Conspiradores fizeram pesquisa de opinião antes de decidir pelo golpe de 64

Enviado por Tamára Baranov

Na autobiografia Flautista do rei, Aníbal Teixeira, responsável pelo setor de informações da conspiração, relata como foram feitas as sondagens

Última Instância

Nos primeiros meses de 1964, o grupo civil-militar de conspiradores que articulou o golpe contra João Goulart realizou pesquisas de opinião em diversos setores da sociedade. O objetivo era antecipar reações e identificar como a população reagiria à eventual deposição do presidente.

O setor de informações dos conspiradores, chefiado pelo então deputado estadual mineiro Aníbal Teixeira, ficou encarregado de verificar como os militares, a imprensa, o clero, os sindicatos, os empresários e os estudantes encaravam o governo Jango no início de 1964.

Quem relata esse processo de coleta de informações é o próprio Aníbal Teixeira — “o responsável pelo setor de informação e contrainformação” — em seu livro Flautista do rei.

No setor militar, por exemplo, Aníbal coletou a opinião de 288 oficiais brasileiros. Dentre a amostragem, apenas 32 militares (11%) acreditavam que o Exército não deveria interver. Do outro lado, 133 militares (46%) colocavam-se “contra Jango e comunistas” e “pela democracia e anticomunistas”.

Em entrevista ao Última Instância, Aníbal explicou como foram feitas essas sondagens:

http://www.youtube.com/watch?v=TylwWlp9wFs align:center

Aníbal também esclarece que trabalhar no setor de informações não significava necessariamente ser um “espião”. Pelo contrário, suas tarefas consistiam prioritariamente em coletar notícias e dados veiculados pela mídia, por exemplo. Muitas das outras pesquisas de opinião utilizadas pelos conspiradores em 1964 foram produzidas com base em levantamentos do Ibope e outros institutos estatísticos.

Veja as pesquisas feitas pelos conspiradores antes de março de 1964 (todas retiradas do livro Flautista do rei):

Autobiografia de vasto currículo

Longe de ficar restrito apenas ao período da conspiração, o relato autobiográfico de Flautista do rei passeia por diversos episódios da vida política do país. Aníbal Teixeira descreve desde os tempos como líder estudantil na presidência da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundários), chegando até os anos recentes pós-redemocratização.

Ao regime militar que ajudou a implantar, Aníbal Teixeira não poupa críticas. A “revolução”, como diz o ditado, devorou seus próprios filhos, reafirma o autor. “Os mineiros, em vista dos resultados e rumos tomados na direção da ditadura, ficaram discretamente omissos sem reivindicar a paternidade do filho feio”, escreve.

O próprio Aníbal sofreu na pele a investida do regime contra os políticos das Gerais. Primeiro, quando caiu JK, já em junho de 1964, Aníbal Teixeira diz que só não foi cassado junto, pois o general Golbery do Couto e Silva — simpatizante de seu interesse pela geopolítica e pela “informação” — interveio. O mesmo Golbery a quem recorreria anos mais tarde numa última tentativa desesperada de evitar a cassação em 1969, após a edição do AI-5.

Na vida política, Aníbal Teixeira relata como lidou com a questão da reforma agrária e da imigração — sobretudo de judeus — no governo JK. Detalha sua vida no exílio e na atividade empresarial. Na redemocratização, trabalhou com Tancredo Neves, de quem foi vizinho por mais de uma década em Belo Horizonte. Aborda ainda seus serviços no Ministério do Planejamento do governo José Sarney, sua função como presidente do Instituto JK e seu papel recente no governo da atual presidente Dilma Rousseff.

O flautista do rei — figura à qual o título da obra faz referência — é um personagem anedótico dos tempos medievais: o instrumentista toca a sua música, bem ou mal, com ou sem a atenção do rei. Ecoando o personagem que se encontra sempre “na contramão da história”, o próprio Juscelino Kubitschek sacramentaria o epíteto do mineiro: “Aníbal, vocé é o flautista do rei”, disse o ex-presidente ao amigo, horas depois de receber a notícia de que seria cassado pelo próprio governo que ajudou a construir.

Redação

3 Comentários

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  1. “(…)horas depois de receber

    “(…)horas depois de receber a notícia de que seria cassado pelo próprio governo que ajudou a construir.”

    E depois vem um monte de gente falar mal dos militares, e apenas deles!!! Bem feito pra eles, por terem sucumbido ao canto da sereia, mas o nosso problema brasileiro é bem mais embaixo do que uma simples “ditadura militar”, como rotularam os que mais ganharam com a dita… ditadura.

  2. Arapongas mentirosos: Jango tinha 72% de popularidade

    Essa pesquisa feita pelos milicos não tem base científica e visou apenas referendar o golpe, como essa pesquisa recente da Globo sobre a queda da “simpatia” de Dilma, creio mais nas pesquisas da DataPrado, do Professor Hariovaldo….

    Jango tinha 72% de popularidade em 64, por Miguel do Rosário, em O Cafezinho

     

    O blog Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim, reproduziu há pouco uma matéria, contendo uma entrevista com historiador, publicada na Carta Capital, onde se derrubam mais mentiras históricas sobre João Goulart. Até então, o discurso dominante dizia que ele era um presidente fraco e sem apoio popular. A mídia sempre repetiu essa ladainha, até para justificar o apoio que ela deu ao golpe.

    Mentira.

    Trecho do início da matéria:

    Em 12 de março de 1964, o jornal O Estado de S. Paulo anunciava em seu editorial o “aprofundamento do divórcio entre o governo da República e a opinião pública nacional”. A exemplo dos seus pares, o diário da família Mesquita conclamava para uma intervenção militar, capaz de pôr fim à ameaça comunista representada pelo governo de João Goulart. A voz do povo precisava ser ouvida, bradava a mídia. Um estudo conduzido por Luiz Antonio Dias, chefe do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, demole essa visão consagrada pelos meios de comunicação. Com base em pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas do golpe, mas não divulgadas à época, Dias demonstra que não apenas Jango tinha amplo apoio popular, como também grandes chances de vitória caso disputasse as eleições presidenciais previstas para 1965.

    Trecho da entrevista com o historiador Luiz Antonio Dias (sigla LAD na entrevista), da PUC-SP:

    *

    LAD: À exceção do Última Hora de Samuel Wainer, todos os jornais de expressão nacional clamavam por uma intervenção das Forças Armadas, sempre em nome da opinião pública. É interessante, pois os militares, em seus livros de memória, usam esse apoio como justificativa: eles só agiram porque a população pediu. As pesquisas do Ibope provam o contrário.

    CC: Por que elas não foram divulgadas à época?
    LAD: É possível que elas não tenham sido divulgadas porque não deu tempo de tabular os resultados. O golpe ocorreu dias após o trabalho de campo. Mas sou tentado a acreditar que elas só demoraram quatro décadas para vir a público porque contrariavam o discurso da mídia e os interesses dos contratantes, a exemplo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Apenas em 2003, quando o Ibope doou seu acervo para a Unicamp, dados parciais de duas pesquisas foram divulgados pela imprensa.

    CC: O que revelavam essas pesquisas?
    LAD: A primeira, sem indicação de contratante, revelava amplo apoio à reforma agrária, com um índice superior a 70% em algumas capitais. A outra, realizada em São Paulo a pedido da Fecomercio na semana anterior ao golpe, apontava que 72% da população aprovava o governo Jango. Entre os mais pobres a popularidade alcançava 86%. Esse mesmo estudo revela que 55% dos paulistanos consideravam as medidas anunciadas por Goulart no Comício da Central do Brasil, em 13 de março, como de real interesse para o povo. Mas o acervo doado pelo Ibope é muito maior. Coletei mais de 500 páginas de pesquisas feitas entre 1961 e 1965 a revelar a dimensão do apoio popular a Jango e como ele tinha grandes chances de vitória caso disputasse as eleições.

    CC: Esse apoio era sólido o bastante para garantir uma vitória?
    LAD: Tenho elementos para acreditar que sim. Em junho de 1963, Jango era aprovado por 66% da população de São Paulo, desempenho superior ao do governador Adhemar de Barros (59%) e do prefeito Prestes Maia (38%). Além disso, uma pesquisa eleitoral realizada em março de 1964 revela que, caso fosse candidato no ano seguinte, Goulart teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Apenas em Fortaleza e Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek tinha porcentuais maiores.

    *

    E aí, a Globo vai pedir desculpas de novo?

    jango

     

    – See more at: http://www.ocafezinho.com/2013/11/04/jango-tinha-72-de-popularidade-em-64/#sthash.1pah8d5Z.dpuf

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