Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O Peso da Poesia, por Maíra Vasconcelos

Buenos Aires, agosto 2014.

Nunca conversei com o poeta deste jornal: o Romério Rômulo. Assim é seu nome, mas já vi ele assinar: RR, e também com as iniciais em minúscula afirma a poesia de todas as semanas. Digo o poeta do jornal, pois ele é o único poeta a ter espaço aqui, sempre, e também semanal. Mas enquanto estou bem definida e gosto dos sábados, ele não tem dia certo, ao menos não o declara. Arrisco seu gosto pelo início da semana, digo: o RR é das terças-terçãs. Assim passo por cima do que ele diria e escancaro seu sentido febril de poesia. Sempre o leio, porque sempre estou a ler alguma poesia, e sempre versifico horas dos meus dias. Sempre! Mas nunca travamos uma conversação, romério rômulo e eu, talvez porque ele tenha cabelos brancos, e eu não. E talvez por isso nunca coincidimos: não pertencemos à mesma geração. E o melhor é que eu não entenda seus versos, mas às vezes entendo e muito bem, e quando não entendo fico apenas sem entender, não faço muito esforço – sim, sua poesia já levou-me ao dicionário. Mas se nunca conversamos, como é que eu sei que ele tem cabelos brancos? O RR pediu-me amizade na rede social, e eu vi a sua foto, por isso sei de seus longos cabelos. Brancos. E por que será que ele nunca mencionou suas madeixas em versos? Ou será que sim? Não realizarei essa busca, esta é uma pergunta feita no silêncio de mim, como tantas outras: gestos calados. Agora falo apenas comigo e suponho sozinha que ele não fala de seus cabelos-longos porque deve ter coisas mais sérias a tratar, como a invenção de si e do outro, porque sem inventar-nos muito não nos sobrará. E foi inventando coisas que Romério Rômulo entrou em meu blog e fez um comentário. Fiquei abatida de preocupação! Eu posso ler-te, mas não você a mim. Prefiro que ele não ande por meus escritos, começarei a exigir-me ainda mais, pensarei que nada está a altura de nada. Respondi-lhe com candura que sua visita em meu blog não era um prazer, mas que mesmo assim gostava de saber ter sido por ele visitada. Este poeta precisa saber urgentemente da criação e elaboração da Antipoetisa, minha personagem feita para os versos que não mais os escrevo. Não deveis estar a ler-me, com quais pretensões, afinal? Se versos não verso!

Mas talvez queira um dia poder conversar com o poeta deste jornal, ao invés de manter uma relação de leituras mútuas. Mas devo cuidar-me deste querer, poetas costumam ter palavra forte demais, mesmo quando tentam ser aprazíveis. Eu sei o que é uma invasão poética!, e não irei abraçá-la fácil se nosso encontro neste jornal é mera casualidade – e se sou dos sábados, ele das terças-terçãs, temos ainda esses dias de diferença. E se Romério, romerando vier avisar-me de alguma modinha, eu me adianto e sei que isto é expressão músical!, vá, olhe a sua janela porque a banda pode passar aí em frente. Ademais, a razão do meu querer palavrear com romério rôimulo é apenas porque ando conversando com muitos poetas mortos, e entre mortos e vivos, se não há como fugir dos versos. Ah! Mas haverá. E RR não deve mesmo esquecer que sou boa em driblar a realidade, crio mundos quase sem querer, posso fugir de qualquer terra, também das terras de abutres, se na terra que dizem ser minha, nesta já não mais estou! E talvez eu esteja inventando essa conversaiada toda – acho que conversaiada apenas se diz em Minas Gerais – porque ando mesmo gastando pouca saliva, vendo pouca gente, e a rua pouco vê minha cara. E se agora escrevo a intenção de uma conversa, logo, relego a segundo plano o que seria a conversa real, e coloco a palavra escrita de novo em primeiro lugar. Veja só!, no final das contas descontadas, não estou a querer conversar com ninguém. Estou apenas a descobrir mais uma mentira hoje aqui confessada: não quero realmente conversar contigo, poeta do jornal.

A Liberdade Silenciosa de um Pássaro

Eu tinha o poder sobre um passarinho. Era assim: estava a fazer-lhe carícias, o direcionava para um lado e para o outro, o passarinho estava em minhas mãos, e brincando em uma piscina eu o deslizava sobre as águas. Divertia-me e estava alegre por deter o poder das asas de um passarinho. De repente, dentro dessas mesmas águas, aparece um gato morto, e a intenção do passarinho que se deixava manusear por mim, era chegar até esse gato que estava levemente submerso, quase boiando, morto e duro. E quando deparei-me com os dois animais juntos, concluí a intenção do passarinho, a de aproximar-se daquele pequeno animal morto – seu pêlo era de três cores, branco, negro e amarelo. Mas então, acordei desse sonho estranho, e ainda não sei o que queria aquele passarinho, que eu pensava conduzir, indo em direção ao gato morto. Mas sei que fui usada pelo pássaro, porque as asas são dele, e este poder que é do pássaro é muito maior que minha ingênua vontade de controle das coisas que vestem o mundo. Mundo vestido de animais vivos e mortos. Então é isso!, o pássaro era o condutor desde o início, e ele me levou a, para que ele visse ou apenas para mostrar a mim: havia ali um gato morto.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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