Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Pequeno manual de guerrilha semiótica antimídia, por Wilson Ferreira

É inacreditável que depois de quase um século de legado em instrumentos, estratégias e pesquisas na Ciência da Comunicação, a única reposta possível do PT à agenda imposta pela grande mídia seja a articulação de um “gabinete de crise”. Administrar os estragos provocados pelas explosões das bombas semióticas apenas legitima e dá pertinência à pauta diuturnamente elaborada pelas redações dos grandes veículos. O PT repete o mesmo erro estratégico das esquerdas em todos os tempos: pensar a comunicação ainda de forma tradicional (iluminista) como uma questão de Fonte de transmissão dentro da cadeia de comunicação. As bombas semióticas demonstraram que a grande mídia já está à frente com o chamado “softpower” – não mais tentar convencer ou persuadir, mas agora criar pânico e moldar percepções.   Guerrilhas semióticas são a única estratégia possível frente ao cerco das grande mídias: criar uma contra-agenda atuando na recepção e nos códigos. Nessa postagem, um esboço inicial de uma guerrilha no interior dos processos de comunicação. 

A notícia de que o ex-presidente Lula articula a criação de um “gabinete de crise” para enfrentar o impacto das denúncias da Operação Lava Jato é tudo aquilo que a grande mídia esperava ouvir: um “gabinete de crise” apenas vai retroalimentar a agenda criada diariamente pelos colunistas e editoriais, legitimando a pauta pré-estabelecida, como se o PT fosse um bom adversário que aceita as regras do jogo.

Foi também noticiado que o gabinete será formado por um “grupo de notáveis” (sempre os “notáveis”… Marina Silva também pretendia montar um ministério com “notáveis”…).

É inacreditável que depois de quase um século de pesquisas nas ciências da comunicação, (desde a década de 1920 com o ponta pé inicial dado pela Escola de Frankfurt, Escola de Chicago e Teoria Hipodérmica) que resultaram em tantos instrumentos e estratégias disponíveis para ataques, defesas e contra-ataques, a única resposta que um governo que vai para 16 anos no poder seja a de legitimar uma manjada estratégia de criação de sucessivas agendas de crises – mensalão, a inflação dos tomates assassinos, o gigante que acordou, e agora o Lava Jato.

Rui Falcão, presidente do PT: o partido é o
oponente ideal para a grande mídia?

Talvez por que a grande mídia saiba que tem no PT um ótimo oponente que se limita a denunciar a onipresença dos monopólios midiáticos, vitimizar-se pelas “manipulações” das notícias  e aqui e ali dar respostas tímidas através de notas na esperança de que “blogueiros sujos” façam a diferença. 

O PT é um ótimo oponente de qual jogo? O jogo do “pinball político” (discutido em postagem anterior – clique aqui) que certamente o gabinete de crise apenas retroalimentará, ao dar legitimidade e pertinência a hierarquia das pautas que a grande mídia impõe.

Bombas semióticas e agenda midiática

Desde as grandes manifestações do ano passado, esse blog tem feito uma série de postagens sobre o fenômeno das bombas semióticas que a grande mídia vem detonando na opinião pública. A reação da estratégia política e de comunicação do governo em todos os episódios foi reativa: apenas controle de danos, prática que o tal “gabinete de crise” parece querer tornar mais sistemática e “estratégica”.

Nessas sucessivas análises feitas pelo blog Cinegnose, percebemos que as bombas semióticas não são “conteudistas”: não visam a persuasão, doutrinação ou convencimento por meio das palavras ou uso da retórica ideológica. Elas almejam o pânico e a moldagem da percepção com a finalidade de criar o imaginário da espiral do silêncio – a percepção sem nenhuma base lógica, estatística ou informativa de que existe uma voz da maioria, intimidando qualquer pensamento divergente. E o que pensa a “maioria”? Que o País é uma merda, e por isso está à beira do abismo!

Uma percepção imaginária imposta por uma agenda, não obstante o resultado das urnas terem demonstrado o contrário: de que não há “maioria” e, muito menos, país dividido, como já foi demonstrado em muitas análises do mapa dos resultados das últimas eleições.

Essas bombas semióticas somente conseguem atingir seus propósitos com a consolidação de uma agenda imposta pela grande mídia, os grandes temas e escândalos do momento. A agenda é o meio condutor das ondas de choque – sobre esse conceito clique aqui.

Sendo bombas semióticas, são de natureza estritamente simbólica, imaginária ou, se quiser, psicológicas. Moinhos de vento, análogos àqueles contra os quais Dom Quixote enfrentava arrastando consigo o infeliz Sancho Pança que nada entendia.

Como então pular fora desse jogo mental, dessa cilada cognitiva perversa? Contra bombas, somente guerrilhas. Guerrilhas semióticas: a criação de uma contra-agenda, não a partir do polo emissor da cadeia da comunicação (as mídias), mas atuando no ponto de chegada – a recepção dos códigos. Portanto, dentro dos limites naturais de espaço de uma postagem, vamos traçar um esboço inicial dessa estratégia de guerrilha semiótica.

Umberto Eco e a “guerrilha semiológica”

Em 1967 o pesquisador Umberto Eco publicou um pequeno texto que se tornou um clássico na área de Comunicação: “Guerrilha Semiológica”. Pouco compreendido na extensão das possíveis conclusões das suas teses, acabou incrivelmente no esquecimento. Acreditem! Embora seja um texto de 47 anos atrás, continua com insights bem impactantes.  Vejamos o que Eco tem a nos dizer:

“Um partido político que saiba atingir minuciosamente todos os grupos que assistem televisão levando-os a discutir a mensagem que recebem pode mudar o significado que a Fonte atribuíra a essa mensagem. Uma organização educativa que conseguisse fazer um determinado público discutir a mensagem que está recebendo pode inverter o significado dessa mensagem. Ou mostrar que a mensagem pode ser interpretada de diversos modos” (ECO, Umberto “Guerrilha Semiológica” In: Viagens na Irrealidade Cotidiana, RJ: Nova Fronteira, 1984, p. 174).

Umberto Eco nos diz que “os estudiosos e educadores do amanhã” deveriam abandonar os estúdios de televisão e redações de jornais para combater “uma guerrilha porta a porta”.

Umberto Eco: a questão da comunicação é
a recepção e o código

Eco parte do senso comum de que para controlar o poder não basta o exército e a polícia. É necessário o controle e a propriedade dos meios de comunicação. Naturalmente, políticos, comunicadores e cientistas de comunicação de Esquerda passaram a acreditar que a única forma de combate possível é contra a mídia ou a Fonte da comunicação, seja através de uma legislação progressista das mídias ou pela luta de contra-hegemonia no interior das redações e estúdios das grandes mídias.

O autor não ignora que essa estratégia possa dar resultados a quem aspira o sucesso político e econômico ou esteja numa posição dominante, porém será pouco útil para aquele que estiver à margem desse poder. Sua luta em conquistar a Fonte da Comunicação apenas reforçará o poder e legitimidade dessa mesma fonte: a grande mídia.

Da guerrilha semiológica à semiótica

Por isso, Eco propõe a “guerrilha semiológica”, ainda dentro de um quadro bem conteudista ou iluminista: o agentes dessa estratégia  sentariam na primeira fila junto à cadeira do líder de um grupo que veja um filme, leia um jornal ou veja TV e fazer uma “recepção crítica”. Mostrar que é possível “diferentes interpretações”, desconstruindo as mensagens.

Porém, hoje nos defrontamos com um cenário mais complexo, com bombas semióticas e engenharias de opinião pública baseadas em construções de agendas que impõem hierarquias de temas tidos como pertinentes para a sociedade.

Embora acompanhemos o insight de Umberto Eco (uma ação guerrilheira que mire o campo da Recepção e do Código), uma ação de guerrilha simbólica deve ser mais ampla do que uma ação semiológica – concentrada apenas na recepção crítica de conteúdos. Essa ação deve ser semiótica, no sentido mais amplo de criar uma contra-agenda, agindo na base da Recepção.

Por isso, uma guerrilha semiótica deveria ser organizada em ações de curto, médio e longo prazo.

1. Curto prazo: intervindo na Recepção

Uma contra-agenda não se faz respondendo ao inimigo em seu próprio campo e nos seus próprios termos. Nunca a resposta dada com o mesmo destaque na grande mídia (reposta em rede nacional ou na primeira página do veículo) terá o mesmo resultado da bomba semiótica anteriormente detonada. A recepção dispersiva há décadas constatada em receptores de mídias de massas (Lazarsfeld nos anos 1950 falava em nove em cada dez receptores) torna os espectadores predispostos muito mais aos efeitos de pânico dos petardos semióticos do que a reações posteriores por meio de respostas conteudísticas que apelem a argumentação na tentativa de provar a verdade dos fatos.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

8 Comentários

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  1. Guerrilha

    Numa época de superavit primário tão difícil, a primeira providência a ser tomada com relação à midia deveria ser a supressão imediata de toda propaganda governamental e das estatais. Com isto, estaríamos fechando a porta ao esquema de corrupção que funciona há décadas nessa área, deixaríamos de fornecer munição aos inimigos midiáticos e economizaríamos bilhões de reais.  Não aguento mais ver a Petrobras financiando noticiários tendenciosos contra ela mesma. 

  2. Precisamos ir para Cuba

    Precisamos ir para Cuba aprender um pouco sobre este tema. Pelo outdoor postado noutro artigo deste blog sobre o embargo econômico é um bom exemplo de criação de hegemonia cultural e política contra o embargo.

  3. O PT fez o pacto de

    O PT fez o pacto de governança com as classes dominantes, incluindo ai os banqueiros e latifundiários, para a inclusão dos excluídos do mercado que a elite com ou sem vontade teve que engolir. Mas deixou na mão o resto dos excluídos, sejam indígenas, sem terra, sem mídia, e entra ai as vitimas da violência que não a do mercado. A exclusão histórica foi mantida no pacto, e isso não importa para a grande mídia e as elites um PT nunca será PSDB. E nessa de não entrar em bola dividida, apesar da ascensão histórica, quem acaba ficando órfão de representação acabou sendo classe media, no meio do tiroteio semiótico da mídia e mesmo da falta de representação na classe política em parte por conta de um capitalismo ainda precário, serviços públicos também precários, como as agencias reguladoras que não regulam o mercado ou em mais ou menos intensidade na saúde, educação e segurança falhos. Um prato cheio pra midiona explorar medos, sempre com o viés de soluções pro-mercado.

  4. É um equívoco dizer que

    É um equívoco dizer que esquerda não está perdendo a guerra semiótica.  As mentes dos próprios militantes de esquerda estão sendo preenchidas pelas informações divulgadas pela mídia, tanto que eles se limitam a reagir. A fraqueza comunicativa da esquerda faz a força do PIG.

    Napoleão se impôs aos franceses porque transformou em vitórias seus recuos na Itália. No seu jornal ele fazia publicar aquilo que ele queria que os franceses soubessem, não necessariamente aquilo que tinha ocorrido. Longe dos campos de batalha italianos, os franceses não poderiam saber o que estava ocorrendo. No Brasil, a esquerda sequer declarou guerra ao Bonapartismo da mídia brasileira. De derrota em derrota, o PT segue ganhando eleições não porque venceu a guerra de palavras, mas porque governa segundo um consenso neoliberal lhe imposto pela mídia e aceito pela população que é diariamente manipulada.   

  5. Na mosca

    Texto oportuno que deveria chacoalhar o PT burocrata de seu atual presidente que se mostra ultrapassado em muitos sentidos, em especial, no da comunicação. Este lado do PT nunca se preocupou com agendas de informação positiva ficando sempre na retaguarda do ‘responde’ aqui ‘responde’ ali sem o impacto do noticiário negativo da mídia. Será que o PT não tem gente especializada na área que supere esta deficiência básica da informação de massa sem mídia na mão? Ficaram nos anos 80 da comunicação e parece que não perceberam as mudanças brutais que foram ocorrendo no campo da mídia e não se prepararam para isso. Está mais do que na hora de mudar o rumo. É ilusão achar que uma lei sobre o controle dos meios de comunicação vai resolver. Não vai. O ‘gap’ atual é imenso. Este artigo aponta isso.

  6. Poucas familias definem a pauta . Até quando?

    Até quando, poucas familias CONCESSIONARIAS PUBLICAS DE MIDIA irão pautar o país,  e sua dinâmica politica e econômica?

    Até quando as manchetes de meia duzia de familias, REPERCUTIRAO NAS CONCESSOES DE MIDIA ELETRONICA,  manipulando governos, ditando pautas, estabelecendo a seu bel prazer tendencias?

    Até quando se permitirá que essas poucas familias, aliadas a outras no estrangeiro, manipulem nossos mercados, deturpem nossos valores?

    Até quando ministérios e estatais bancarao  essas poucas famílias concessionárias manipuladoras com gordas verbas publicitárias?

    Até quando este governo federal governará sem uma atenção especial a sua área de comunicação?

    Haja paciencia. 

  7. boas sugestões.
    mas creio que

    boas sugestões.

    mas creio que tudo isso daria resultado só a longo prazo

    – formação de gerações. através do ensino público.

    talvez a linguagem sugerida para intervenções públicas fosse um caminho.

    mas o essencial é politizar a questão.

  8. A deficiência de comunicação

    A deficiência de comunicação do governo que mais me deixa sem saber porque é o imobilismo nas redes sociais. Todo mundo sabe a importância desse tipo de comunicação. A própria Dilma teve uma ótima mostra quando reconheceu o protagonismo do “Dilma Bolada” na grande rede.

    Porque esse sítio, feito por um blogueiro sujo e independente, foi muito mais eficaz que todas os criados oficialmente pelo governo? Simples, compreensão da dinâmica da rede, e de como atuar “semioticamente”, a começar pelo nome.

    Depois teve o “Muda Mais”, bacana também. Mas acabou e voltou a caretisse burocrático ou silêncio puro e simples. Essa ferramenta barata e que exige apenas criatividade está aí, e o governo só não usa se não quiser.

    Inclusive é algo que poderia ajudar nas conversas de boteco, que é onde faço a minha parte na “guerrilha semiótica”, caro Wilson. Criando um ambiente já predisposto ao contraponto ao pig, ou mesmo, acessando ali na hora pelo celular uma intervenção inteligente e bem humorada do tipo que o “Dilma Bolada” fazia

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