O Bolsa Família não impediria Hitler de chegar ao poder, por Sergio Saraiva

Hitler

Por Sergio Saraiva

Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita – Tim Maia. O “Síndico” não conhecia a Alemanha.

Muito tem se falado do pobre de direita. E de que isso seria mais uma jabuticaba – algo que só existe no Brasil. Mas há nisso pelo menos duas incorreções.

A primeira é que talvez fosse mais apropriado falar do pequeno burguês de direita. Ou do porquê essencialmente o pequeno burguês é de direita.

A segunda é que esse é um fenômeno mundial. O “pobre de direita” é a base da ideologia reacionária e fascista no mundo todo. Não apenas no Brasil.

A psicologia de massa do fascismo

Relendo a obra de Wilhelm Reich – “Psicologia de massa do fascismo” – publicada na Inglaterra em 1946 – e que busca uma explicação para a ascensão de Hitler na Alemanha em 1933 – encontra-se vários paralelos com a sociedade brasileira atual.

Não é raro depararmos com o aparente paradoxo da ascensão de Hitler em uma Alemanha moderna, industrializada, culta e politizada – com uma história de lutas por direitos sociais e trabalhistas. E com uma consequente população e classe média que detinham condições de vidas melhores que o restante pobre da Europa. Pois bem, foi exatamente nessa sociedade que o fascismo – na forma do nazismo – encontrou seu grande momento de poder.

O Bolsa Família não impediria Hitler de chegar ao poder

Apenas para termos de comparação, no Brasil, poderíamos considerar São Paulo como um paralelo a se ponderar.

Lembremos que São Paulo foi um polo de resistência à ditadura – inclusive na luta armada – e berço do moderno movimento sindical brasileiro e berço do PT. A Grande São Paulo industrializada formava a “mancha vermelha” responsável pela presença do PT no cenário político nacional até a chegada de Lula à presidência. Hoje, São Paulo – e principalmente a Grande São Paulo – é uma das regiões mais reacionárias do Brasil e fortemente antipetista.

O que mudou, desde então?

Comecemos perguntando por que São Paulo aparentemente não valoriza que os governos do PT tenham tirado o Brasil do mapa da fome. Com programas como o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo os governos petistas teriam retirado 36 milhões de pessoas da miséria e criado uma nova classe média. Na época, a poderosa classe C – consumidora.

É nessa classe C, porém, que pode estar a chave para a resposta a nossa pergunta.

Vejamos como Wilhelm Reich trata de fenômeno parecido, na Alemanha da década de 30 do século passado:

“O trabalho revolucionário com as massas na Alemanha tem-se limitado quase exclusivamente à propaganda “contra a fome”. A base desta propaganda, embora muito importante, mostrou-se estreita. A vida dos indivíduos das massas é constituída por milhares de coisas que se passam nos bastidores. Por exemplo, o jovem trabalhador, logo que tenha podido saciar um pouco a fome, é de pronto dominado por milhares de preocupações de natureza sexual e cultural. A luta contra a fome é de importância primordial, mas os processos ocultos da vida humana têm de ser trazidos à luz crua do palco”.

Lembrou-me uma recente colocação de Mano Brown: “o governo Lula deu a condição do povo ter as coisas e, depois desse governo, o povo quer polícia para defender essas coisas”.

Wilhelm Reich é mais didático:

“Tendo o movimento operário organizado conseguido impor algumas conquistas políticas e sociais, isto se refletiu, por um lado, no fortalecimento da classe, mas, por outro lado, iniciou-se um processo oposto: à elevação do nível de vida correspondeu uma assimilação estrutural à classe média”.

O pobre e o pequeno burguês são muito mais próximo que o pequeno-burguês e a classe média consolidada. Ambos, por exemplo, vivem dos seus empregos e salários. Mas o pequeno-burguês discrimina o pobre.

Explica também o porquê do contínuo apoio dos pequenos burgueses paulistas a governos de direita, mesmo com ações desses governos que lhes são desfavoráveis – vide a reforma trabalhista ou o breve governo de João Doria – o “João Trabalhador” – que lhe é muito mais próximo.

Prossegue Reich:

“esta adoção dos hábitos da classe média intensificou-se em épocas de prosperidade [tente lembrar de um momento de prosperidade anterior aos governos do PT]. Mas em épocas de crise econômica, o consequente efeito desta adaptação foi obstruir o desenvolvimento da consciência revolucionária. A força da socialdemocracia [o PSDB da Alemanha de então] durante os anos de crise mostra quão completamente os trabalhadores estavam contaminados por esta mentalidade conservadora”.

E explica porque o PT é tão facilmente culpabilizado por uma crise que só veio a eclodir após ele ser retirado do poder.

A culpa é do PT

“Ora, no momento em que o trabalhador socialdemocrata sofreu a crise econômica que o rebaixou ao status de coolie [trabalhador imigrante de baixa especialização], o desenvolvimento de seu sentimento revolucionário foi afetado pelos decênios de estrutura conservadora. Ou permaneceu no terreno da socialdemocracia, apesar de toda a crítica e rejeição de suas políticas ou então voltou-se para o Partido Nazista, procurando uma melhor colocação”.

É essa última frase que explica o momento político paulista atual e ao qual devemos prestar muita atenção:

“ou permaneceu no terreno da socialdemocracia, apesar de toda a crítica e rejeição de suas políticas ou então voltou-se para o Partido Nazista, procurando uma melhor colocação”.

O apoio ao PSDB em São Paulo se deteriora rapidamente. Mas isso não melhora a situação dos partidos de esquerda. E os resultados da última pesquisa IBOPE dando vitória a Lula em São Paulo são profundamente enganosos, se tomados pelo seu valor de face. Quem realmente aparece como opção para o paulista desiludido é Bolsonaro.

Um alerta que nos faz Wilhelm Reich lembrando-nos da ascensão do fascismo no mundo em tempos de crise, tendo a pequena burguesia como apoiadora.

“A desilusão com a socialdemocracia, aliada à contradição entre a miséria econômica e uma maneira de pensar conservadora, leva ao fascismo, se não houver organizações revolucionárias. Na Inglaterra, por exemplo, depois do fiasco da política do partido trabalhista em 1930-1931, o fascismo começou a se infiltrar entre os trabalhadores que, nas eleições de 1931, escolheram a direita e não o comunismo”.

Na Alemanha, Hitler.

 

PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia – mantendo uma vela acessa para a bruxa não voltar.

Redação

9 Comentários

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  1. Inimigo específico
     

    população homogênea e nacionalismo exacerbado podem ter feito o sucesso do nazismo, coisa que jamais teremos no Brasil (população homogênea  e nacionalismo exacerbado)

    1. Cara Amoraiza
      Mas já temos

      Cara Amoraiza

      Mas já temos nossos judeus, àqueles a quem devotamos o ódio: para paulistas, paranaenses, catarinenses e gaúchos; são nossos irmãos nordestinos. Fique 5 minutos numa conversa de paulista branco de classe média e vc vai ouvir um insulto por minuto

      E há também o ódio a movimentos de esquerda e tudo que representa o Estado (que é privatizado para as sombras de sempre, que crescem na escuridão – veja esta criatura maligna, jp lemann, agindo para comprar a Eletrobrás)

      Décadas de discurso na imprensa sobre individualismo, meritocracia, sucesso e outras merdas produziram nossa sociedade doente (uma cópia piorada da sociedade norte-americana)

      Tamos “f…dos” para resgatar valores nobres e de vida em sociedade 

      1. Concordo. Só porque não temos

        Concordo. Só porque não temos grupos de imigrantes específicos para culpar não significa que já não tenhamos selecionado esses “inimigos” dentro da própria população nativa.

      2. Então, Armidoro e José Luis

        A “vantagem” é que embora o inimigo seja um só, nós, os outros, somos muitos para que eles se concentrem num ódio específico.

        Eles usam a tática de dividir para governar,  mas nós nem somos homogêneos em raça, nem em comportamentos e nem em aspirações, o que tanto nos dificulta uma união defensiva contra eles  quanto impede  controle eficaz por parte deles.

         

         

         

      3. O branco de classe média, paulista ou não, fala mal é de pobre
         

        Agora, Armidoro

        Cá pra nós, não há gente mais preconceituosa, desrespeitosa e machista quanto o nordestino.

        Falo de parte de minha família, inclusive,  que tem branco, preto, nordestino, italiano, paulista, mineiro.

        Pessoas que só vem se unificar em São Paulo, que recebe a todos do modo que são.

        A divisão fica por conta de suas próprias heranças culturais e características pessoais.

    2. O sucesso do nazismo veio das imposições do Tratado de Versalhes

      Sra. Amoraiza, vou testar seus conhecimentos de História a fim de tentar demonstrar a você que o sucesso do nazismo não teve nada a ver com a homogeneidade do povo alemão nem com um suposto nacionalismo exacerbado:

      No pós-guerra, a situação de miséria e a crise de 1929 provocaram o descrédito da população no capitalismo liberal e, simultaneamente, criaram condições favoráveis para a expansão das idéias socialistas. Com isso, na Itália e na Alemanha,
      a) as burguesias industrial e financeira apoiaram os regimes nazi-fascistas, temerosas com o avanço das idéias socialistas.
      b) surgiram os movimentos operários de caráter reformista, conduzidos habilmente pela maioria socialista aliada ao Estado.
      c) os partidos políticos mais expressivos associaram-se com o intuito de restaurar a credibilidade do Estado.
      d) houve um amplo pacto social com o objetivo de estabilizar a vida econômica e política desses países.
      e) houve o agravamento das tensões sociais, e a ditadura foi a opção de consenso para que se restabelecessem a ordem e a justiça.

       

      A crise econômica e a instabilidade político-social que dominaram o cenário alemão durante a República de Weimar (1919 – 33) apresentaram como desdobramento:
      a) a afirmação dos princípios morais tradicionais e a frugalidade dos costumes, impedindo a adoção de um estilo de vida desregrado e hedonista.
      b) a ascensão dos segmentos intermediários da sociedade, beneficiados com o surto especulativo e a inflação galopante.
      c) a elevação dos investimentos internos, reduzindo o nível de desemprego, notadamente no início da década de trinta.
      d) a consolidação do partido social-democrata no poder, favorecido pelo caos da economia e pelos termos impostos pelo Tratado de Versalhes.
      e) a fragilização das instituições democráticas, abrindo caminho para a difusão de ideologistas radicais de cunho totalitário.

       

      Embora vitoriosa na Grande Guerra, a Itália se vê envolvida numa séria crise socioeconômica, a partir de 1919. Não obtendo da França toda a ITÁLIA IRREDENTA, conforme compromisso, sente-se traída, enquanto a desmobilização do seu exército provoca o desemprego. Nesse panorama conturbado, surge o Fascismo, fundado por Benito Mussolini. Dificilmente o Fascismo teria chegado ao poder, em outubro de 1922, sem o apoio dos representantes do GRANDE CAPITAL. Esse apoio pode ser explicado, principalmente, pelo(a)
      a) medo de que se repetisse na Itália a Revolução Russa de 1917.
      b) aliciamento dos representantes do grande capital por parte do rei, que sonhava com uma Itália estável.
      c) interferência do Papa, que viu em Mussolini o homem da Providência.
      d) receio de que o incidente de Fiume, provocado por D Annunzzio, conduzisse a Itália a um confronto com a Iugoslávia.
      e) temor de que se concretizasse a aliança entre católicos e socialistas, pretendida por Mateotti.

       

      Observe os quadros, cujos dados permitem estabelecer uma relação entre o desemprego na Alemanha e a presença dos nazistas no Parlamento Alemão.

      Assinale a alternativa em que a citação apresentada explica essa relação.
      a) “A nova Constituição alemã traduz em verdade muito pouco o espírito alemão: o direito eleitoral ampliado, a dominação do parlamento, a debilidade do governo, a insignificância do presidente e a prática do referendo tornam a Alemanha tão radical como nenhum grande país civilizado foi até agora.”
      b) “Que viemos fazer no Reichstag? Somos um partido antiparlamentar. […] Entramos no Reichstag para procurar, no arsenal da democracia, suas próprias armas. Sentamo-nos no Reichstag para paralisar a ideologia weimariana com seu próprio apoio! […] Para nós, todo meio é bom, desde que revolucione o atual estado de coisas.”
      c) “Só uma raça alemã forte, que proteja resolutamente suas características e seu ser e se preserve de toda influência estrangeira, pode constituir o fundamento seguro de um Estado alemão forte. É por esta razão que combatemos todo espírito antialemão destruidor, quer provenha dos meios judeus ou de outros.”
      d) “Tu crês que a fome é necessária? Talvez já a tenhas conhecido? Vinte milhões de alemães têm fome como tu […] Amanhã, tu voltarás ao escritório de empregos e te inscreverás. Fora isto, não terás mais nada a fazer amanhã.[…] Mas, se tens ainda que seja um vislumbre de esperança, então vote nos nacional-socialistas, pois que pensam que se pode mudar tudo isto.”

       

      Se depois desse teste você ainda continua acreditando que o triunfo do nazismo não decorreu das condições que o Tratado de Versalhes impôs ao povo alemão, pediria à você que leia, por favor, “O Perigo Fascista e o Desemprego”, de Albert Einstein, acessável no link abaixo disponibilizado:

      https://www.marxists.org/portugues/einstein/1939/04/30.htm

  2. Esquerda, direita, volver!!!
    Os paulistas não acreditam que a diminuição considerável da miséria nacional tenha melhorado suas vidas no estado mais desenvolvido do país. Daí…

  3. Os chamados pequenos

    Os chamados pequenos burgueses vivem uma situação de comensalismo semelhante ao da rêmora e o tubarão. Senão vejamos: É uma relação caracterizada principalmente por uma relação alimentar, onde a espécie comensal (rêmora, por exemplo) aproveita os restos alimentares de outra espécie (tubarão).

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