O amigo secreto de minha sobrinha

É com muita honra que compartilho com vocês a declaração #meuamigosecreto de minha queridíssima sobrinha.

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Por Taís Capelini

Eu não tinha falado nada dessa campanha ‪#‎meuamigosecreto‬ porque já havia tanta coisa sendo dita, pensei que seria mais do mesmo. Mas, nunca é né?!

Como tive algumas discussões (umas saudáveis outras nem tanto) aqui no facebook onde mulheres também apontavam que nós somos “fdps” com os homens, e que as pessoas tem o direito de ofender e eu de não me sentir ofendia, que amigo a gente escolhe. Outro cara disse que temos que dividir a culpa do machismo e apontou a violência das sogras contra as noras, com o argumento de que o “machismo materno”(?) “é justamente proveniente de mulheres que detêm algum tipo de poder sobre os homens”. Esse mesmo cara disse que as críticas estão saindo do limite do razoável! Entre essas e outras vai aqui um resumão do que tentei falar por aí..

Primeiro eu não acho que as pessoas tem o direito de ofender! Vamos pegar o exemplo do Bolsonaro, o cara tem a cara de pau de falar para a Maria do Rosário que ela “MERECE ser estuprada”, e que “ele só não estupra ela porque ela é feia”. Tem cabimento isso? O cara tem o direito de fazer isso?! Isso é crime!!!! Ele devia ir preso!!! Mas, não! Nessa cultura machista que vivemos, o retardado fala uma coisa dessas e um monte de babaca aplaude e chama de “Bolsomito”. Ele e as pessoas que dão aval pra esses descalabros não fazem a menor ideia do quando o machismo é presente, e que ele MATA!!!!

Outro caso notório, é o Cunha proibir a pílula do dia seguinte e obrigar a mulher ter filho do estuprador. Ou seja, é uma dupla violência: a mulher é estuprada e tem que ter o filho mesmo sem querer tê-lo. O argumento é que estão pensando na vida do feto, mas não pensam na vida da mulher! Quantos pais não abortam quando não assumem os filhos e as mulheres tem que se virar sendo “mães solteiras”? Alguém culpa essas caras?! Não culpa! Essas mães é que são discriminadas!!!

Sobre a campanha do “meu amigo secreto”, não é questão de que “amigo a gente escolhe”. Posso apontar atitudes machistas em TODOS meus amigos! Vou parar de falar com eles?! Não vou. Mas apontar o machismo eu posso sim, e acho que devo! É claro que não agrada! Ninguém gosta de assumir os próprios podres, de reconhecer atitudes violentas – ainda que numa simples piadinha “sem intenção de ofender”. É muito mais fácil falar que a gente é chata, que é exagero, que somos loucas, radicais, agressivas. Isso já me aconteceu inúmeras vezes! Na imensa maioria os caras nunca assumem. Sempre penso em como seria mais bonito se esses caras reconhecessem que há diferenças – gritantes!!!! – nas violências que eles sofrem e que nós mulheres sofremos. E, assim, ouvir o que tantas mulheres estão dizendo e refletir sobre si próprio, ao invés de querer deslegitimar nossa fala, ficar “emburrado”, não querer mais falar no assunto, como se o problema fosse nós, que vemos defeito em tudo.

Outros caras ainda querem ser bacanas e falam “pensem nas suas mães, esposas, filhas”. Mas, gente!!! Vamos pensar nas mulheres como uma pessoa, como um ser humano!!!! Nós não precisamos de uma relação centrada do homem para que sejamos respeitadas! Não devemos ser respeitadas porque existe um cara que é meu filho/pai/irmão. Devemos ser respeitadas, por que devemos e ponto!

Outra coisa é que essa campanha não é para manter segredo, ou dar um tom de fofoca. Ao contrário, não estamos mais nos calando como tantas vezes fizemos. Aquele grito contido agora sai da garganta de muitas mulheres! E que bom que estamos conseguindo fazer isso! Acho que o fato de estarmos todas reconhecendo tantos amigos – algumas vezes nem tão amigos, outras nem tão secretos – mostra que o machismo na nossa sociedade além de estrutural, está introjetado nas nossas relações do dia a dia: com amigos, familiares, professores, pessoas no trabalho, etc. E é por isso que é difícil! O machismo está absolutamente naturalizado, e a violência intrínseca a ele, está presente nos nossos relacionamentos com pessoas que gostamos.

Quando dizem que precisamos dividir a culpa do machismo e das múltiplas violências que ele carrega – moral, psicológica, simbólica, física, etc. – é colocar homens e mulheres num mesmo patamar historicocultural. E sabemos que é diferente! Mulheres lutaram muito para conquistar alguns direitos que os homens (sobretudo brancos) sempre tiveram, como educação, voto, representação, entre outras coisas. Lembro quando li “Um teto todo seu” da Virgínia Woolf, onde ela inventa a personagem Judith (“irmã de Shakespeare”) para mostrar que mesmo uma mulher com os mesmos talentos de Shakespeare não teria as mesmas oportunidades que ele. A autora fala sobre Judith, mas também fala sobre sua própria história: “ela estava curiosa, aventurosa, imaginativa para ver o mundo tão quanto ele. Mas ela não foi enviada para a escola”.

Por essas e muitas outras, as mulheres não podem ser culpadas pelo machismo – elas são as maiores vítimas! Concordo que todos temos uma educação machista, mas algumas pessoas se dão conta e vão descontruindo. Outras, reproduzem. Claro que isso diz respeito aos homens, mas aqui cabe algumas mulheres também, como o cara da sogra falou (embora a coisa possa ser muito mais problematizada, especialmente porque para falar de machismo o cara culpa outra mulher). Mas, no limite, quem sofre, mais uma vez, são as próprias mulheres.

Quando eu discordo de uma mulher por reproduzir o machismo falando que “nós somos fdps também”, eu não estou contra ela. Mas, quero defender nosso lado, de mulher! Que é estigmatizada pela mídia, objetificada pelos homens, que morre no aborto, que apanha do namorado, etc, etc, etc. É muito diferente!

Quando o cara me diz que as críticas estão saindo do limite do razoável, eu lhe pergunto se é razoável o fato de que no Brasil, temos 130 casos de estupro POR DIA!!!!! E de, a cada dia, 11 mulheres serem assassinadas. Setenta por cento (70%) por seu marido ou ex-marido, noivo ou ex-noivo, namorado ou ex-namorado!!!!! No caso das mulheres negras a situação é ainda mais complicada! Elas são as que mais morrem, elas são duplamente silenciadas: pelo machismo e pelo racismo! É o que a Gaiatri Spivak fala no seu livro “Pode o subalterno falar?”. Nós precisamos ouvir o que as mulheres estão dizendo, principalmente o que as mulheres negras estão falando há muito tempo!!! Os homens não sofrem as mesmas violências que as mulheres, as mulheres brancas não sofrem as mesmas violências que as mulheres negras. Isso não é se fazer de vítima, é entender o óbvio!

É por isso que essa campanha do #MeuAmigoSecreto e todas as outras que surgiram recentemente como ‪#‎PrimeiroAssédio‬‪#‎AgoraÉqueSãoElas‬,‪#‎NãoPoetizeoMachismo‬ servem para que nós possamos olhar para outra mulher, nos identificar com suas histórias, com seus relatos, perceber que não estamos sozinhas, que passamos pelas mesmas coisas e que por isso é tão importante a gente se unir. Para isso, é fundamental reconhecer a legitimidade da fala da outra! Se eu sofrer uma violência e chamar uma amiga para me ajudar e ela me falar “mas ele tem o direito de te ofender e você de não se sentir ofendida”. Isso não vai me ajudar. A pessoa vai continuar sendo violenta, vai continuar ofendendo, e eu vou me sentir sozinha, como se fosse fraqueza minha não saber lidar com aquilo e que pensar que depende apenas da minha ação individual. Eu discordo plenamente! Se alguém pedir ajuda, ou desabafar uma história (ainda que via facebook), é preciso que entendamos o que a pessoa está falando, compreender que é algo que não acontece só com ela, e que juntas sim, podemos lutar contra as opressões que a estrutura machista e patriarcal impõe, construindo um mundo onde as mulheres possam se ver mais empoderadas, e gozar das mesmas liberdades que os homens (iguais a eles, não substituindo uma dominação por outra). E onde eles, não se sintam no direito de ofender mulher nenhuma, porque mexer com uma é mexer com todas! Emoticon heart

PS: li aí também que a mulher deve usar roupas decentes para se preservar do “instinto masculino”. Mas cagar na rua de cócoras ninguém quer, né colega?!

Redação

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