó a realizar-se em San Juan de Porto Rico (USA), no final deste mês.

    O Dominó também tem poetas, segue abaixo um poema de autoria desconhecida sobre o nosso querido esporte.

    Poema do Dominó

    Pedras prontas e debruçadas, escolhidas ao acaso…
    Delineiam sobre a mesa tortuoso emaranhado,
    Quando encontram seus amores, se acomodam no destino
    E se enganam sossegadas, desconhecem o labirinto!

    Acostumam-se ao jogo… onde a regra é matemática…
    O caminho pouco importa, o que vale é a temática:
    Conjugar a igualdade rumo ao desconhecido,
    Trajetória qual a vida, em que união é desafio!

    Pedras fortes coloridas, outras quase esmorecidas…
    São desejos se são plenas, se vazias fazem dó!
    As que nascem conjugadas amenizam o caminho,
    São quartetos em cruzadas, e desatam qualquer nó!

    Mas ao término da jogada, afastada… sobre a mesa…
    Há uma pedra abandonada pela sorte…muito só!
    Dispensada na rodada, já se rende ao desalento,
    Dessa sina do acaso…desse eterno dominó!

    1. Bom vê-lo por aqui,

      Manoel,

      Antes de tudo obrigado por inspirar-me na sua militância pelo esporte dominó, inclusive construindo um diálogo entre nós. Desde que inventei o “Dominó de Botequim”, não deixei de seguir suas notícias. Tanto que quando encerrei minha colaboração no Terra Magazine e vim para o GGN, a primeira ideia foi continuar com essas histórias.

      Fico contente de contar com você. Espero assim ajudar o dominó. 

      Grande abraço.

      1. DOMINÓ

        Caro Rui,

        O Dominó lhe é muito grato pela sua engenhosa criatividade que sempre dá um jeitinho de incluir um comentário uma divulgação deste nosso amado esporte das pedrinhas.

        Com certeza você está ajudando e muito meu caro amigo.

        Na volta  de Porto Rico, no início de agosto farei contato para contar as novidades.

        Muito obrigado, um abraço.

    2. Bom vê-lo por aqui,

      Manoel,

      Antes de tudo obrigado por inspirar-me na sua militância pelo esporte dominó, inclusive construindo um diálogo entre nós. Desde que inventei o “Dominó de Botequim”, não deixei de seguir suas notícias. Tanto que quando encerrei minha colaboração no Terra Magazine e vim para o GGN, a primeira ideia foi continuar com essas histórias.

      Fico contente de contar com você. Espero assim ajudar o dominó. 

      Grande abraço.

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