Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mídia faz cortina de fumaça com debate “Escola Sem Partido”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Doze anos depois do surgimento da proposta do “Escola Sem Partido”, o Senado lançou agora um projeto de lei para incluir essa ideia nas diretrizes e bases da educação nacional. A grande mídia deu espaço a essa notícia e tanto Esquerda quanto Direita morderam a isca e se engalfinharam: mordaça para os professores? Retrocesso na educação? Impedir que a esquerda doutrine alunos aproveitando-se da audiência cativa? Por que só agora o projeto ganha expressão política e midiática? O debate coincide com o momento da oligopolização do ensino por grupos educacionais estrangeiros (turbinados por fundos de investimentos) e nacionais que não visam apenas a mercantilização, mas a própria industrialização do ensino. A polêmica midiática do “Escola Sem Partido” parece ser uma cortina de fumaça para esconder um projeto industrial muito mais amplo com a importação de novas metodologias educacionais (“ativas”, “educação por competências”) tomadas como um fim em si mesmas onde o próprio professor desaparecerá junto com o seu ofício. Talvez no futuro nem mais exista professor para ser amordaçado.

Como professor universitário, com algumas passagens pelo ensino médio e cursos de capacitação de professores do ensino público, esse humilde blogueiro tem a estranha sensação “de volta para o futuro” ao ver o debate atual em torno do Projeto Escola Sem Partido, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES). 

Em primeiro lugar, esse debate ganha espaço na mídia em um momento de evidentes retrocessos e a ascensão de todos os “neos” (neoconservadorismo, neoliberalismo etc.). Um debate que surge com forte cheiro de naftalina como fosse de alguma coisa que foi retirada de uma gaveta depois de anos. A acusação da suposta existência de professores comunistas “barbudinhos” fazendo a cabeça de incautos alunos fazia parte da paranoia dos tempos da ditadura militar dos anos 1970. 

Já foi bastante documentado como na ditadura militar brasileira as Associações de Pais e Mestres (APM) eram instrumentalizadas para controlar professores, monitorar os conteúdos programáticos de disciplinas e criar listas de professores suspeitos.  

Agora, décadas depois, esse debate em tons retro retorna marcado por personagens decadentes como o ator pornô Alexandre Frota (que fez questão em agendar uma visita ao ministro da Educação para hipotecar apoio ao projeto) e o próprio autor do projeto (Magno Malta que embarcou na onda conservadora depois de diversos reveses políticos).

Esse projeto existe desde 2004 cuja ideia surgiu do advogado Miguel Nagib como reação à “doutrinação política e ideológica em sala de aula” por meio de livros didáticos e supostos professores partidarizados. Mas estranhamente só agora ganha expressão política através de um projeto no Congresso. 

Por que agora? 

Por que doze anos depois essa paranoia em torno de supostos professores estarem usurpando o direito de pais sobre a educação moral, política e religiosa de seus filhos, ganha espaço na mídia e expressão política em um projeto no Congresso?

Acredito que essa discussão com gosto de café velho requentado visa outra coisa, muito mais do que desbaratar supostas células partidárias e comunistas no ensino brasileiro. Aliás, isso é um álibi para um propósito muito maior e que, por isso, exige a aplicação de uma velha tática de engenharia de opinião pública: desviar a atenção. 

Em um cenário atual onde grandes empresas educacionais, nacionais e estrangeiras (turbinadas por fundos de investimento), estão oligopolizando o setor e impondo a racionalização produtiva industrial na sala de aula, escolas e universidades privadas estão mobilizadas para dar o lance mais ambicioso: a substituição do professor pelas modernas “metodologias ativas” ou pela “educação por competências”.

O projeto Escola Sem Partido faz Direita e Esquerda se engalfinharem numa discussão ultrapassada como se debatessem em torno de monstros de moinhos de vento. Mas o pior ocorre em outra cena: não se trata mais de controlar conteúdos curriculares, mas de tornar a própria função escolástica do professor (transmissão e criação de conhecimentos) em algo velho e substituído por dispositivos metodológicos importados.

Não por causa de suspeitas ideológicas, mas simplesmente porque na moderna racionalização industrial na educação (o serial, o pontual, o quantitativo) não há mais lugar para  insumos e resultados que não possam ser medidos e representados em planilhas Excel que geram bonitos gráficos para serem projetados em data-show nas reuniões de gestores.  

Primeira fase: Mercantilização do ensino

Em postagem anterior sobre as transformação ocorridas no educação em geral, e no ensino superior em particular,  conseguimos demarcar duas fases bem distintas no processo de transformação educacional: a mercantilização e a industrialização – sobre isso clique aqui.

A primeira fase de mercantilização corresponderia ao duplo processo de sucateamento do ensino público e o crescimento do ensino privado.

Nessa fase o conhecimento foi progressivamente transformado em informação para se adequar a um regime de exploração por “mais-valia absoluta”: aumento do ritmo do trabalho, salas de aula lotadas, salários baixos e extensa jornada de trabalho.

O “conhecimento” (tanto nos aspectos de transmissão e pesquisa) foi reduzido a “informação” por meio do apostilamento do material didático: quadros sinópticos, infográficos, resumões etc. – o conhecimento deveria ser simplificado (quantificado) para se converter em mercadoria. 

Víamos a ascensão daquilo que o educador Paulo Freire chamava de “concepção bancária de educação”: o professor deposita no aluno “conhecimento” (na verdade informações simplificadas) que será depois cobrado de volta nas provas.

A educação abandonava o campo do conhecimento para ingressar nas técnicas de transmissão e fixação de informação. Mas o professor ainda conseguia deter o seu ofício – fechava a porta da sala de aula e tentava manter o espírito escolástico. Daí, as desconfianças sobre o ofício do professor: ele transmite informação ou “ideologias”? 

Segunda fase: industrialização do ensino

Com a chegada do grande capital de grupos e fundos de investimento, a educação supera a fase comercial (mercantilização) para ingressar na fase da industrialização. Depois da quantificação do conhecimento em informação, passamos para a operação mais delicada  porque envolve tanto aspectos pedagógicos quanto trabalhistas: não só a quantificação como a destituição final do próprio ofício do professor. 

Assim como as máquinas com controle numérico substituíram e fragmentaram o ofício de metalúrgicos, também metodologias como as chamadas “ativas” ou por “competências” pretendem substituir o ofício do professor que doravante será definido por eufemismos como “instrutor”, “facilitador” ou “motivador”.

Se na primeira fase da mercantilização do ensino o conhecimento havia se convertido em informação, agora na fase da industrialização ele sofre uma nova mutação: vira “competências”.

As novas metodologias de ensino

Nas novas metodologias o conhecimento deixa de ser o objetivo central do processo educativo e passa a um papel secundário, dando-se prioridade às técnicas, as quais passam de meios para se converter em fins em si mesmos.

Se no passado a educação procurava a compreensão da realidade, o conhecimento (agora qualificado como um saber morto e sem valor nem de mercado e nem moral) é transmutado em “competências” avaliadas por meio de jogos e estratégias: responsabilidade, eficiência, iniciativa, execução, trabalho em grupo, adaptação às circunstâncias etc.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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