Sua Majestade, Dom Ratão I, nosso ilustre Imperador, completou 516 anos em 22 de abril

Por Sebastião Nunes

Bem instalado no cesto da gávea da nau capitânia, o grumete João de Athayde esfregou os olhos. Se aquilo não era uma ilha das graúdas…

– Terra à biiiistaaaaa!!! – gritou entusiasmado.

– Tens certeza, moleque? – berrou de volta o capitão Pedro Álvares Cabral.

– Certeza abissuluta! – respondeu animadíssimo o informante.

Foi aquele tumulto. Gorros, espadas, lenços, calções e trabucos foram lançados para o ar. A tripulação se abraçava, cantava e dançava.

– Vivas, que eu não aguentava mais biscoito mofado com barata assada! – berrou Pero Vaz de Caminha, abrindo enorme sorriso dos dentes cariados.

– Ai, Jisus Cristinho! – gemeu a marquesa Dona Isabel Ratona de Alencastro. – Que alboroçado despautério será este na cuberta?

– Suponho que abistaram terra – respondeu o marido Dom Fernão Ratão de Alencastro. – Se for berdade, não terás de parir cá na caravela.

CHEGADA AO BRASIL

            De fato. Expulsos de Portugal por Dom Manuel, ainda foram ameaçados:

            – Se voltardes a botar os pés nestas terras, sereis enforcados como vilões! – disse o rei, diante de toda a corte reunida no Paço. – Corrompestes metade de meus nobres. Por confusas tretas vos tornastes os maiores proprietários do Reino, e mais roubaríeis se lhes desse eu trela e ouvido. Desaparecei, ladrões, de minha vista!

            Sorte dos Ratões que Cabral estava de partida para as Índias. Corrompendo Dom Álvaro de Bragança, filho do duque de Bragança, e Bartolomeu Dias, ambos comandantes de duas caravelas, conseguiram esconder-se na nau do capitão.

            A terra era maravilhosa. Os selvagens machos, façanhudos. As fêmeas, com as vergonhas expostas, belíssimas. Dom Fernão espremeu os olhos:

            – Jisus! Por que não vim sozinho? – arrependeu-se ele. – Iria me esbaldar, ora se. Por que não deixei Isabel ser enforcada por nossos crimes? Que besta fui!

            Naquele mesmo dia, já em terra firme, escondidos num casebre construído às pressas por degredados sob as ordens de Bartolomeu Dias, pariu Dona Isabel um bebê macho tão grande que causava pasmo. A terra, bonita por natureza, o recebeu de ótima vontade e o alimentou com ananases, bananas, aipim, prata e ouro, muito ouro.

 

BATISMO, FUGA E CASTELO

            Não demorou sequer um mês a edificação de fortificado castelo no alto de um morro redondo, a mais de 20 léguas dali. Para isso foram apresados 200 nativos. Antes, porém, foi o bebê batizado, no dia 26 de abril, durante a missa de agradecimento oficiada por Frei Henrique de Coimbra, que após o sermão segredou ao capitão:

            – Está-me a parecer que batizei antes filho do Demo que filho de cristão. Que Deus me perdoe esse terrível pecado.

            O capitão Pedro Álvares Cabral, que desconhecia a presença da criança e de seus pais, muito se irritou. Postos a ferros e sob tortura, Álvaro de Bragança e Bartolomeu Dias confessaram a embromação, sendo a seguir enforcados no mastaréu, diante da tripulação. Mas era tarde para capturar os fugitivos.

            Estes, que haviam trazido do Reino dois milhões de escudos em ouro, corromperam ainda em viagem outros quatro oficiais, que os acompanharam na fuga, instalando-se com os Ratões no “Castelo dos Ratos”, como passou a ser designado.

           

PIRATARIA FRANCES

            Depois da partida da frota de Cabral, e sozinhos naquelas vastidões, Fernão e Isabel designaram o filho, Ratão de Alencastro, como primeiro imperador do Reino do Brasil, com o título de Ratão I. O nome dado por Cabral ao país foi Ilha de Vera Cruz, depois mudado em Terra de Santa Cruz, mas os Ratões não souberam disso. Apenas, com se verá a seguir, usaram para nomear seu Reino a maior riqueza encontrada.

            Fazendo acordo com piratas franceses que infestavam a costa, passaram a lhes cobrar 50% de comissão sobre todo o pau-brasil carregado, operação supervisionada pelos quatro oficiais, agora marechais, e por milhares de nativos escravizados, sendo que os mais espertos, violentos e desleais dentre eles (pois sempre os há) foram elevados ao grau de capitão. Com tal atitude, chegou o exército do reino a 10.000 soldados, sob o comando de 100 capitães, diretamente subordinados aos marechais que, por sua vez, obedeciam cegamente aos Ratões. E como marechais e capitães rachavam entre si mais 30% da coleta, sobrava aos franceses – que ainda agradeciam – 20%.

 

CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

            Com o objetivo de colonizar os novos territórios, supostamente vastos e despovoados, estabeleceu Dom Manuel a divisão das terras entre o que foi chamado de donatários, a partir de 1504.

            Deitaram e rolaram Dom Fernão, Dona Isabel, seus marechais e capitães, além de mamelucos e caboclos nascidos do cruzamento de índios com brancos e destes entre si. Os brancos desembarcados, como se sabe, foram centenas de ladrões, assassinos e aventureiros expulsos de Portugal e abandonados na praia por Cabral.

            Ao deixá-los à própria sorte, sem eira nem beira, assim arengou o capitão:

            – Porfieis por serdes bons e justos, como não o fostes no Reino. Tende juízo e Deus vos recompensará no Céu, bois a esp’rança é a derradeira a sucumbire.

            Sabemos que tão fortemente porfiaram que geraram milhões de descendentes. Sob o reinado de Dom Ratão I, já um rapagão astuto, ladino e sagaz àquela altura, extrapolaram sobre os nativos, a ponto de estes se queixarem a Dona Isabel:

            – Senhora nossa, por quem sois, tende piedade de nós – implorou a comitiva. – Tomai-nos e escravizai-nos. Fazei de nós o que desejardes, mas não nos deixeis entregues à sanha de vossos vassalos. (Traduzido do tupi-guarani por um jesuíta.)

            Pedido aceito, passaram os obedientes escravos a cumprir ordens de atacar as capitanias, matando, roubando e incendiando. Por isso, tantas fracassaram e, mesmo as que houveram sucesso, não o foi permanentemente nem de grande monta.

 

DESCENDÊNCIA DE RATÃO I

            Esta é, pois, resumidíssima, a História do Brasil colonial. A totalidade dos ricos, inclusive netos de imigrantes, descende de Dom Ratão. Como ele gerou milhares de filhos e filhas, já que não envelhece, conservando-se saudável e robusto, seus descendentes detêm todos os poderes e todas as riquezas nacionais. Para a gentalha – índios segregados, brancos bastardos, pardos, mestiços diversos e negros – sobram as migalhas de um banquete interminável, que já dura 516 anos, idade do Ratão-Mor.

            Dona Isabel e Dom Fernão se foram há muito, cumprida sua vocação natural de nascer, crescer, se apropriar de bens alheios e morrer. Não sucedeu o mesmo com Dom Ratão I, imortal e único. Saibam, portanto, os que acaso me lerem, que quem nos governa é Ele, em nome de Deus, da Riqueza, do Poder e da Família.

 

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 Ilustração:

Colagem do autor, numa tentativa de recriar a verdadeira imagem de Sua Majestade, Dom Ratão I

Sebastiao Nunes

3 Comentários

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  1. Acho engraçado isso

    Acho engraçada essa história sempre repetida do “há 500 anos que bla-bla-bla”, como se antes de 1500 o Brasil já existisse como país, e supostamente foi invadido por uma horda de ratos que até hoje está aí…

    Bom ou mau, feio ou bonito, rico ou pobre, o Brasil passou a existir como identidade política e social a partir daquele ano de 1500, e foi uma criação desses ratos a que você se refere. De fato, eles são os ancestrais de todos os brasileiros, inclusive de quem não descende deles mas assimilou seu legado cultural. Inclusive eu e você.

    Na visão dos comentaristas que repetem essa patacoada, os ratos formam somente a tal de “elite”, entidade fantasmagórica que é a culpada de todos os males do país, mas que ninguém sabe dizer exatamente o que é, exceto que seus integrantes são sempre os outros. Comecei a perceber isso tempos atrás, quando da eleição de Saturnino Braga para a prefeitura do RJ. Acusado de receber o apoio dos bicheiros, ele replicou: “prefiro ter o apoio dos bicheiros a ter o apoio das elites”. Aquilo me deixou confuso. Quer dizer, então, que os milionários banqueiros do bicho não são parte da elite? Mais tarde descobri que um artista milionário como Chico Buarque tampouco pertence à elite, já que defende causas da esquerda. Lula não é da elite porque é operário. Lulinha não é da elite porque é filho de operário. Então, quem?

    A elite também faz parte do povo, e por definição, é o que o povo tem de melhor segundo diversos critérios – existe uma elite financeira, uma elite intelectual, uma elite artística, até os clubes da primeira divisão são parte da elite futebolística. Uma elite ruim, portanto, é apenas o sintoma de uma média pior ainda. Conforme alguém postou há pouco, o deputado que tem mais processos contra si (até de tortura) também foi o mais votado em seu estado. São ratos votando em ratos. Ratos que entram magros na política e de lá saem gordos. Na verdade, essa caricatura da elite como ratos é bastante limitada em termos de História, pois dito assim fica parecendo que todos os colonos que aportaram aqui eram fidalgos que já chegavam donos de imensas sesmarias, ou então bandidos degredados, quando na verdade tanto o primeiro quanto o segundo grupo eram apenas uma pequena minoria. Esquecem-se de por aqui também passaram muitos colonos que chegaram pobres e enriqueceram por seu próprio esforço, fundaram empresas e prosperaram sem depender para nada do governo.

  2. Nesta altura do campeonato

    Nesta altura do campeonato temos de olhar a situação geral do país, que não é nada famosa. E culpa de quem?

    De todos. Hoje há muita informação, acesso a cultura;  Todo o mundo pode ir â escola. Porém, é só futebol, samba,  programas de TV  abaixo de péssimos (esterco) que o povão gosta e então os políticos ficam à vontade para o que se sabe:  Saqueiam e dão a saquear este grande país.

    Quanto aos ratinhos e ratões, fizeram o que era “normal” naquele tempo. O país pertencia-lhes, era um simples território que ficava longe. Depois o pessoal acordou e expulsou-os. E os ratinhos e ratões deixaram a esses heróis o 4º  maior país do globo (realmente o 4º é os EUA  MAS, com o Alasca..),  riquíssimo em tudo,  deixaram uma língua comum que muito ajuda (na unidade do país, p.e.), inventaram as belas mulatas….etc.

    Portanto, vamos tratar principalmente do presente, que há muito a fazer.

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