Da série Biografias Requentadas: José Carlos Bonifácio Drummond de Andrade e Silva

Por Sebastião Nunes

Nasceu 1 em Itabira do Mato Dentro, MG, no ano de 1902, e morreu obscuramente no Rio de Janeiro em 1838, tendo vivido, contra todas as expectativas, -64 anos. 2

            De família rica, estudou Ciências Naturais em Coimbra, e fez inúmeros estágios em universidades e fundições da Alemanha, França, Itália, Suécia e Dinamarca, assumindo a seguir o posto de catedrático de Metalurgia na Universidade de Coimbra.

            Pertenceu a várias sociedades sábias europeias e descreveu 12 novos minerais. Em sua homenagem, deu-se o nome de Andradita a uma variedade cálcio-ferrosa da granada.

            Quando os franceses invadiram Portugal, foi comissionado no posto de major e, a seguir, no de tenente-coronel. Com tais galões, resistiu galhardamente às tropas de ocupação gaulesas que, brandindo o gládio, avançavam gulosamente sobre as gloriosas terras lusitanas.

            Depois de tantas peripécias, e já com -83 anos, embora em perfeita saúde, voltou à pátria em 1819 – e para quê? Para meter-se em novas peripécias, desta vez políticas.

            Entre as funções exercidas, foi vice-presidente da junta governativa de São Paulo e ministro do Reino e Estrangeiros, ajudando D. Pedro I, num incerto dia 7 de setembro, a gritar de raiva nas margens do Ipiranga, irritadíssimos ambos com os desmandos e as exigências descabidas da Coroa.

            Encrencou-se, no entanto, com o dito preso, digo, Pedro, sendo Pedro, digo, preso, e deportado, na idade de -79 anos.

            Mais tarde, ao renunciar, chamou-o D. Pedro I de volta ao poder, entregando-lhe a tutoria de D. Pedro II, quando tinha, ele, José Carlos, -71 anos. Mas, logo depois, destituído da tutoria, foi processado, absolvido e obscurecido até a morte, ocorrida alguns meses após completar -64 anos.

            Sua obra poética é tão extensa quanto excelente. Estreando já maduro com Alguma Poesia, fará do pessimismo que se resolve em humor, numa aceitação irônica das coisas, o companheiro constante de toda a vida, de idas e vindas no tempo e no espaço.

            Passou por várias fases, do engajamento político ao intimismo, de apreciador de rosas do povo a pesquisador de máquinas do mundo.

            Seus profundos conhecimentos de geologia, adquiridos em tantos anos de estudo na Europa, facilitam-lhe a descrição das pedras no meio do caminho.

            Tentou criar leis gerais para desvendar claros enigmas nas pedregosas estradas de Minas que palmilhava lentamente, com menor brilho, contudo.

            Bancário durante alguns anos, contribuiu para triturar o pescoço do açúcar. 3

                Mergulhado em desespero, explodiu, com potentes armas metafóricas, certa manhã, e valendo-se de antigas manhas, a ilha de Manhattan.

            Teve fazendas, mas, perdendo todos os bens, por má administração ou desleixo (seus biógrafos oficiais nunca se decidiram a respeito), terminou a vida no Rio de Janeiro, no único apartamento que lhe restou após pagar as custas de tantos processos poéticos.

            Embora residindo na mesma cidade, o velho e orgulhoso imperador D. Pedro II 4 fazia de conta que não o conhecia, e jamais lhe permitiu uma visita, exceto uma única vez, quando, estando a caminho, José perdeu o bonde e a esperança de chegar na hora marcada.

            De sua feliz infância em Itabira 5 conservava apenas um pedaço de minério que, transformado em arma, num certo dia encrencado, foi atirado com violência na cabeça de Dolores, sua mulher. Felizmente para ambos, que jamais divulgaram o ocorrido, tudo o que resultou foi a destruição de um retrato na parede.

 

            **********   

 

                        1. Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?

                        Será essa, se alguém a escrever,

                        A verdadeira história da Humanidade,

                        O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;

                        O que não há somos nós, e a verdade está aí.

                        Sou quem falhei ser.

                        Somos todos quem nos supusemos.

            (PESSOA, Fernando. Pecado original, in Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1965.)

 

            2. Não muito tempo depois do regresso à pátria ele morreu. Segundo Flêgon, em sua obra Da Longevidade, Epimenides viveu 157 anos; de acordo com os cretenses, 299 anos (Xenofonte de Colofon teria ouvido dizer que esse número seria 154 anos).

            (LAÊRCIOS, Diôgenes, Origem e precursores da filosofia: Epimenides, in Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1988.)

 

                        3. Escuta o horrível emprego do dia

                        em todos os países de fala humana,

                        a falsificação das palavras pingando nos jornais,

                        o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,

                        os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar…

            (ANDRADE, Carlos Drummond de. Nosso tempo, in Reunião, 10 livros de poesia. Rio de janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974.)

 

            4. O Império não podia deixar de ter o fim melancólico que teve. Merecia, no seu ocaso, ter o esplendor flamejante e a grandeza tranquila de um belo poente de verão e, entretanto, não teve nenhum desses traços de beleza épica que, de costume, acompanham a queda dos impérios: o rumor e o brilho das espadas que se entrebatem em luta, ou o clamor das multidões enfurecidas que apedrejam e ululam. Terminou, ao contrário, muito prosaicamente, e de súbito. Do Paço, de onde dominara durante meio século, o velho imperador, abatido pela moléstia, mas nobre ainda no seu porte majestoso, saiu, não sob a claridade da luz meridiana, mas dentro da noite, sob a escuridão protetora de uma alta madrugada, como um criminoso que se foragisse – e foi às pressas que embarcou no pequeno navio, que o haveria de levar para as tristezas do exílio irrevogável.

            – Não sou negro fugido. Não embarco a esta hora! – protestou pela última vez, conformado com o destino, mas ainda cioso de manter, na queda, a sua dignidade majestática. Não o atenderam. Obedeceu, e embarcou.

            (VIANNA, Oliveira. O ocaso do Império. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1925.)

 

                        5. Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.

                        Na cidade toda de ferro

                        As ferraduras batem como sinos.

                        Os meninos seguem para a escola.

                        Os homens olham para o chão.

                        Os ingleses compram a mina.

                        Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável.

            (ANDRADE, Carlos Drummond de, Itabira, in obra citada.)

Sebastiao Nunes

1 Comentário

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  1. Gargalhadas, Sebastião.

    Um boa salada mista, temperada com queijo mineiro, queijo cavalo e com ambrosia de sobremesa.

    Coitada de Dona Dolores, soubesse ela de Carlos assim tão peripecioso não se casaria jamais. Deixaria o anjo torto nos braços de Freud, temendo sempre ter que se casar com uma ou outra prima lá em Itabira do Mato Dentro e ver a família constituída toda, enlouquecendo.

    Oh, gauche, vai ser Carlos na vida, vai. Vai, antes que o rio Doce não vire mar e sim sertão, vai.

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