Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Filme “Borgman” mostra como uma família burguesa se autodestrói

Esqueça a maldade representada pela tradição hollywoodiana: serial killers, monstros, psicopatas, terroristas, russos, árabes e vilões em geral (RAVs). Para assistir ao filme “Borgman” (2013), do diretor holandês Alex Van Warmerdan, o espectador deve ter em mente que está entrando no terreno do Mal surrealista e metafísico. O Mal na tradição gnóstica que, no Ocidente, tem na obra de Marques de Sade um dos seus melhores representantes. Em um mix de thriller, sobrenatural e humor negro, “Borgman” narra como uma típica família burguesa é capaz de se autodestruir até o limite da insanidade – e Camiel Borgman, um presumível sem-teto que um dia bate à porta da família, seria o suposto responsável por tudo – hipótese mais tranquilizadora para nós. Mas Van Warmerdan não pensa assim: e se o Mal não estiver nos espreitando? E se ele já estiver dentro de nós? Filme insistentemente (ainda bem!) sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Borgman é um filme incômodo porque ele não aborda o Mal como uma entidade que nos espreita e nos ameaça com estupradores e assassinos, mas o Mal que pede licença para entrar em nossa casa porque ele já está dentro de nós. O Bem e o Mal como os dois lados da moeda de um jogo cósmico, inseparáveis: ordem/caos, vida/morte, prazer/dor, amor/ódio e assim por diante. Tudo que é construído, um dia cairá; não há felicidade que dure. O Universo explode em vida e beleza, mas também caminha para a entropia e desordem.

O Filme

Van Warmerdan nos conta uma história com evidentes influências de filmes como Teorema de Pasolini ou Veridiana de Buñuel: a velha narrativa da família invadida pelo Mal que, de tão contada no cinema, transformou-se numa espécie de sub-gênero: a “Home Invasion”, de filmes de gêneros tão diversos como Cabo do Medo (1991) a Esqueceram de Mim (1990).

 

Mas com as referencias de Pasolini, Buñuel e da própria obra literária de Marquês de Sade (admitida pelo diretor em entrevistas), esse sub-gênero será renovado de forma perturbadora – como uma família é capaz de se desintegrar até a insanidade de tal maneira que o Mal parece se tornar um mero observador de uma maldade já inserida na própria psiquê humana.

O filme abre com uma citação bíblica que será o resumo de tudo que o espectador acompanhará: “E eles desceram sobre a terra para fortalecer suas fileiras”. Em seguida vemos uma estranha sequência onde caçadores armados de espingarda e lanças e ajudados por um cachorro estão à procura de alguém em uma floresta. Vale lembrar que um desses cavalheiros raivosos e armados é um padre!

Eles estão claramente atrás de algo mau que se esconde sob o solo. Eles descobrem o refugio de Camiel Borgman (Jan Bijvoet) que consegue escapar por um túnel a tempo de avisar outros que estão escondidos sob a terra mais adiante – Pascal (Tom Dewispelaere) e Ludwig (performado pelo próprio diretor).

Quem são esse homens? Borgman é apenas um sem-teto? Por que as pessoas, incluindo um padre, querem mata-lo? Por que moram no sub-solo? O que estará planejando em seguida? Será que ele é um dos que desceram à terra? Tudo é uma parábola religiosa?

Borgman bate na porta de Richard (Jeroen Perceval) e Marina (Hadewych Minis), chefes de uma família aparentemente normal de classe média alta e completa com crianças e uma babá regular numa ampla casa. Tudo que Borgman pede é um banho. Bem articulado, ele diz conhecer Marina. Ela nega, mas já é tarde: a primeira trinca já se abriu no relacionamento do casal. Enfurecido, Richard espanca o “sem-teto” e o afasta dali.

Mais tarde, Marina descobre Borgman escondido na garagem. Penalizada e culpada pelo seu marido tê-lo agredido e vendo seus ferimentos, Marina deixa ele ficar escondido em casa: dá a Borgman um banho e uma refeição.

A partir daí, a narrativa começa a progredir entre uma tênue fronteira com o sobrenatural na forma como ele desliza pela ampla residência. Borgman sabe se esconder, muitas vezes ele tem que dizer “eu estou aqui” porque ninguém ouve-o entrar. Aos poucos Borgman começa a influenciar Richard, Marina e seus filhos.

Marina esconde a existência de Borgman para o seu marido. Num misto de culpa e atração sexual, Marina mantém o segredo fazendo um pacto com a babá. Enquanto isso, Borgman conta estranhas histórias para as criança antes de dormir, sobre, por exemplo, o quanto Jesus é indiferente com todos nós…

Borgman: interpretações religiosas e sociológicas

As mazelas daquela família de classe média alta começam a aflorar: o racismo, a agressividade e a ambição competitiva e profissional de Richard; o distanciamento dos pais em relação aos filhos que entregam todos os afazeres paternos à babá; as insatisfações conjugais de Marina que tenta mitigar se fechando num pequeno ateliê de artes no amplo jardim da casa.

Mas aos poucos percebemos que algo maior está sendo articulado por Borgman. Seus amigos da floresta chegam para ajuda-lo, depois que ele é admitido oficialmente pela família como jardineiro. Com outras roupas e barba feita, Richard não o reconhece e o contrata como mais um empregado da casa. Borgman e seus ajudantes têm algum plano sinistro  para aquela família.

O filme Borgman favorece diversas interpretações, sejam religiosas (metáfora do espírito do mal no mundo, demônios e demais forças das trevas) ou sociológicas – a hipocrisia de uma família burguesa e a culpa por viverem na opulência material. 

A leitura religiosa é favorecida primeiro pela epígrafe bíblica que abre o filme.

Borgman é um íncubo?

E segundo, a imagem recorrente dos momentos em que Borgman está influenciando os sonhos de Marina: ele está semi-nu, na cama, sentado sobre as pernas de Marina e olhando fixamente para ela como se acompanhasse seus sonos por alguma tela mental. A óbvia referência tanto imagética quanto simbólica dessas sequências e a do íncubo – entidade descrita desde a Antiguidade como um demônio na forma masculina que se encontra nos sonhos femininos. Ele toma a forma mais atraente para a vítima, atraindo-a com seu magnetismo para sugar a energia sexual.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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