Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Virada gramatical tenta curar tiro no pé da grande mídia, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Depois de décadas de jornalismo adversativo onde dominavam conjunções como “mas”, “porém”, “contudo” etc. para minimizar impactos negativos e, com os governos petistas como oponentes, inverter o sinal e as adversativas minimizarem impactos positivos, a grande mídia dá uma virada gramatical: adjuntos adverbiais de concessão como “apesar da crise, indústria cresce…” ou “mesmo com a crise, setor de informática vende mais…” passam a se repetir ao ponto de tornarem-se bordões ridicularizados em redes sociais. Por que essa virada gramatical? Depois de 12 anos em uma cavalgada suicida querendo provar que o País está no abismo econômico detonando bombas semióticas da crise autorrealizável, a grande mídia chegou ao limite: a presunção da catástrofe volta-se contra ela própria, com queda de audiência e anunciantes. Depois do tiro no pé a grande mídia parece tentar sinalizar ao mercado: “apesar da crise, anuncie aqui!”.

Lá pelo final do século passado, em plena crise do Plano Real com as maxidesvalorizações logo depois da reeleição presidencial de Fernando Henrique Cardoso, um helicóptero da TV Globo sobrevoava os pátios lotados de veículos das montadoras da região do ABC paulista. A voz ao vivo do repórter aéreo falava em pátios lotados, crise e férias coletivas. Corta para o estúdio. E o apresentador Chico Pinheiro contemporizou: “Mas quem ganhará é o consumidor com os descontos que as concessionárias oferecerão…”.

Essa era ainda a época do jornalismo adversativo. Embora o jornalismo sempre tenha vivido da presunção da catástrofe (o acidente, o bizarro e o endêmico prendem a atenção do espectador), a utilização das conjunções coordenadas adversativas (mas, porém, contudo, todavia etc.) sempre tiveram duas funções primordiais.

Primeiro, a função existencial – relativizar ou minimizar o impacto negativo é a sua função comercial de entretenimento. Afinal, não importa se as notícias são boas ou ruins. No todo, seja o jornalismo televisivo ou impresso, deve ser uma experiência visual, gráfica e informativa agradável.

Anunciantes não querem associar subliminarmente suas marcas e serviços a experiências desagradáveis. Por exemplo, no dia dos atentados de 11 de setembro de 2001 as redes de TV dos EUA tiveram um prejuízo de US$ 200 milhões com a suspensão de inserções publicitárias. Um ano depois, ao fazer reportagens especiais em horário nobre sobre o evento, a FOX News teve mais prejuízos: anunciantes ficaram relutantes em associar suas marcas à lembrança de um evento tão negativo.

Segundo, a função política – desde a ditadura militar, a grande imprensa tentava conciliar a sua função informativa com a adesão às políticas dos governos militares e, mais tarde, o apoio e confiança irrestrita ao Plano Real. Inflação aumentou? Mas em termos relativos diminuiu comparando-se com o mesmo período do ano anterior… O desemprego cresceu? Porém, é a oportunidade de criar seu próprio negócio… 

Marteladas adversativas

Conjunções coordenadas (aditivas, adversativas, conclusivas, explicativas etc.) sempre foram retoricamente interessantes para o jornalismo: conciliavam interesses muitas vezes contraditórios (publicitários e políticos), além de criarem uma percepção aos leitores/espectadores de um jornalismo articulado, explicativo ou investigativo. Parece haver isenção ao mostrar um pretenso “outro lado”. Ao contrários das conjunções subordinadas (causa, comparativa etc.), suspeitas de intenções ideológicas ao tentarem criar subordinações entre afirmações – porque, do que, mais, contanto etc.

A partir de 2003 e início da era dos governos petistas Lula e Dilma, a grande mídia manteve esse traquejo adversativo, mas agora com o sinal trocado: deve-se agora relativizar e minimizar o impacto positivo – O PIB cresceu? Mas o desemprego aumentou. A economia está aquecida? Entretanto, o “gargalo estrutural” não vai permitir escoar a produção…

Foram 12 anos de marteladas adversativas, até chegar a um ponto onde as duas funções dessa conjunção gramatical (existencial e política) começaram a entrar em choque: de um lado, a experiência do jornalismo como infotenimento começou a perder o seu lado do “entretenimento” – a experiência para o leitor/espectador tornou-se cada vez mais desagradável, alarmista, baixo astral com alusões recorrentes de abismos, crises, precipícios, buracos e quedas.

E do outro, a condição que a grande mídia passou a se auto-investir de ser a única opção viável de oposição ao Governo Federal, pautando as ações da oposição política e parlamentar. 

A crise autorrealizável

Após a transformação diuturna de cada trepidação da Bolsa, de cada variação sazonal de preços de hortaliças e legumes (os vilões tomate e cebola, por exemplo) ou de cada flutuação do câmbio em sintomas de uma presumível catástrofe, finalmente explodiu a bomba semiótica da crise econômica autorrealizável. 

A crise econômica autorrealizável lembra bastante a chamada inflação psicológica da hiperinflação brasileira dos anos 80-90 – por ter medo da inflação e na tentativa de se prevenir contra uma catástrofe futura, consumidores, indústria e comércio adotavam ações que colaboravam para a expansão da própria inflação.

Com a inversão dos sinais, o diapasão do discurso adversativo finalmente criou a percepção (paradoxalmente em todo espectro político) de que a crise econômica chegou, a corrupção é endêmica e o País caiu no abismo. Mas como coloca de forma simples e irônica a charge de Duke (publicada no jornal O Tempo de Minas Gerais – veja abaixo) sobre essa dinâmica psicológica da crise, a vitória da grande mídia pode ser um tiro no próprio pé – ou a chamada “vitória de Pirro”. 

“Apesar da crise…”

A começar, a contradição entre a função existencial e política: assistir a um telejornal tornou-se desagradável e chato, produzindo medo e ansiedade. Por isso, somada a ameaça das mídias de convergência (por exemplo, a Reuters lançou um canal de vídeos cujo slogan é: “o canal de notícias para quem não vê mais TV”), despencam as audiências dos telejornais, repercutindo nas telenovelas e todo o horário nobre. Os patrocinadores ameaçam debandar ou querem negociar preços mais baixos de inserção: afinal, todos sabem, estamos em crise…

Em desespero, a mídia vem nos últimos meses abandonando as conjunções adversativas como bem percebeu Pablo Villaça, que em seu Facebook ironizou o abuso da expressão “apesar da crise” pela imprensa – clique aqui. Villaça fala que se a grande mídia não utilizasse essa expressão, ela não teria mais o que publicar, já que os fatos econômicos insistem em contradizer as previsões dos colunistas.

“Apesar da crise, porto de Santos bate recorde de movimento no primeiro semestre de 2015”, informou a TV Tribuna de Santos nessa semana ou “Apesar da crise, a indústria está otimista com as venda na Páscoa”, informou o portal de O Globo. São amostras recentes desse repentino apego ao adjunto adverbial de concessão, abandonando as conjunções adversativas.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

7 Comentários

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  1. Wilson:
    Espero que o tiro no

    Wilson:

    Espero que o tiro no pé infeccione, vire gangrena, atinja perna, pé e abdomem levando à morte. Quando ainda residente no longínquo 1969, acompanhei um pobre mulher diabética com uma evolução assim. Foi a pior experiência da minha vida profissional. A leitura do seu artigo trouxe tristes cenas à minha memória. Acho que é o pior desfecho que uma pessoa pode ter – seu corpo apodrecer antes de morrer. É o que, sinceramente desejo à grande imprensa golpista do nosso país. Saudações e parabéns pelo texto.

  2. Bravo!

    Esse texto nos dá uma boa idéia de como funciona a manipulação das palavras na mídia corporativa, visando corromper corações e  mentes.

    Esses movimentos fascistas de direita que observamos hoje não surgiram a toa. A mídia corporativa, cujas “notícias” costumam ser reverberadas nas redes sociais como verdades cabais e usadas como pressupostos e fundamentos de investigações por parte da PF e do MP, é a grande responsável por esse estado de coisas.

  3. espetacular………………….parabéns Wilson Ferreira

    a melhor arma de todas as “guerras” nunca deixou de ser a informação

    seguindo por aí, gostaria de recomendar atenção aos recentes projetos militares dos estados unidos

    domínio total do cérebro de qualquer pessoa por controle à distância, por antecipação de informações com o uso de imagens que serão marteladas pelos grandes veículos de comunicação, dia e noite, no país alvo

    já coloquei em comentário anterior:

    nosso cérebro sempre é atraído, e decide, pelo e com o que já esteja familiarazado

    mau desastroso no futuro de todos: forçá-lo a decidir tanto para bem o bem como para o mal

    e, pasmem, a partir de uma ferramenta que muitos ainda acreditam ser a salvação, Internet

    reparem o perigo: você pode ser anjo ou demônio, à escolha dos outros, ou na vida real ou nas redes sociais, no facebook, por exemplo

    1. grandes cérebros, aspirantes…

      de nossas principais instituições adoraram

      até disputam entre eles, com outros grandes cérebros de controle

      jogam, conquistam grupos, brincam

      isto por enquanto……………………………………………….alegam que é para controle da população nos jogos olímpicos

      perigo maior: guiam-se por livretos de dicas, não por inteligência, não por conhecimento, só dicas

      e dicas podem ser de qualquer um, até do inimigo principal, de um terrorista, por exemplo

  4. Apesar de vocês (grande mídia)

    Amanhã há de ser um outro dia. E desejo que seja um ótimo dia para quem acredita na luta democrática e na igualdade social.

  5. Um bom exemplo de uso da Semântica Argumentativa de Ducrot

    Mas, porém etc e apesar de, embora, etc sao conjunçoes de mesmo valor semântico, mas diferentes direçoes argumentativas; ambos os tipos de conjunçoes, adversativas e concessivas, sao usadas em períodos que estabelecem contraposiçao entre 2 afirmaçoes, uma que diz algo e outra que diz algo que leva a uma conclusao contrária à que se esperaria do dito na outra; mas as adversativas introduzem o argumento que vence, ao passo que as concessivas introduzem o que perde. Isso ainda é fortalecido pela ordem, livre, para as concessivas (podem vir antes, preferencialmente, mas tb depois da principal) e sempre em último lugar para as adversativas, dando um caráter “terminativo” à “discussao” subjacente entre as duas afirmaçoes. 

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