Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Um guia prático de engenharia de opinião pública em “Obrigado Por Fumar”

De maneira cínica e irônica, o filme “Obrigado Por Fumar” (Thank You For Smoking”, 2005) nos apresenta como se faz uma engenharia de opinião pública: a forma mais insidiosa e profunda de manipulação baseada numa suposta liberdade de opinião e escolhas na qual se funda a democracia ocidental baseada na mediação da opinião pública através dos meios de comunicação. Tal engenharia chamada de “agenda setting”, e didaticamente mostrada pelo filme, se basearia no seguinte princípio: se todos os argumentos são válidos e se anulam (“a beleza da argumentação é que você nunca está errado”), segue-se que o mais importante é dar às pessoas a impressão de liberdade de opinião quando, na verdade, uma pauta ou agenda já foi secretamente imposta para a sociedade.

“Com bons argumentos você nunca está errado”. Essa afirmação que o protagonista Nick Naylor dá ao seu filho Joey é o mote de todo o filme “Obrigado por Fumar”. Essa afirmação ao mesmo tempo cínica e irônica esconde uma longa tradição filosófica do ceticismo que se iniciou com Pirro na antiguidade grega: se toda afirmação pode ser contraditada por argumentos igualmente válidos, a verdade não existe. Todas as versões e interpretações sobre qualquer coisa se equivalem, dependendo então os argumentos tão somente da credibilidade, acumulação, consonância e onipresença em um ambiente público de debates.

Essa é a base da moderna engenharia de opinião pública e do filme “Obrigado por Fumar”, uma verdadeira exposição didática daquilo que os teóricos da comunicação chamam de “Agenda Setting” ou “Teoria do Agendamento”. A começar pelo cinismo do título: uma aparência liberal do agradecimento do prestador de serviços, mas que esconde as táticas de manipulação de opinião.

O filme acompanha a trajetória de Nick Naylor (Aaron Eckhart), lobista da indústria de tabaco e de uma academia de estudos a favor do tabaco com uma difícil missão: fazer o cigarro retornar aos seus bons tempos onde era símbolo da masculinidade, erotismo, status e prazer. Numa incansável batalha, frequenta programas de debates na TV onde com muita lábia e retórica desmonta os argumentos de ativistas e ONGs, liderados pelo seu arqui-inimigo: o senador ambientalista do Estado de Vermont, Ortolan Finistirre (William Macey). Finistirre empreende uma feroz campanha pela aprovação de uma lei federal que obrigue os maços de cigarros a trazer uma advertência com um desenho de uma caveira.

Paralelo a isso, Naylor é divorciado e se esforça para que seu filho Joey tenha orgulho dele, embora a sua profissão, legalizada nos EUA, seja muito mal vista pela opinião pública.

Naylor é bom no que faz: contesta os antitabagistas e o senador com o argumento do universo direito humano de escolha – fuma quem quer e todo mundo sabe que o cigarro mata e, por isso, seria desnecessário e abusivo a imagem da caveira em cada maço de cigarros.

Uma forma mais profunda de manipulação

Baseado no livro homônimo de Christopher Buckley, a adaptação de Jason Reitman é precisa ao narrar a luta de oponentes cuja moralidade é tão flexível como seus argumentos: não há heróis mas apenas a força da persuasão. De um lado os antitabagistas usam o sensacionalismo de garotos com câncer expostos em programas de TV e, do outro, Nick Naylor paga milhões ao velho cowboy da Marlboro, hoje com câncer, para calá-lo. Além de procurar um produtor de Hollywood para convencê-lo a colocar Brad Pitt e Catherine Zeta-Jones fumando após uma cena de sexo em uma ficção-científica no espaço sideral – quem sabe, o cigarro retorne ao charme dos filmes de antigamente…

O mais interessante e perturbador do filme é como a narrativa descreve que a estratégia de relações públicas de Nick Naylor e da indústria de tabacos não é a de impor alguma mensagem e conteúdo a favor do cigarro. Tanto pesquisas a favor como contra são paradoxalmente apoiadas pela Academia de Estudos do Tabaco. Por exemplo, o filme inicia com Naylor solicitando verba para o projeto de uma campanha com cartazes no metrô desestimulando os jovens a não fumarem. Ele fala cinicamente: “qual empresa quer matar mais cedo seus clientes?”

Ao contrário do que afirmou a crítica, o filme “Obrigado Por Fumar” não trata das artimanhas subliminares de manipulação da indústria do cigarro. Isso é um mero pretexto para discutir a própria engenharia de opinião pública como um todo – mostrar uma forma mais insidiosa e profunda de manipulação: a da suposta liberdade de opinião e escolhas no qual se funda a democracia ocidental baseada na mediação da opinião pública através dos meios de comunicação.

                Como afirma Nick Naylor a certa altura, “a beleza da argumentação é que você nunca está errado”. O filme é cínico ao mostrar que os dois lados, antitabagistas e indústria de tabaco, estão certos ao seu modo, de acordo com as regras do jogo. Cabe ao público (e ao espectador) a “liberdade” de escolha. Esse é o significado mais sinistro do filme: a manipulação da opinião pública não está no conteúdo (nos argumentos), mas na forma (na definição de uma pauta de discussões para a opinião pública pensar e decidir).

Pouco importa para indústria de tabaco provar se o cigarro faz bem ou mal para a saúde. Argumentos e interpretações se anulam, todos estarão sempre certos. O que interessa é que a questão do cigarro esteja sempre em pauta na mídia, que haja uma consonância, acumulação e onipresença do tema. Esse é o verdadeiro papel do lobista Nick Naylor: manter o cigarro agendado na pauta da sociedade. E isso se chama agenda setting, talvez a forma mais insidiosa e invisível tática de engenharia de opinião pública.

Agenda Setting

Em 1972 Donald Shaw e Maxwell McCombs constataram que o principal efeito da mídia é a de criar uma pauta, dizendo para as pessoas não “como pensar”, mas “sobre o que pensar”, isto é, a mídia seria péssima em tentar impor conteúdos, posições ou valores, mas ela seria exitosa em criar “climas de opinião” ou criar uma hierarquia de temas pertinentes a serem discutidos pela sociedade.

Impor uma pauta “A” ao invés de “B” na mídia sempre atende a um determinado interesse de um setor econômico ou político. A criação de uma pauta é a condição para ser criado um “clima de opinião” e em consequência uma “espiral do silêncio”.

Como emplacar uma agenda ou pauta nos meios de comunicação? Martin Howard, pesquisador e especialista em táticas subliminares, faz o seguinte fluxograma de uma estratégia de criação de uma agenda – veja imagem abaixo.

Para explicar o funcionamento desse mecanismo, vamos pegar o exemplo de dos setores que mais investem nesse tipo de engenharia: o farmacêutico. Um grande laboratório decide lançar uma nova droga antidepressiva no mercado. Em busca de um posicionamento para o seu novo produto (corporate message), necessita enfatizar a urgência de uma suposta nova síndrome depressiva: medo de falar em público. Um plano integrado de comunicação é mobilizado (focus group), e o tema “medo de falar em público” é sugerido para os líderes de opinião como tema de relevância pública. São indicados como fontes de informação para os programas noticiosos (News Media) ou de entrevistas líderes de front groups (ONGs e associações de ajuda mútua) e paid experts (profissionais da área médica já sensibilizados pela urgência e pertinência do tema).

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

10 Comentários

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  1. Sobre beagles e vacinas

    Sobre a mídia: “……exitosa em criar climas de opinião ou criar uma hierarquia de temas pertinentes a serem discutidos pela sociedade…”

    Estas discussão que está correndo solta na rede e no espaço real sobre uso de animais em experimentação foi colocada como uma prioridade pela mídia sem que se saiba muito quais os reais interesses subjacentes. A discussão real, sem paixões ou agressões midiáticas – como o que ocorreu em São Roque – se faz necessária, mas não com o clima de linchamento que agradou setores da direita (afinal eram Beagles) e também da esquerda (a indústria farmacêutica está por trás de tudo…).   Não defendo a indústria farmacêutica, acho que ela é  perniciosa por outras razões muito piores. Para “punir” a indústria farmacêutica, se pune a ciência. 

    O discurso fácil do: “existem alternativas” me lembra o finado ministro Paulo Renato bradando que “não precisávamos desenvolver tecnologia, apenas importar pacotes tecnológicos”. O grau de superficialidade dos argumentos é o mesmo. 

    Enquanto isto, com eletrodos em cérebros de macacos,  neurocientistas como o Nicolelis estão caminhando a passos largos no tratamento do Mal de Parkinson, Alzheimer e até numa vida melhor para paraplégicos. 

  2. Toda a argumentação

    Toda a argumentação esquerdista do texto cai por terra quando a própria esquerda caviar apoia a liberação das drogas e combate a industria tabagista.

    Isso que é interessante na esquerda caviar o seu duplipensar, em um mesmo dia apoiar pensamentos opostos, conceitos  antagônicos.

    Duplipensar

    Duplopensar ou duplipensar é o ato de aceitar simultaneamente duas crenças contraditórias como corretas, muitas vezes de distintos contexto sociais.1 É relacionado, mas diferente dahipocrisia e da neutralidade. Algo relacionado é a dissonância cognitiva, onde as duas crenças causam conflito.

     

    De acordo com a obra de Orwell:

    Cquote1.svgSaber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade e apropriar-se dela, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer o quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza máxima: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar.3Cquote2.svg

    E também, numa descrição mais resumida:

    Cquote1.svgO poder de manter duas crenças contraditórias na mente ao mesmo tempo, de contar mentiras deliberadas e ao mesmo tempo acreditar genuinamente nelas, e esquecer qualquer fato que tenha se tornado inconveniente

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Duplipensar

     

  3. MíRdia e Lobby dos Intere$$e$ que (lhe$) Intere$$am

    O título me lembra daquelas plaquinhas que se encontram em pubs e similares:

    “Por favor não respire, estamos fumando”

    Com relação ao texto: um dos mais relevantes desserviços (ou será irrelevantes serviços?) da míRdia é exatamente o de estabelecer a agenda (pauta) e não só a manipulação das notícias ou focos editoriais.

    Mesmo que queiramos, acabamos discutindo, por necessidade de análise, defesa, contestação ou mera distração (tanto de estar desatento quanto de se divertir), as bobagens (ex: rei do camarote, exceto pela discussão jornalística) que são colocadas na roda ou perdendo aquelas que eles camuflam (ex: privataria, em que, quando muito, ficamos em discussões mais restritas.

    Por isso, embora tenhamos já uma pluralidade de opinião e posição na Internet, ainda falta estabelecer um equilíbrio (bem) maior na capacidade de disseminação e alcance geral (TVs, rádios, jornais, revistas, portais, agências, etc.).

    Notar que embora estas mídias sejam bastante capital-intensivas, já há uma certa capacidade de enfrentamento (ou pluralização), reduzindo diferenças graças à tecnologia.

    O problema é que o diabo sempre dá um jeitinho de usá-las também.

    Como nas NSA´s e tentativas de quebra de neutralidade da vida.

    Esta briga só acaba quando desativarem o Sol.

    Se não conseguirmos levá-la para outros rincões do Universo.

  4. Wilson, mais uma vez excelente

    A nossa sociedade consumista é reconhecidamente bovina, adora seguir a manada. Se um dia dia disseram que fumar era “classudo” e muirtos fumaram, agora  nos dizem que não devemos fumar, e bovinamente seguimos a “orientação”.

    Somos manipulados todo o tempo e nossa opinião está condicionada aos grandes meios de divulgação. Nos disseram que o fumo mata e reagimos; não nos disseram que as indústrias e os automóveis matam, então não reagimos.

  5. Gosto muito desse tipo de

    Gosto muito desse tipo de argumento! Não há liberdade de escolha quando há manipulação. Logo, justifica-se a restrição a essa liberdade inexistente e inclusive a restrição à liberdade de opinião (o debate terminou, é a frase preferida dos proibicionistas!). Observo, no entanto, que o manipulado, o alienado, a vítima da grande indústria, do tal de PIG, etc. etc. é sempre o outro… Nós não! Nós somos os esclarecidos, os que de fato conhecemos a verdade. Nós somos imunes à manipulação da qual os que de nós discordam são vítimas, e devemos salvá-los dessa manipulações, pelo seu próprio bem.

  6. Na miha opinião, o problema é

    Na miha opinião, o problema é muito mais complexo: se, a partir de hoje, absolutamente ninguém mais fumasse, o mundo automaticamente seria melhor? claro que não! A cada dia, pelo menos no Brasil, cada vez menos gente fuma, nem por isso o Brasil está se dirigindo ao paraíso.

    Acho que as manipulações estão em diversos outros itens, principalmente no que comemos. Por exemplo, vocês já perceberam o quanto comemos de açucar, mesmo que faça bem (o que não é verdade), é necessárioo, por exemplo, no achocolatado, ter até 90% de açucar.

    O sedentarismo, a falta de solidariedade, o consumismo, a religião, a intolerância, etc fazem muito mais mal para a humanidade do que efetivamente as pessoas fumarem tabaco ou não.

    Eu particularmente nunca usei nenhuma droga e vivo muito bem sem elas, ainda que não me ache melhor do que ninguém, só acho careta, uma dependência abobada, sem necessidade, desde o tabaco até crack, passando por álcool, cocaína, consumismo, egoísmo, religião, televisão,  intolerância. Pior, sempre fui ateu, atleta e comunista.

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