Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Corrupção revela sua parte maldita, por Wilson Ferreira

 

Lava-Jato, Operaçao Zelotes, denúncias premiadas etc. A grande faxina comandada pela judicialização da Política busca não apenas investigar a lavagem do dinheiro da corrupção – mas procura simbolicamente “lavar” e “purificar” os próprios sistemas político, financeiro e midiático: afastar das nossas consciência a “parte maldita” da corrupção. As funções econômica e simbólica da própria corrupção na reprodução da sociedade – do mercado de luxo ao dinheiro que circula no sistema financeiro global até o show midiático do combate à corrupção que cria a ilusão de participação e de transparência para sistemas que há muito tempo perderam contato com o corpo social: a Política, a Mídia e o sistema financeiro. Mas ironicamente, a corrupção teria a mais secreta função: combater a fonte de todo mal, o dinheiro, através do próprio mal.

Parece haver um consenso entre jornalistas, cientistas politicos e pesquisadores de mídia que Operação Lava Jato e toda a atual judicialização da Política são ações que buscam, principalmente, impacto midiático: imagens em horário nobre de uma Ferrari sendo apreendida na Casa da Dinda em Brasília, constantes vazamentos dos depoimentos de delação, divulgação de novas prisões sincronizadas com os horários de fechamentos das revistas informativas semanais, operações da Polícia Federal batizadas com nomes exóticos etc.

Não importa qual a posição do espectro politico (para a oposição, o espetáculo é educativo como exemplos de moralização da Política; e para a esquerda que vê em tudo espetáculo seletivo apenas para sangrar a presidenta Dilma e o PT), todos os lados partem de um mesmo pressuposto: a recriminação da corrupção.

Nunca terminamos de buscar as raízes da corrupção. Ora encaramos a corrupção através da metáfora da doença – é um cancer que insiste em se espalhar como metástase em instituições e nas próprias relações humanas. Ora é vista como o próprio espelho da natureza humana, fraca e pecadora, sempre à espera do momento oportuno para manifestar-se – afinal, o hábito faz o monge ou a ocasião faz o ladrão.

Mas pelo menos a luta anti-corrupção oferece-nos o espetáculo midiático, pedagócio e catártico. Ao espetacularizar a corrupção como câncer ou como pecado, o show midiático parece ocultar a sua “parte maldita” – antes de ser um tumor ou resultante do caráter deformado do corrupto, a corrupção faz parte do próprio funcionamento da sociedade.

Georges Bataille (1897-1962)

Como parte maldita, é tradicionalmente denegrida pela ética dominante desde Platão, como demonstra o pensador francês Georges Bataille em seu livro classico A Parte Maldita – aquela parte ligada ao excesso e o dispêndio inútil que, apesar da racionalidade e moralidade, é o próprio cerne da vida e do que significa o ser humano. 

Essa “Parte Madita” é a que atribui ao fenômeno da corrupção duas funções cruciais para a reprodução social: uma econômica e outra simbólica.

Corrupção, luxo e sistema financeiro 

Por exemplo, na Inglaterra comprar casas de luxo é uma prática comum de bilionários para branquear dinheiro ilícito e fugir de impostos – clique aqui

O mercado de bens de luxo é um mercado próspero e indiferente à montanha russa da economia,  turbinado por dinheiro originado de desvios, tráfico e falcatruas contábeis. 

Por exemplo, o leitor deve lembrar-se da extinta loja de luxo Daslu em São Paulo onde caixas relatam pagamentos feitos com dinheiro vivo contidos em maletas colocados sobre balcões para funcionarias fazerem a contagem das notas – notas à espera de serem lavadas, assim como o lucro da própria loja originada de notas fiscais frias. 

Corrupção produz mercado e gera empregos – afinal, não é esse a finalidade moralmente boa da atividade econômica? Sim, é consumo de minorias graças à sonegação de impostos e prejuízo coletivo, mas também ironicamente criador de uma cadeia produtiva que não poder ignorada dentro da economia.

 

Segundo o banco de dados do próprio Banco Mundial (o Grand Corruption Cases Database Project), a corrupção movimenta cerca de 40 bilhões  por ano no sistema financeiro global. Dados até modestos, se somarmos com o dinheiro lavado por esse sistema proveniente da indústria de armas e drogas – movimentando 500 bilhões de dólares por ano. 

A corrupção não está apenas nos governos, empresas estatais, autarquias ou empresas privadas:  faz parte do sistema financeiro e sustenta os grandes bancos com uma desenvoltura muito além do que imaginamos.

Novamente a ironia: corrupção, armas e drogas são lavados e transformados depois em crédito para os bancos financiarem atividades econômicas legais.

A lavagem simbólica da corrupção

Mas também a espetacularização midiática do combate à corrupção possibilita uma tipo de lavagem simbólica: a purificação da Política, do sistema financeiro e da própria mídia. 

Os sistemas político, financeiro e midiático transformaram-se em entidade auto-imunes, autônomas e sem gravidade: estão longe do corpo social como sistemas que se fecharam em si mesmos, tautistas e que se auto-reproduzem. A Política arruína a representação, as mídias criam a tele-ausências das massas por meio da tele-cidadania e o sistema financeiro gera catástrofes sociais a cada crash que, no fundo, é realização de lucros dos investidores/jogadores.

Graças à ofensiva judiciária anticorrupção e os desmascaramentos diários pela TV, é como se o sistema político sofresse uma nova transfusão de sangue puro, injetando vida e dando a oportunidade do sistema sair da clausura, criando um cordão umbilical que o reate à sociedade. Nem que seja sob a forma de simulação. A ofensiva do Judiciário recria as diferenças entre Esquerda e Direita, reaviva o sistema político em uma espécie de Fla X Flu. Sistema que, fosse abandonado à própria sorte, chegaria do grau zero do imobilismo simbólico – a indiferenciação partidária e a entropia total do sistema – sobre isso clique aqui.

 Para o sistema midiático que criou uma tele-cidadania baseada na ausência, a transformação das denúncias da corrupção em escândalo moralista diário transformou  toda a ofensiva judiciária em um gigantesco reality show que dá uma ilusão de interatividade e participação para os tele-cidadãos isolados.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. SERIA BOM SE FOSSE

    SERIA BOM SE FOSSE VERDADE.

    PARA QUE TIVÉSSEMOS UM RESULTADO TOTALMENTE BENÉFICO PARA O PAÍS SERIA NECESSÁRIO QUE OS 3 PODERES ESTIVESSEM JUNTOS E COM O MESMO OBJETIVO HISTÓRICO DE PASSAR O PAÍS A LIMPO.

    MAS A REALIDADE MOSTRA QUE SEM UM STF FISCALIZADO, ISSO SE TORNA IMPOSSÍVEL. 

     

     

  2. O monge do Paraná pode usar

    O monge do Paraná pode usar grifes importantes já que não recebe como monge, seu salário é maior do que o de um ministro do STF. E, como num aparheid que se presta, temos hoje nas TVs alguns tipos de ações ‘reais’ que fazem o espetáculo: A polícia em ação (literalmente falando) e os tribunais em julgamentos. São vários programas, além dos terríveis Cidade alerta e outros do mesmo nivel.  Isso dá uma sensação de unidade ao que é separado. Uma sensação de ‘estar por dentro’ quando se está literalmente ‘por fora’.  Mas o whatsapp torna tudo ‘real’ e ‘interativo’. Admirável mundo novo. Robôs – como produto, podem ser, mais humanos que o próprio homem.

  3. O outro nome do sistema

    O outro nome do sistema capitalista é corrupção. E quanto mais liberal for o sistema, mais corrupto será. A novidade é que o imperialismo agora controla suas colônias através da corrupção – com espionagem de alta tecnologia, ele sabe como anda a corrupção dentro de qualquer sistema de governo que não goste. E como há corrupção por toda a parte, o imperialismo, que controla também a informação social de todos estes países colonizados ou semi-colonizados, denuncia a corrupção que desmoralizará o governo que não atenda a seus interesses. E onde não houver corrupção, o imperialismo inventará corrupção.

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