Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A arte vinga-se do capitalismo no filme “Velvet Buzzsaw”, por Wilson Ferreira

A fixação fetichista que temos pelas imagens (como, por exemplo, a ilusão de que a Mona Lisa sempre nos observa) é levada ao limite do horror

por Wilson Ferreira

A arte pode ser perigosa e aqueles lucram com isso estão arriscando suas próprias vidas nessa sátira misturada com horror gore na produção Netflix “Velvet Buzzsaw” (2019). Se no filme anterior “O Abutre” o diretor e escritor Dan Gilroy figurava os bastidores da competição por audiência de programas sensacionalistas de TV, em “Velvet Buzzsaw” o alvo é o mundo do mercado das artes: artistas pretensiosos, gananciosos donos de galeria, clientes milionários e, principalmente, temidos críticos de arte – uma crítica publicada pode valer milhões de dólares ou o fim de uma carreira. Até encontrarem um acervo de pinturas e desenhos hipnóticos de um obscuro artista falecido. Uma oportunidade de lucro rápido. Mas um rastro de mortes começa a acompanhar aquelas telas. A fixação fetichista que temos pelas imagens (como, por exemplo, a ilusão de que a Mona Lisa sempre nos observa) é levada ao limite do horror. Como se a arte e as imagens estivessem se vingando da sociedade mercantil que as subjugou. 

Se no filme anterior O Abutre (Nightcrawler, 2014) o diretor e roteirista Dan Gilroy se concentrou no universo da competição entre programas sensacionalista de TV (um cinegrafista freelance que persegue acontecimentos violentos em Los Angeles para vender os vídeos à melhor oferta), agora em Velvet Buzzsaw (2019) ele volta-se a outro universo fechado dessa metrópole: a máquina de fazer dinheiro dos donos de galerias de arte, agentes, clientes, artistas pretensiosos e, principalmente, os críticos.

A arte é perigosa, e aqueles que lucram com isso estão arriscando suas próprias vidas – e o mundo da arte poderá se transformar em um submundo sangrento. É a mensagem de Dan Gilroy nesse curioso filme disponível no Netflix, um híbrido de sátira e horror.

Muitos já devem ter ouvido várias coisas sobre o quadro A Gioconda, de Leonardo da Vinci, de que, por exemplo, os olhos da Mona Lisa parecem se movimentar, sempre olhando para o observador não importa o ângulo do qual observe. Pois bem, Gilroy conduz essa fixação fetichista que temos com as imagens ao limite do horror. Como se as imagens quisessem se vingar dos humanos depois de séculos de exploração como instrumento de idolatria mítica e religiosa.

E o instrumento da vingança é um obscuro artista encontrado morto no hall do prédio em que morava, para depois descobrirem que no interior do seu apartamento há milhares de telas, esboços e desenhos – imagens hipnóticas que atraem a cobiça das grandes galerias de arte de LA, dando início a uma corrida do ouro para catalogar, determinar o preço e vender o fantástico acervo.

Velvet Buzzsaw é um filme de terror original que visualmente não emprega os padrões cânones do gênero gótico: paleta de cores escuras, baixa iluminação e fortes contrastes de luz e sombras para criar atmosferas soturnas. Ao contrário, é vividamente colorido, com design de produção clean, minimalista, assim como o próprio mercado da arte vê-se a si mesmo: menos é mais.

Há os momentos de horror gore, com sangue, gritos e sustos. Mas em todos os rastros de morte provocados por aquele gigantesco acervo de arte fatalmente cativante há um ponto em comum: as vítimas parecem ser absorvidas pelas próprias obras de arte.

Como se o ícone deixasse momentaneamente de ser uma representação (um mero signo) para se transformar na própria coisa: carne e sangue. Seria como a natureza mítica e religiosa de toda imagem (todo idólatra trasmuta a imagem em carne, como na adoração das imagens santas católicas) reagisse contra sua própria mercantilização – a perda da sua “aura” através de uma transação de compra e venda que reduz a arte a um valor de mercado.

O Filme

 Também, assim como no filme O Abutre, o par de protagonistas é Rene Russo e Jake Gyllenhaal. Ela é uma espécie de Gordon Geko do mundo das artes, a implacável Rhodora Haze, dona de uma grande galeria. E ele é o mordaz e temido crítico Morfeu Vandewalt, cuja opiniões publicadas podem acabar com a carreira de qualquer artista ou produzir milhões de dólares para agentes e criadores.

Tudo começa quando a assistente de Rhodora, Josephina (Zawe Ashton) chega no prédio onde mora e encontra num corredor o seu vizinho morto, chamado Vetril Dease, estendido no chão. Ela entra no apartamento do vizinho e encontra centenas de pinturas com temas variados, com um estilo e design totalmente fantástico.

Josephina vê naquilo tudo a possibilidade de lucro imediato e deixar de gravitar em torno da prepotente Rhodora Haze. Morfeu, obcecado por Josephina a tal ponto de colocar em xeque sua orientação homoafetiva, vê a chance de fazer muito dinheiro. Dada a inexistência de qualquer herdeiro legal para a obra de Dease, Josephina e Morfeu estão prontos para mentir sobre como adquiriram aquele acervo, para tirarem o máximo de lucro possível do efeito instantâneo que aquelas obras provocam nas pessoas.

Começa então a corrida do ouro: Rhodora Haze e sua concorrente, Gretchen (Toni Collette), também descobrem as obras e farão de tudo para abocanharem a maior fração do lucro das vendas para grandes empresários.

Mas algo de sinistro em torno da biografia de Vitril Dease. Principalmente quando Josephina e Morfeu descobrem que, um pouco antes de morrer, Dease preparava-se para destruir todas as suas pinturas – ele viveu uma infância problemática e abusiva, que resultou no assassinato do próprio pai e a doença mental crescente, representadas nas obras de arte.

Essa corrida do ouro e glória produzirá um rastro de mortes inexplicáveis – os personagens das telas parecem criar vida, enforcando, decepando ou, simplesmente, aprisionando as vítimas no interior das telas. E esse efeito anímico parece também contaminar instalações ou grafismos que estiverem por perto de alguma tela de Dease.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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