Não coube no título

No Estadão: “Polícia detém mãe que abandonou bebê recém nascido em Higienópolis”.

Não coube no título que essa mãe habitava uma minúscula senzala próxima à área de serviço, em Higienópolis.
Não coube que ela abandonou o bebê para não perder o emprego.
Não coube o pai.
Não coube que seus patrões ficaram 9 meses sem perceber que ela estava grávida.
Não coube que ela fez o parto sozinha no banheiro de empregada.
Não coube a única frase dela que o jornal deixou que soubéssemos: “fiz por desespero”.
Não coube que ela esperou até que o bebê fosse achado, enquanto corria para chegar em casa antes da patroa.
Não coube a outra filha de 3 anos, que agora está na senzala sem a mãe.
Não coube que a poucas quadras dali existe uma clínica clandestina de aborto para a elite paulistana.
Não coube sequer o nome dos seus senhores.

Mas coube que ela foi presa e que a polícia agiu porque, em Higienópolis, quando se é escrava, a impunidade fala mais alto do que qualquer hipocrisia.

http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,policia-detem-mae-que-abandonou-crianca-em-higienopolis,1776232