ISO 9000 e qualidade: uma discussão onde todos ganham e ninguém se entende

A adoção da norma ISO 9000 por uma organização garante a qualidade do produto dessa organização? Sim. Mas o que é qualidade? É aí que começa a confusão.

Ter qualidade é ser “o melhor”?

O colega Marcos Carvalho propôs, em um texto anterior, que não há dúvidas de que a adoção da norma ISO 9000 garante a qualidade dos produtos da organização que aplica essa norma. Ele está correto.

Porém, muitas vezes, a ISO 9000 é vista como um diferencial de qualidade entre produtos. Os produtos com “o ISO 9000” seriam “os melhores”.

Não. 

Melhoria, sustentabilidade do negócio e “excelência” são termos associados ao conceito de qualidade. Mas enquanto os dois primeiros pertencem ao dia-a-dia da administração, o terceiro é muito mais afeito ao campo do marketing.

Acho que, agora, cabe alguma fundamentação.

Qualidade é um conceito intuitivo carregado de subjetividade.

Associamos intuitivamente o termo qualidade com o conceito de bom. Lato senso, não deixa de ser. E qualidade é o que esperamos de qualquer produto ou serviço que estejamos adquirindo. Logo, queremos um produto que seja bom.

Mas ocorre que o bom varia de pessoa para pessoa. O que é bom para uma pessoa não necessariamente é bom para outra. Se usarmos o conceito de bom, a qualidade passa a ser um conceito pessoal. Não raramente, subjetivo.

Inevitavel, essa subjetividade está sempre presente, em algum grau, no relacionamento cliente e fornecedor. Seja uma consumidora escolhendo a cor de um baton, seja essa mesma mulher uma engenheira discutindo o fornecimento de uma peça para manutenção industrial.

Como essa subjetividade inerente poderia ser gerenciada?

Clientes têm necessidades e expectativas, nem sempre racionalizadas. Essas necessidades e expectativas mudam ao longo do tempo, mas sempre estão em uma trajetória crescente em complexidade.

O cliente sempre quer mais por menos. Por que desejaria o contrário?

Terão mais sucesso as organizações que melhor traduzirem necessidades e expectativas e, obviamente, suas subjetividades, em especificações técnicas para seus produtos e serviços e desses para seus processos internos. Manterão se no mercado as organizações que fizerem isso a um preço que o cliente aceite pagar e com um custo que traga o retorno financeiro que remunere satisfatoriamente a organização.

Esse é o conceito de qualidade contido na ISO 9000. 

“Conjunto de características inerentes que satisfazem requisitos”.

Então, para a ISO 9000, qualidade é o cumprimento dos requisitos que foram acordados entre o cliente e a organização fornecedora desse cliente. Lembrando que a legislação aplicável ao produto sempre é requisito.

Portanto, aceitando se um reducionismo, qualidade é o cumprimento de um acordo entre duas partes – cliente e fornecedor.

Reducionismo, porque, hoje em dia, clientes, consumidores e sociedade determinam requisitos para as organizações. São as chamadas partes interessadas.

De qualquer modo, a melhoria é condição necessária para a manutenção do padrão de qualidade.

Agora, para complicar um pouco, voltemos aos conceitos de “excelência” e de qualidade.

Uma Ferrari e um Fiat UNO. Alguém negaria a excelência de uma Ferrari? 

Mas em termos de qualidade, uma Ferrari e um Fiat UNO, qual dos dois tem mais qualidade?

Ambos têm igualmente qualidade. 

Mas há muita diferença entre eles, inclusive, claro, o preço e o status conferido ao proprietário de um ou outro automóvel, ambos, produzidos pela mesma organização.

Como ambos podem ter igualmente qualidade, se são tão diferentes?

Para diferença entre produtos do mesmo tipo, por exemplo, entre dois automóveis ou entre duas geladeiras, existe o conceito de classe de qualidade.

Para cada classe, um grupo de requisitos deverá ser atendido. E um custo e um preço atribuído a esse grupo de requisito. A qualidade, no entanto, é alcançada pelo atendimento dos requisitos dentro da classe e não entre as classes.

Não é a ISO 9000, portanto, que diferencia os produtos e sim suas classes de qualidade.

Ocorre que, na década de 1990, quando, na prática, iniciou-se mundialmente os trabalhos de implantação da norma ISO 9000, até pela pouca vivência com os conceitos de sistema de gestão da qualidade, ou pelas ações de marketing e motivacionais, então, desenvolvidas, essa norma foi tratada como um “padrão de excelência da qualidade”.

Não o é, nem tem a “excelência” como objetivo.

É sim um padrão de boas práticas técnicas e gerenciais consideradas por consenso como o mínimo necessário para gerenciar a qualidade.

Porém, tratada como padrão de excelência, foi quase automática a associação de que se algo tem qualidade é porque é bom e se é certificado pela ISO 9000 é porque é “o melhor”. Essa ideia ainda persiste na cabeça de muita gente boa, por aí.

A ISO 9001 e a garantia da qualidade do produto.

Agora, a adoção da norma ISO 9001 (sim, o número é 9001) garante a qualidade do produto da organização. 

E esse é um dos benefícios dessa norma. Outros são a eficácia dos processos e a gestão de fornecedores e das expectativas dos clientes. Além da busca da melhoria.

E, sim, deve ser utilizada pelas organizações para aumentar a lucratividade do negócio.

Mas não quero me aprofundar nesses pontos. Ficarei com a garantia da qualidade do produto.

Na norma ISO 9001, a parte do sistema de gestão da qualidade relacionada com o produto pode ser resumida em:

O que o cliente quer?

O primeiro requisito da norma é que os requisitos dos clientes sejam definidos e seja verificada a capacidade da organização fornecedora em atendê-los, antes de se aceitar qualquer compromisso com esse cliente. Quem já implantou essa norma sabe que esse “antes” costuma ser  o principal complicador da implementação do sistema da qualidade nas áreas comerciais.

A legislação aplicável aos produtos é sempre requisito dos clientes, ainda que eles não a conheçam. Cabe ao fornecedor indentificá-la e cumprí-la. Entre os requisitos legais, por exemplo, estão regras da ANVISA, do INMETRO, das agências reguladoras, tais como, a ANEEL, ANAC e ANATEL.

Como podemos garantir que o cliente será atendido?

Incorporando seus requistos aos produtos e processos.

Ou seja, definidos e aprovados os requisitos do cliente, eles passam a ser dados de entrada para o desenvolvimento dos produtos, dos processos de produção desses produtos e das matérias primas e insumos que serão comprados para esses produtos.

O Cliente foi atendido?

Esses requisitos deverão ser formalizados e devem ser estabelecidos critérios de aceitação em relação a eles. Esses critérios de aceitação devem ser verificados e formalmente documentados antes do produto ser entregue ao cliente. Qualquer produto que não atenda seus requisitos deverá ser identificado, segregado e corrigido.

Devem existir canais formais para receber e tratar reclamações dos clientes. Independente disso, a satisfação do cliente deverá ser avaliada periodicamente.

Como aumentar a satisfação do cliente?

Cabe à direção da organização definir indicadores de desempenho para o produto e para o cliente. Resultados insatisfatórios deverão ter suas causas identificadas e tratadas.

Metas de melhoria, chamadas de objetivos da qualidade, devem ser definidas e acompanhadas pela direção.

Grosso modo, esse é sistema da qualidade associado ao produto.

A Certificação ISO 9001.

A certificação do sistema da qualidade não é obrigatória.

Mas, se a organização achar importante, ela pode contratar uma empresa de auditoria acreditada pelo INMETRO para verificar que ela cumpre todos os requisitos acima, entre outros, e se os resultados auditados estiverem conformes à norma, a empresa receberá um “Certificado ISO 9000”. Cópias desse certificado podem ser enviadas aos clientes e a própria certificação pode ser utilizada como ferramenta de marketing.

Aqui surge nova fonte de equívocos frequentes. O certificado é da existência e operação formal e adequada de um sistema de gestão da qualidade. Não do produto fornecido.

O INMETRO tem regras muito claras e rígidas para que a certificação do sistema da qualidade da organização não seja confundida com a certificação do produto dessa organização. Porém, ainda hoje, essa questão não está totalmente resolvida.

Existem produtos certificados, mas essa é conversa para outra ocasião.

 

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Redação

4 Comentários

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  1. O certificado analisa

    O certificado analisa serviços. Precisa dizer mais para um artigo que só fala de “produtos”.

     

    Depois virá certamente o analfabeto funcional argumentar que serviços são o produto de determinadas empresas. 

    Me  inclua fora deste debate por favor. É demais…

  2. O atomismo da qualidade atômica desmanchando-se no ar

    De uma maneira geral gostei do texto, caros Nassif e equipe.

    Principalmente, depois de “perceber” que o autor foi esperto o suficiente para dizer:

    Qualidade é um conceito intuitivo carregado de subjetividade.

     

    De fato, subjetividade é que não falta na “qualidade”.

    Nesse sentido, pode-se dizer que a tal de “qualidade” pode ser compreendida como “percepção”, isto é, a percepção que cada um terá de determinada coisa-objeto. A percepção do mundo sensível com o uso dos sentidos.

    Mas, não nos enganemos. Para perceber o mundo e “compreendê-lo” é preciso “pensar e logo, existir( ser). Só que para pensar e existir , necessariamente, precisa absorver algo “antes” , até mesmo para distinguir o que “é” do que não “é”.

     

    Qualidade, em suma, não é definição simples desde Aristóteles, ou antes dele.

    Mas, “deixando a profundidade de lado”, este termo qualidade aplicado numa organização de fatores de produção – equivocadamente tratada como   “empresa” – pode se transformar até numa piada. Ora, basta abrir uma “não-conformidade” para tratar do mal cheiro causado pelo excesso de peidos do gerente no “departamento”  após o almoço.

    Voltando.

    O autor num dado momento disse: … a um preço que o cliente o cliente aceite pagar e com um custo que traga o retorno financeiro que remunere satisfatoriamente a organização.

    Vamos combinar né… retorno financeiro que remunere satisfatoriamente a organização?

    Ora, ora, ora retorno financeiro que remunere o acionista ou quotista, enfim, o dono do negócio. Aquele que deseja única e exclusivamente “ganhar dinheiro”. 

    Indaga-se : E esse “retorno financeiro” vai remunerar os stakeholders? Depende.

    As vezes,  o governo precisa compreender a “qualidade” dos planejamentos tributários, mormente, aqueles que depositam dinheiro na Suiça ou num paraíso fiscal da vida, para ser “devidamente”  remunerado.

    Não raro, os “empregados” ( isto é, os otários de sempre) precisam entrar em greve para ver a “qualidade” de sua remuneração. Para ver a cor do dinheirinho que recebe por mês.

    Já os bancos, ah! os adoráveis bancos!  “parceiros”!  conseguiram mudar até a ordem de liquidação dos ativos , caso a “qualidade” da empresa não atenda à demanda de seus clientes e siga para um bancarrota, não raro, fraudulenta.

    Deming foi enviado para o Japão para implementar  “qualidade”. Depois das duas bombas atômicas? Ou seja, primeiro é preciso “limpar” o ambiente para depois aplicar a “qualidade”.

    Ah, e a burocracia de Weber misturada com “ISO” , dentro das “empresas”?

    Curiosa essa “mistura” não? Ora, a burocracia é aquela que EMPERRA o país, não é mesmo?

    Tudo é burocrático! Mas a qualidade ( com seus processos) não. Aqui não. Aqui é melhoria contínua…  

    Aqui os processos são “racionalizados” , inclusive, com “indicadores” e gestão a vista.

    Grande balela! Conta outra vai.

    Vou traduzir para os desavisados o que “é” qualidade aplicada nas organizações de fatores de produção e que visam lucro.

    Trata-se de uma forma de gestão, que pode ser “auditada” ou não( depende se o “gestor” vai comprar ou não  seus certificados) para aglutinar empregados ( os otários que trabalham) fazendo-os pensar que estão prestando um “serviço de qualidade”, continuamente. É uma forma de falar: trabalhem mais com menos= produtividade. Nesse menos da produtividade está incluido o “salário” ( que vem de sal)

    Nesse sentido, para se ter muita qualidade é preciso “flexibilizar” regras trabalhistas para que os “colaboradores”(onde já se viu tanta enganação né; colaboradores!?…ora,   os obreiros idiotas) cumpram suas metas 7 dias por semana, 365 ou 366 dias por ano, e assim sucessivamente, rumo à felicidade com sua “família”, assistindo televisão, o jogo do seu time e curtindo a “erudição” de uma excelente música sertaneja universitária.

     

    Uma última pergunta:

    Bombas atômicas seguem padrão ISO?

     

    Saudações 

     

     

  3. Iso 9000

    Trata-se da uniformização da produção e não é subjetiva é objetiva, pois é a garantia de que o produto possui processos e matérias-primas constantes documentados. As mudanças nos processos de produção, quaisquer que sejam, devem ser documentados e a organização no seu total deve ter o conhecimento disto. Resumindo é o seguinte, se o produto for ruim, continuará sendo ruim uniformemente, portanto não é garantia da qualidade do produto, se o produto for bom é a garantia que continuará bom.

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