Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O evento-encenação da “célula amadora” dos terroristas de paintball, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Saem bolivarianos e comunistas e agora entram terroristas islâmicos. Sim! Nós também temos terroristas. “Células amadoras” onde o batismo é feito através de webcam, compram armas do Paraguai pela Internet e pretendem fazer “treinos de lutas marciais” a poucos dias dos jogos olímpicos, suposto alvo dos intolerantes religiosos. Isso quem disse foi Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, em uma coletiva convocada numa atmosfera de pompa e gravidade. Uma “investigação sigilosa” que, ao mesmo tempo, pode ser divulgada à Imprensa. E a grande mídia repercute com seus correspondentes no Exterior para que, definitivamente, esse País seja levado à sério. Esse é mais um exemplar de uma longa história de “eventos-encenação” (Umberto Eco) que começa com o casamento de Lady Di e Príncipe Charles, passando pelos mísseis jogados no Sudão e Afeganistão por Bill Clinton para desviar a atenção de um escândalo sexual em 1998 até essa desajeitada estratégia do governo Temer repleta de contradições, timing e oportunismo, com direito a foto de um “terrorista de paintball”.

No ápice do escândalo sexual do presidente Bill Clinton envolvendo uma estagiária e charutos em pleno Salão Oval da Casa Branca em 1998 e a ameaça de sofrer um impeachment, o Governo respondeu ao ataque terrorista a duas embaixadas norte-americanas na África com um ataque de mísseis de cruzeiro contra alegadas posições terroristas no Sudão e Afeganistão. Muitos analistas viram nessa ação uma estratégia para derrubar a pauta midiática do escândalo. O Departamento de Estado falou que tudo foi “mera coincidência”.

E naquele mesmo ano era lançado o filme Mera Coincidência (Wag The Dog) que acompanha um presidente também envolvido em escândalos sexuais que precisa reverter a agenda da mídia a poucas semanas do final da campanha da reeleição. Contrata um conselheiro de relações públicas e um produtor de Hollywood para produzir uma guerra fictícia envolvendo supostos terroristas albaneses em guerra cenográficas em chroma key e muitos vídeos “vazados” para os telejornais – sobre o filme clique aqui.

Tanto na realidade como na ficção, esses exemplos tratam de dois elementos fundamentais na política: o timing e o oportunismo. E quando esses dois elementos estão presentes simultaneamente em um fato político há 99% de possibilidade de tudo ter sido manufaturado, seja em uma False Flag, Inside Job, factoide, pseudo-evento ou um evento-encenação. 

Filme “Mera Coincidência” (1998): terrorismo em chroma key

A poucos dias do início das Olimpíadas no Rio, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes convoca a imprensa e anuncia que a Polícia Federal prendeu um grupo de dez brasileiros que conversavam em aplicativos de comunicação, como o WhatsApp, sobre intolerância racial, ódio e islamismo. E finalmente foram presos quando os comentários passaram para “atos preparatórios”  como comprar arma pela Internet de uma loja paraguaia e planejar fazer treinamentos de artes marciais.

Uma célula do Estado Islâmico no Brasil? Sim, e para o ministro trata-se de uma “célula amadora”.

A coletiva à imprensa foi cercada com tonta pompa e atmosfera de gravidade necessárias – o ministro levantou a bola para ao longo do dia a grande mídia chutá-la para frente através dos seus correspondentes internacionais, ávidos pela possibilidade do Brasil também estar no circuito do terrorismo internacional e ser um país respeitado. Sim! Nós também temos terroristas. Embora ainda “amadores”.

A coletiva: pompa e atmosfera de gravidade

Eventos-encenação, telegenia e canastrice

Umberto Eco em seu texto clássico Televisão: a Transparência Perdida (texto do livro Viagens na Irrealidade Cotidiana, Nova Fronteira, 1983) descrevia como a irrealidade cotidiana estava sendo progressivamente transmitida por uma nova forma de TV: a “neotevê” – aquela televisão onde a realidade deixou de ser menos os fatos imprevisíveis e espontâneos do que aqueles habilmente produzidos para se encaixar confortavelmente no script pré-estabelecido da grande mídia – sobre esse conceito clique aqui.

Para Eco, o casamento da família real inglesa (o “Royal Wedding”) em 1982 teria sido o acontecimento inaugural:  produzido e roteirizado para ser telegênico e encaixado na grade de programação da BBC.

São os “eventos-encenação” onde relações públicas, marqueteiros e jornalistas transformam-se em consultores para a produção de eventos que consigam juntar em um único lance timing e oportunismo. 

Contando com a rápida repercussão pela Neotevê. Afinal, os eventos-encenação têm appeal, telegenia e canastrice com design cuidadosamente planejado para a mídia – reparem no personagem canastrão criado pelo ministro Alexandre de Moraes:  um misto de Kojak com um estudado olhar grave que frequentemente entra em conflito com sua fala gaguejante e engasgos constantes. Mas diferente do ministro, o velho Kojak da série dos anos 1970 era um policial que não se levava a sério…

Ministro da Defesa: pronto para a ação em seu colete de campanha…

Eventos-encenação são contraditórios

De início, um evento-encenação apresenta muitas contradições pela sua natureza esquizofrênica: embora encenada, tem que aparentar espontaneidade e a fatalidade do destino.

(a) A expressão “célula amadora” ‘e uma contradição de termos: “célula”, um conceito tático de um movimento político organizado, com característica “amadora”. O ministro teve que criar um conceito inusitado para a mídia engolir a história de jovens se comunicando no WhatsApp e comprando armas pela Internet; 

(b) O ministro declarou que nomes dos brasileiros seriam mantidos em sigilo para, segundo ele, assegurar o êxito das novas fazes de investigação. Como é possível sigilo em uma ação já amplamente repercutida na mídia pelo próprio ministro. Na Europa e em países acostumados a lidar com atos terroristas, as investigações são sempre mantidas em sigilo para que não sejam atrapalhadas e nem crie pânico desnecessário. 

(c) A necessidade da prisão do grupo suspeito veio a partir do momento em que passaram para “atos preparatórios”. A poucos dias das Olimpíadas a “célula” decide (ou foi “acionada”) partir para ação, comprando armas pela Internet e decidindo treinar “artes marciais”. Tudo em cima da hora, numa ação que, mesmo para aqueles que assistem a filmes de ação (provavelmente a formação da “célula amadora”), sabem que uma ação terrorista num evento dessa magnitude levaria meses para ser planejada.

(d) As prisões foram feitas com base em uma única evidência: conversas em aplicativos como WhatsApp. Mas não estamos no país onde juízes tiram o serviço do aplicativo do ar como sanção pelo serviço não fornecer à Justiça os registros de conversas entre usuários? Essa contradição foi apresentada ao ministro na coletiva. Alexandre de Moraes gaguejou mais do que o normal.

Agora vamos ao núcleo político de um evento-encenação: timing e oportunismo. Evento que de tão conveniente, passamos a nos perguntar: quem sai ganhando?

O terrorista de paintball: uma questão de corte do enquadramento

 

Evidências de encenação

Manchetes de jornais e imagens telejornalsticas morderam a isca oferecida pelos ministros da Defesa e Justiça e desenvolveram a habitual narrativa clichê: brasileiros barbudos, convertidos ao islamismo e, ainda, um deles respondia dúvidas sobre aulas de árabe em um grupo no WhatsApp.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

16 Comentários

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  1. Independentemente da

    Independentemente da seriedade da ameaça, fizeram muito bem em deter os idiotas, que passarão algumas semanas em cana, alguns talvez saiam com tornozeleiras eletrônicas. Nenhum outro governo agiria de forma diferente, e vale lembrar que só estavam sendo monitorados e a prisão só foi decidida depois que a mulher de um dos procuradores divulgou a investigação numa rede social. 

    1. Troll escroto
      Um traste de um Ministro burro, incompetente, gaguejante, tíbio, frouxo, mal preparado, que usa o cargo para fazer campanha política, e que quase acabou com a reputação de pessoas inocentes só pra gerar pauta “positiva” pro governo golpista, fez um estardalhaço com base em nada, e daí vem vc vem aqui, cantar de galo, homenageando a cagada internacional que o cara fez. Uma vergonha para o país diante do mundo.

      Só gente que não vê nenhum problema em roubar, corromper e relinchar pode elogiar um governo feito de homens corruptos.

  2. O ministro com esse coletinho

    O ministro com esse coletinho tá mais parecendo que vai à um safari na àfrica!

    Quer parecer durão! “Terroristas, aqui voces não tem vez!” Enquanto isso lá no morro…

  3. piada pronta

    Esta imprensa ridícula a credibilidade do ministro da justiça e do pcc foram rápidos e tempestivos para informar o mundo das nossas sempre alertas instituições e destes heroicos puliça para desbaratar célula de perigosíssimos terrorista paintball tabajaras.

    Com a mesma rapidez e muita vergonha a imprensa mundo afora apagou dos noticiosos este acontecimento fantasioso e mentiroso, mas ainda não teve coragem para admitir um primeiro de abril extemporâneo.

    Falta perder para a Alemanha de 7×1 e acertar que não vai ter a olimpíada. 

  4. Trágico
    Você olha p esse Ministerio do Temer só dá “estrume da pior especie ” !
    Eu estava olhando o Serra ontem na TV falando e agindo como um todo poderoso , com os olhos esbugalhados pela soberba , grotesco !
    Então me deu um sentimento de melancolia profunda , de desalento , ao me lembrar que aquele era o mesmo homem Presidente da UNE em 31 de Março de 64 , que na ocasião foi obrigado a se esconder na casa de um amigo na Lapa ( RJ ) para dali incognito fugir p o Chile , onde 10 anos depois teve de agir da mesma forma para não ser morto pela Ditadura nazista de Pinochet !
    Fiquei pensando então na miséria e no ridículo humano , como somos anjos e demônios , como passamos do céu ao inferno com tanta facilidade e rapidez , como , muitas vezes , somos muito piores que o mais predador dos animais !
    Cômico , se não fosse trágico !

    1. E há uma grande parcela da

      E há uma grande parcela da população sedada pelos jornais das firmas hegemônicas de comunicação de massas.

       

      “Esse silêncio todo me atordoa

      e atordoado permaneço atento

      na arquibancada prá, a qualquer momento,

      ver emergir o monstro da lagoa”

       

      Que mais precisa para crermos que está em curso um golpe de estado? Mas golpes tem prazo de validade. É bom anotar para não esquecermos – senão nós, nossos filhos – depois que o golpe passar:

       

      1 – Desmontar a hegemonia das firmas de comunicação de massas.

      2 – Fomentar Jornalismo de qualidade e plural, começando pelos blogs independentes.

      3 – Afastarmos coisas como o Instituto Millenium e Instituto Liberal da governança pública. Aliás afastarmos da administração pública tudo o que for da iniciativa privada agigantada e internacional.

  5. Ual! então a coisa chegou…

    Ual! não sabia que a coisa chegou nesse nível de gravidade, um nível tal que o ministro da justiça não tem mais cabelos e o da defesa a atuar paramentado em campo de manobras!

  6. Parabéns, Wilson!

    Fico impressionadíssimo com a quantidade de excelentes textos e análises produzidos pelo professor Wilson Roberto Viera Ferreira.

    É como se os textos saíssem aos borbotões, todo dia tem coisa nova a ser lida – mas não se encontra nenhum erro de grafia de palavras, nem de sintaxe, ou de concordância, nada. E, além de tudo, o Professor Wilson sempre diz coisa com coisa, sempre atento às virtualidades componentes da estranha realidade brasileira.

     

  7. O Brasil é um país

    O Brasil é um país formidável! Aqui o rabo morde o cachorro. “Terrorista” se entrega à polícia! Outro “terrorista” usa “arma” de paintball para posar para foto!  O ministro da Justiça é ex(?) advogado de facção criminosa.

    Impressionante! Este é o país da piada pronta! 

    1. Desculpe, Jus, mas não

      Desculpe, Jus, mas não consigo ver a menor graça. Quem viveu o golpe de ’64 sabe do que falo. E não estranha situação já vista, vivida e sentida.

      Sem tirar nem uma vírgula do excelente texto do Prof. Wilson, dentre tantos outros de denúncia que temos lido e produzido, fica a questão: até que ponto suportaremos esse monte de mentiras e essa sabotagem sistemática ao nosso país? E como reagirmos senão buscando apoio de países democráticos e da mídia internacional? Luz é tudo o que quem gosta de sombras detesta e teme.

      1. Resta saber agora quem foi

        Resta saber agora quem foi que cortou a imagem pra fazer parecer uma arma de verdade…

        Será que foi o A.M. pra “valorizar” sua carreira ou foi a Globo pra “turbinar” a notícia?

        Só sei de uma coisa: Isso é uma vergonha! Um desserviço de desinformação.

  8. Que o governo tenta manipular

    Que o governo tenta manipular a opinião pública através desse episódio, não tenho nenhuma dúvida.

    Que a internet fermenta de doidos varridos que se sentem invulneráveis à ação da justiça, que caluniam, que difamam, que espumam ódio racial e misoginia e preconceitos dos mais variados tipos, que incentivam uns aos outros à prática de crimes, também não tenho nenhuma dúvida. Já esquecemos dos inúmeros casos de ameaças à presidente da república? Já esquecemos do “faça um favor ao Brasil, mate um nordestino”? Basta ver a reação do comentariato dos portais a qualquer crime de estupro, como sempre há quem justifique e apoie os estupradores, vomitando ódio às mulheres em geral.

    E é evidente que o Islã radical é atraente para misóginos do tipo de um Marcelo Mello ou Engenheiro Emerson. Que alguns desses misóginos de porão, indivíduos desajustados que sonham com um mundo em que o estupro seja permitido, vão eventualmente adotar algum tipo de identificação islâmica para dar alguma coerência ao discurso de ódio deles. E essa, aliás, é a novidade do terrorismo em 2016: o sujeito não precisa mais estar organizado em “células” da Al Qaida ou do Estado Islâmico, nem o Estado Islâmico quer ou precisa que esses idiotas, que são antes de tudo ameaças vivas à segurança de qualquer organização secreta, se organizem; basta que ajam em nome da causa, como o atirador de Orlando ou o atropelador de Nice, e o resultado é o desejado.

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