Embates Políticos (I) – Terceirização

 

 

Por André Luís Rodrigues*

 

Na quarta-feira, 19/09, ocorreu na Câmara dos Deputados uma reunião da Comissão Geral que se debruça no Projeto de Lei 4.330, o da terceirização total. Por ocasião da reunião, e logo após ela, a Senadora Katia Abreu (PSD-TO), Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, redigiu artigo de cunho político chamado “Entre a ficção e a realidade”, sobre o qual tecemos comentários.

Logo no princípio protesta “Por mais que apurássemos nossos ouvidos não seríamos capazes de distinguir (…) os gritos primitivos das galerias e a retórica antiquada dos oradores, que pareciam falar numa assembleia sindical nos anos 50 do século passado.” Como sindicalista e trabalhador me senti particularmente tocado, pois é possível deduzir da frase uma visão extremamente preconceituosa sobre os trabalhadores e suas organizações de classe. Seriam os sindicalistas, representantes dos trabalhadores, bestas ferozes, sem razão e incapazes de argumentar, e por isso só saberiam fazer uso de “gritos primitivos”? Seria “primitiva” uma assembleia sindical dos anos 50, simplesmente por ser dos anos 50, década em que a classe operária conseguia movimentar mais de 800.000 trabalhadores num só dia e obter a maioria das suas pretensões? A tática da desqualificação num contexto político como esse, durante o andamento de um projeto que retira direitos e fulmina a capacidade de representação sindical, é por demais agressiva, ainda que em tom “conciliador”. Manifestar de maneira acintosa que os trabalhadores não têm condição de discutir e interferir nos processos produtivos é considerá-lo peça morta e engrenagem substituível, coisa que a terceirização já faz, e, como trabalhador, afirmo, não o somos.

Prossegue no seu artigo dizendo “Como não há um marco legal… Empresários e trabalhadores estão expostos a incertezas e instabilidade”. Neste terreno, é visível a tentativa de por trabalhadores e empresários no mesmo patamar de força no momento da negociação, coisa que a realidade repudia, pois trabalhadores terceirizados, especificamente, estão expostos aos ambientes de trabalho precários, altos índices de acidente, alta rotatividade no seu posto – e por isso mesmo o assédio moral é ferramenta usual no joguete da autoridade, a qual pressiona o trabalhador sob a ameaça da perda do emprego – salários menores (pouco mais da metade do salário dos efetivos da empresa, em média), desrespeito aos direitos sociais conquistados como férias, repouso remunerado, FGTS, previdência, dentre outros. Como trabalhador da Justiça do Trabalho, posso afirmar que não há incerteza maior do que a que o ex-empregado experimenta, mesmo quando demanda em Juízo, pois as empresas que vendem mão-de-obra terceirizada surgem e desaparecem como fogo-fátuo, tornando a tarefa de pagar os débitos reconhecidos em Juízo totalmente ineficaz. É o dito popular “ganhou, mas não levou.”

Aduz ainda em sua faina liberal “Por isso, as leis que regulam o trabalho e a produção não podem ficar congeladas no tempo. Se ficarem, condenarão a sociedade ao atraso e à pobreza. (…) Na realidade do século 21, as leis que tratam do trabalho não podem mais ser discutidas num cenário de luta de classes ou de conflito entre trabalhadores e empresários. Ao contrário, esse debate deve se dar num clima de cooperação e de entendimento…uma visão compartilhada.” Aqui, além de insistir na tese da equipotência entre obreiros e empregadores, apresenta a ideia de que ambos os grupos sociais ganham com a terceirização, como se houvessem vantagens auferidas pelos trabalhadores ao abrir mão de direitos e salários. Nessa “visão compartilhada” somente um lado ganha, o do empresariado. Tenta, ainda, cobrar dos trabalhadores a fatura de uma possível crise e recessão da economia se houver aversão à terceirização, aterrorizando-os com a culpa pelo “atraso e pela pobreza”.

Necessário esclarecer que a terceirização é a ferramenta primordial na maximização dos lucros das empresas atualmente, e concentração de riqueza é o que gera pobreza. Neste ponto tenta jogar por terra, também, o princípio mais basilar de toda a Teoria de Marx, a luta de classes, num verdadeiro exercício teórico para atribuir caráter ficcional a ela nos dias de hoje. Não por acaso o primeiro parágrafo do Manifesto do Partido Comunista se inicia com “A história de todas as sociedades até os nossos dias é a história de luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma batalha ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma luta que terminava sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das duas classes em luta.” Não será diferente hoje, mormente quando teorias liberais avançam sobre os empreendimentos públicos e privados, impondo seus princípios, nos quais a figura do emprego – no sentido estrito da palavra – está em vias de extinção. Haverá somente trabalhadores livres e soltos do Estado, sem garantias sociais, sem previdência, sem cobertura de danos e indenizações em caso de acidentes ou mortes se projetos como o PL 4.330 passarem. Isso é a verdadeira barbárie.

Portanto, se algum dia nós trabalhadores tivéssemos que admitir a característica de “primitivos”, teríamos como apontar a culpa preponderante daqueles que, possuindo o poder diretivo e os meios de produção da sociedade, criam postos de trabalho precários o suficiente para dar origem a bárbaros primitivos, vez que poderiam criar uma realidade distinta, na qual o trabalho promova não a simples contraprestação salarial, mas junto a ela o descanso, o convívio familiar, a educação, o lazer e o vestuário dignos e a capacidade de se organizar em organismos de classe independentes.

 

*André Luís Rodrigues – Técnico Judiciário TRT5 Coordenador Geral SINDJUFE-BA – Estudante de Graduação em Física.

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