Quando a esquerda dança -o caso Agnelo em Brasília – Palpites

 


Quando a esquerda dança – O caso Agnelo em Brasília – Palpites


 


Agnelo perdeu a eleição em Brasília porque não soube conduzir a crise de mobilidade.[1]


            Uma de minhas atividades é como médico do trabalho. Tenho observado, num crescente nos últimos anos, aumentar o desespero dos trabalhadores –ou servidores públicos, como se queira chamar- com a dificuldade e a demora em chegar ao trabalho e no retorno para casa.  


            Trabalhar já é duro por si. Enfrentar oito horas diárias de trabalho assalariado é pesado. Acrescentar duas ou três horas para o transporte na ida e o mesmo na volta é insuportável para um ser humano. Voltamos à Inglaterra da Revolução Industrial. As pessoas saindo para trabalhar no escuro da madrugada e voltando para casa no escuro da noite. Avassalador.


            Precisamos de um intervalo de relaxamento ou gozo entre uma jornada estafante e a seguinte: uma parada no bar para tomar com os amigos, paquerar, ficar com os filhos ou as pessoas queridas, etc. Sem isso a rotina da semana, do mês, da vida, se torna insuportável. A crise de mobilidade está retirando esse intervalo de gozo.


            Pesquisadores das doenças do trabalho têm falado, nas últimas décadas, na “Síndrome de Burn Out”. Esse verbo inglês significa queimar até o fim. Consumir tudo. Em medicina do trabalho caracteriza aquela situação em que o trabalhador enfrenta tantas circunstâncias de estresse no trabalho que fica literalmente arrasado. Dizem que seria mais comum nos trabalhadores da educação e da saúde.


            Tudo indica que a crise de mobilidade está levando a “Síndrome de Burn Out” a todos os trabalhadores. Portanto, essa crise atinge em cheio os trabalhadores, e sendo assim, esquerda que é realmente esquerda deve enfrentá-la com prioridade.


            Mas não com chavões. Agnelo enfrentou a crise de mobilidade em Brasília com chavões. Utilizou uma teoria verdadeira –a de que o transporte público deve ser prioritário- fora do contexto, e isso foi a sua derrota. Vou explicar.


            Em Brasília e Entorno vivem mais de quatro milhões de pessoas, que se locomovem basicamente por duas BRs. A BR 020 chega do norte do país, atravessa a cidade com o nome de Via EPIA e sai pelo sul já com o nome de BR 040, que é a saída para Belo Horizonte, Rio e São Paulo. Desse eixo sai um ramo para oeste, em direção a Goiânia e ao oeste do país, que é a BR 060.


Dentro da cidade esses dois eixos têm três faixas de cada lado. Por aí trafega toda Brasília e Entorno de automóvel ou de ônibus, mais os caminhões da cidade, mais os caminhões, ônibus e automóveis de passagem pela região através das BRs interestaduais. Congestionamentos quilométricos nas horas de pico.


Todo mundo sabe que esses dois eixos, há anos, exigem pelo menos seis faixas de cada lado para amenizar um pouco o sufoco. Há espaço disponível nas margens para o alargamento, sem necessidade de desapropriações.


O que fez Agnelo? Fez uma pesquisa. Essa pesquisa apurou que 46% dos que percorriam diariamente a BR 060 andavam de ônibus. Então ele, talvez influenciado por assessores “sonháticos”, decidiu tornar uma das três faixas exclusiva para ônibus, trazendo subitamente o caos total para o trânsito que já era caótico e levando sofrimento para milhares de trabalhadores que se dirigem diariamente ao seu trabalho de automóvel ou de caminhão.


Vamos fazer um paralelo com São Paulo. Morei nessa cidade por dez anos na década de 90. Pegava o ônibus Socorro na Cardeal Arcoverde em Pinheiros e ia trabalhar no Largo 13 de Maio, em Santo Amaro. Ao meio dia pegava um ônibus Terminal de Santo Amaro-Praça da Bandeira que saía de três em três minutos e percorria um corredor exclusivo. Em poucos minutos estava em meu trabalho na Avenida Paulista. Ao final da tarde pegava o metrô, descia na Estação Clínicas e caminhava uns 800 mts até em casa. Lá isso foi possível porque a cidade já conta com uma rede, mínima ainda, é verdade, de conexão do transporte público, onde o trabalhador pode planejar o seu circuito.


Brasília é diferente. Não é compacta como São Paulo ou outras grandes cidades do país. As distâncias entre os núcleos habitacionais aqui ainda são grandes, com quilômetros de áreas vazias entre eles, o que encarece e dificulta as conexões do transporte público. Aqui eu não consigo fazer o que fazia em São Paulo. Saio de casa pela manhã para meu trabalho no Plano Piloto. Ao meio dia me dirijo para outro trabalho em uma cidade satélite da periferia. De lá para casa, ao fim da tarde. Um triângulo de 100 kms diários. Fazer isso no transporte público de Brasília? Impossível. Teria de pegar umas seis conexões, com longas esperas, inviabilizaria o trabalho.


Agnelo e os assessores sonháticos tiveram boas intenções. Eles julgaram ajudar os trabalhadores que andam de ônibus criando o corredor. Erraram feio quando esqueceram que os outros 54% que andam de automóvel também são trabalhadores. Aumentaram o inferno diário para estes e não melhorou muito a vida daqueles que andam de ônibus, pois, embora tendo sido criado o corredor, as empresas de ônibus privatizadas não podem aumentar a freqüência dos ônibus para destinos muito distantes e com caminho intermediário despovoado, porque sendo assim não há lucro.


Ao contrário de São Paulo e outras grandes cidades brasileiras compactas, onde a opção alargamento de vias já não existe, na populosa mas esparsa, pouco povoada Brasília e seu Entorno, a solução imediata, “ululante”, é o alargamento dos dois eixos principais que cortam a região, pois há terreno público disponível, e aí sim, reservar uma faixa exclusiva para ônibus.


Eliminando a pressão imediata, ganhar-se-ia uns dez a quinze anos para o planejamento e reformulação do transporte público.


No primeiro dia de campanha na TV, Arruda declarou em alto e bom som que iria alargar os eixos. O povão vibrou. É o cara.


A direita não acha que todos que andam de automóveis são “burgueses”. Especialmente numa cidade fragmentada em núcleos distantes uns dos outros e sem boa interconexão do transporte público.


Não estou querendo dizer que a direita faria esse benefício para os trabalhadores de Brasília e Entorno, se eleita. Estou querendo dizer que a esquerda deveria ter percebido, sem traves ideológicas, a urgente necessidade de agir adequadamente e fazer a coisa certa.


Agnelo foi um bom governador. Encheu a cidade de obras, melhorou e muito a saúde pública, ao contrário do que muitos dizem. Errou ao não perceber o sofrimento da população na crise de mobilidade. Suas ações acentuaram esse sofrimento, em vez de atenuar.               


A esquerda é cheia de boas intenções, porém às vezes não pensa, ou pensa através de chavões (o mais tradicional chavão é aquele da “reforma ou revolução?”!!), e sempre que age assim, dança.    


                


 


 






[1] Aprendi aqui no Nassif, com o próprio, a chamar congestionamentos de crise de mobilidade. É mais delicado.


 

Redação

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