AFORISMOS SOBRE O “Ê” BREGUISMO

Na minha escola havia um cartaz acima do quadro negro com esses dizeres: “A beleza atrai, a inteligência fascina, mas só a bondade retém”. Não sei a origem. Da hagiografia de algum santo?

 

Não se subestime a força que a atração estética pode exercer sobre a conduta das pessoas (essa é forte… muita gente já deve ter pensado e escrito isso antes –o que é que ainda não foi pensado e escrito nesse mundo? – Eruditos, por favor, citem).

 

Todos nós queríamos falar “bonito” como os padres espanhóis de nossa cidade.

 

Com a chegada dos alemães, italianos e outros europeus na região Sul e em São Paulo, há cento e poucos anos atrás, os locais passaram a admirar e imitar a forma como aqueles louros de olhos azuis ou verdes diziam “Ê”.

 

Nós falamos rÉalidade, eles, os lindos blauäugigen falam rÊalidade, vamos também falar assim.

 

Só não imaginávamos que cento e poucos anos depois até professoras estariam cometendo bullying contra os alunos, retirando pontos de suas notas, se eles pronunciassem a forma tradicional É no lugar da inovação “chique européia” Ê.

 

A busca da “forma ideal” é geralmente totalitária, dizem os filósofos. Lembremos daqueles dois batorés (baixotes) denominados Mussolini e Hitler. Esses dois batorés estavam longe da forma ideal, mas o que eles fizeram para chegar perto dela…

 

Um comentarista, gaúcho de sobrenome português, ficou possesso quando contei a historinha do “gauchinho simpatia”. Fiz um curso de vários meses com o gauchinho simpatia mais outros gaúchos e baianos em São Paulo. Gauchinho, já meio bêbado, falou horrores da raça portuguesa (e ele tinha ambos os sobrenomes portugueses). Ficamos pasmos. O comentarista pergunta o que isso tem a ver com o assunto do Ê-breguismo?  Tudo. Comprova a admiração que os brasileiros, inclusive os do sul, têm pelos estrangeiros. Tanto fascínio que mudaram (nas regiões de migração européia do século dezenove) até a maneira de falar.  

 

Portugal, cercado de Espanhas Ê-falantes por todos os lados, nunca abdicou de sua maneira de falar. A Espanha ameaçou conflagrar-se quando a União Europeia pretendeu retirar de circulação o seu “ñ”, para uniformizar procedimentos. Isso se chama dignidade ou amor-próprio. Não mudar sua forma de existir, falar, etc. apenas porque os mais ricos, mais bonitos, mais louros fazem diferente.  

 

Uma nação que se envergonha de sua cultura, de seu modo de pronunciar palavras, que rejeita suas singularidades, como poderá um dia vir a ter seu brilho próprio diante das outras nações?

 

Anarquista Lúcida retrucou assim ao Almeida, homem do Paraná, que gostaria de unificar os sotaques (naturalmente tornando tudo Ê): “Mas isso é a opressão!”  A brava Anarquista às vezes demora, mas sempre consegue, no final, entender sobre o quê se está falando.

 

Ó, como o Almeida gostaria de se chamar Wertmüller, ou pelo menos Caravaggio! Antonelli não, pois se não se consegue suprimir de vez a origem latina, pelo menos um sobrenome latino famoso, de uma Europa que não seja portuguesa .

 

Waltercharlysson, Kalyssonwaytmann são nomes de alguns brasileiros. Os inocentes pais quiseram deixar os filhos mais chiques. Muitos criticam, acham que é brega, coisa da ralé. Ora, mudar a pronúncia das palavras da nossa língua, extinguindo o “É” e colocando em seu lugar sempre os “chiquesésimos” “Ês” segue o mesmo princípio. Tudo é uma procura desesperada pela “chiqueza”. E a procura desesperada pela “chiqueza”, já sabemos, é a própria definição de breguice.

 

Um comentarista –Frederico-  que se identifica como “sulista de sobrenome alemão”, quer saber se pode ser perdoado por isso. Mas claro, como não, che? Nesse país só não se perdoa os negros, trazidos nas correntes e mantidos até hoje nos grilhões da miséria, violência e preconceito. Você nasceu no país certo. Não estamos até mudando nosso modo de falar para ficar mais de acordo com o de seus antepassados? Você não tem nada que pedir perdão. Estamos em nossa pátria. Vamos trabalhar para democratizá-la sempre mais? Inclusive não apoiando imperialismos lingüísticos?

 

Luis Henrique Donadio, comentarista muito sabido, afirma que a palavra portuguesa “rês” (gado) vem do latim. Consequentemente, nada a ver a “res” de República, ser aberto originalmente. Acontece que, consultando-se um dicionário etimológico, fica-se sabendo que a nossa “rês”, gado, não vem do latim, mas do árabe “raç”. Gado em latim é “pecus”. Sinto muito, Luis Henrique, o res de República é coisa em latim e é pronunciado aberto “rés” por todos os filólogos do mundo. Não sei se os filólogos do sul do Brasil e do estado de São Paulo não já estão tentando mudar isso, para ficar mais chique.

 

O comentarista que assina Zanchetta (que emoção, da Península Itálica!) comentou –em tom de certo espanto e reprovação- que lá em Pernambuco, e ele não sabe se apenas em Recife, ou em todo Pernambuco, os pernambucanos dizem PÉR-nambuco e não PÊR-nambuco. Como falam errado esses pÊrnambucanos! Nunca saberão o que é a chiqueza. 

 

Outro faz a pergunta: Desde quando Roraima é RorÁima? Que tal perguntar aos roraimenses? Eles responderão: desde sempre. Quando os primeiros ingleses aportaram em Lisboa, devem ter ouvido os portugueses pronunciando Lisboa, chiando o “S” e engolindo letras, então concluíram que a cidade deveria se chamar algo assim como “Lisbon”. Os alemães concluíram que deveria ser “Lissabon”.  Mas eles falavam uma língua estrangeira. Não é o caso de alguns brasileiros quando mudam a pronúncia de Roraima, enunciando um Rorãima como se fosse um fanho falando. Pelo fato de ser um nome próprio, de um estado de nosso país, insistir nisso soa desrespeitoso com os roraimenses. Parecemos estrangeiros lançando um olhar do alto sobre os silvícolas e dizendo: eles são os habitantes da longínqua Ro-rã-im-ma .

Pesquei na internet o que dizem alguns roraimenses sobre o nome de seu estado. Esses reproduzidos abaixo são comentários de um post de 2013 da revista Veja. Muito engraçado e convincente a forma como reiteram a sua pronúncia:

“Sou Roraimense e a forma que pronunciamos o nome do nosso estado é RORAIMA, assim como PACARAIMA e MACUNAIMA todas palavras de origem indígena. Não sei quem foi a ignóbil criatura que por descuido da natureza veio visitar nossa região e saiu daqui, só DEUS sabe quando, falando o nome do nosso estado pelo nariz, deve ter sido algum fonfom rsrsrs”

“Aqui em Roraima é jocoso ouvir a pronúncia nasalizada. Na verdade, a insistência nela é vista até como indelicadeza, uma vez que nós roraimenses tendemos a “corrigir” reiteradas vezes os esquisitos “RorÃima”s, rs.

“Sou ‘roráimense’ e digo como todo bom roraimense diz, que é ‘Roráima’.
E a globo RARAMENTE diz ‘Roráima’, quando é a programação nacional, MAIORIA das vezes é ‘Rorãima’. Vai entender…
Por aqui, ver e ouvir na tv, rádio o ‘Rorãima’ é quase pedir pra ‘morrer’.”

            Vão explicar isso para o Prof. Pasquale Cipro Neto, roraimenses.

Transcrevo, pela candura, esse comentário:

“Na época, na qual foi dado o nome ao território, só havia lá indigenas, e o nome foi dado pelo Sul (Rio de Janeiro), portanto Rorãima. Depois com a invasão do do território, na sua maioria, por nordestino, é natural que seus descendentes pronunciem com o sotaque de seus ancestrais.”

Os roraimenses dizem que o nome original é Rorá Ima, proveniente de uma das línguas indígenas da região e significa Serra Verde. Mas, para não fugir à regra, tudo é culpa dos nordestinos. Falar os “És” predominantemente abertos, como os romanos falavam e os portugueses falam e o Brasil sempre falou, até a chegada dos migrantes louros, tudo é culpa dos nordestinos.

Redação

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