Segregação de direitos raciais/cotas raciais

 

Prezados,

Considerando que dia 07/12/11, a jovem Senadora ANA RITA – PT/ES, comandou a rejeição de um requerimento de uma audiência pública no Senado Federal, para debater o PLC 180/2008 que institui as cotas raciais para ingresso no ensino público federal, conforme abaixo, enviei uma Carta Aberta à Senadora ANA RITA que, neste seu primeiro ano de mandato, assumiu a Relatoria dessa matéria relevante para todos os brasileiros e para os AFRO-BRASILEIROS em especial, e, ela e a maioria dos Senadores da CCJ são neófitos nas questões de combate ao racismo, a fim de apresentar-lhes argumentação contrária às leis de segregação de direitos raciais, sob a ótica de afro-brasileiros que lutam contra o racismo.

Relevante consignar que a Senadora convocou audiência pública e reuniões com os defensores da lei de segregação de direitos raciais – cotas raciais – dentre elas a SEPPIR, a UnB e ONGs, sem a oportunidade do contraditório em matéria tão relevante, complexa e polêmica que vai alterar a identidade nacional dos brasileiros: Teremos ou não uma identidade racial?

Com isso, S. Exa. deixou de conhecer dados que comprovam, por exemplo, que a maioria dos afro-brasileiros são contrários às leis de cotas raciais: queremos DIGNIDADE HUMANA e não postulamos privilégios raciais.

 

SENADO FEDERAL – SECRETARIA-GERAL DA MESA 

SECRETARIA DE COMISSÕES

 

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA 

 

REQUERIMENTO Nº 102, DE 2011-CCJ 

“Nos termos do art. 93, I, do Regimento Interno do Senado Federal, requeiro a realização de audiência pública com o objetivo de instruir o PLC 180, de 2008, em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com a presença dos seguintes convidados: Doutora Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, Procuradora do Distrito Federal e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, autora do livro Ações Afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos EUA e no Brasil; Professora Yvonne Maggie, titular do Departamento de Antropologia Cultural, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Senhor Bolívar Lamounier, sociólogo, cientista político e autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país; Senhor José Roberto Ferreira Militão, advogado civilista, militante do movimento negro contra o racismo e as discriminações; Professor José Roberto Pinto de Góes, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense; Doutor Sérgio Danilo Pena, geneticista e professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal da Universidade Federal de Minas Gerais; Senhor Demetrio Martinelli Magnoli, sociólogo, geógrafo e Doutor em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; Senhor Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro e Ph.D. em ciência política pela Universidade da Califórnia, Berkeley; e Doutor Walter Claudius Rothenburg, Mestre e Doutor em Direito pela UFPR.”

Autoria: Senadores Demóstenes Torres e Pedro Taques.

Resultado: Rejeitado (11 votos a 5)

 

 

CARTA ABERTA à EXMª Srª SENADORA ANA RITA – PT/ES:

– MD. Relatora do PLC 180/2008 que institui ´cotas raciais´ para ingresso nas universidades e escolas técnicas federais extensivas às demais.

Nobre Senadora Ana Rita,

                     Com o merecido respeito, diante da iminente votação do PLC 180/2008 nesta CCJ do Senado Federal, cujo relatório foi confiado a Vossa Excelência que foi induzida a negar a oitiva em Audiência Pública de argumentos contrários, tomo a liberdade de anexar a cópia de artigo publicado em 26/3/2009, na página de opinião do jornal ´O Estado de São Paulo´, abordando o tema, amplamente reproduzido em todo o país: http://www.afropress.com/colunistas Ler.asp?id=609 e também aqui: http://oabrj.jusbrasil.com.br/noticias/962281/ artigo-jose-roberto-f-militao-afro-brasileiros- contra-leis-raciais

                        Na proposta de Audiência Pública oferecida pelos Senadores Demóstenes Torres e Pedro Taques, rejeitada pela E. Comissão com vosso encaminhamento contra, esse signatário seria um dos debatedores, razão pela qual, ofereço a Vossa Excelência, a síntese de questionamentos às políticas públicas raciais compulsórias que contemplam as ´cotas raciais´ estatais por se efetivarem através de uma legislação de segregação de direitos raciais, em tudo, incompatíveis com os ideais republicanos e anti-racistas inscritos em nossa Carta, fruto da nossa histórica recusa a pertencimento racial. Estamos em nova legislatura e a nobre Senadora, Relatora designada, não participou de nenhuma audiência pública para ouvir argumentos, como, por ex.: nós humanos, pretos e pardos, não somos a ´raça negra´, como querem os racistas e não queremos privilégios raciais.

                         Também indico a síntese da histórica Audiência Pública perante o Supremo Tribunal Federal, da exposição na defesa de uma TERCEIRA VIA através das COTAS SOCIAIS, com a reserva de 50% das vagas pelo corte de renda familiar, pois se os pretos e pardos somos 70% dos mais pobres, estaremos contemplados nas oportunidades de ingresso nas universidades, em igualdade com todos os pobres sem o perigoso efeito colateral da segregação de direitos em bases raciais. A síntese dessa defesa encontra-se aqui: http://www.observatoriodaimp rensa.com.br/news/view/todos_saem_ganhando

                        Ilustre Senadora, em minhas palestras e debates, afirmo que desde 2002 com Lula, nossos governos democráticos e populares, têm feito a maior política pública de Ações Afirmativas de todo o mundo, a favor de afro-descendentes com o programa de Bolsa Família em que mais de 80% dos beneficiários são pretos e pardos e ninguém o acusa de ser uma política racial. Esse o modelo de Ações Afirmativas ideal.

                        Também é louvável que universidades e demais atividades sociais façam programas de inclusão voluntária visando à diversidade ´humana´ em vez da diversidade ´racial´. O que não é admissível é a imposição estatal compulsória com a segregação de direitos em bases raciais, pois exigente da classificação racial estatal, fonte histórica de conflitos, tragédias e genocídios. O dever do estado é a pedagogia da paz, da harmonia, da igualdade e do amor, em vez da apartação ou privilégios. “Ninguém nasce odiando outra pessoa em razão da cor ou da origem. Eles foram ensinados e aprenderam a odiar. Se foram capazes de aprender, nós podemos ensiná-los a amar” disse MANDELA.

                        Outro fato relevante é filosófico-doutrinário: cotas raciais não equivalem à boa doutrina de Ações Afirmativas. Assim, ganha relevância as lições dos atuais Ministros da Suprema Corte, JOAQUIM BARBOSA e CARMEM LÚCIA, entregues para o público em 2001, antes de assumirem a mais alta Magistratura. Então, dizia o atual Ministro Barbosa: “… Porém, falta ao Direito brasileiro um maior conhecimento das modalidades e das técnicas que podem ser utilizadas na implementação de ações afirmativas. Entre nós, fala-se quase exclusivamente do sistema de cotas, mas esse é um sistema que, a não ser que venha amarrado a outro critério inquestionavelmente objetivo (o autor exemplifica com egressos de escola pública), deve ser objeto de uma utilização marcadamente marginal…. Noutras palavras, conforme as lições da professora CARMEM LÚCIA, ação afirmativa não se confunde nem se limita às cotas…. Ação afirmativa é um conceito que, usualmente, requer o que nós chamamos metas e cronogramas… Opositores da ação afirmativa nos Estados Unidos freqüentemente caracterizam metas como sendo COTAS, sugerindo que são inflexíveis, absolutas, que são obrigadas a atingi-la.”. (O debate constitucional sobre as Ações Afirmativas, Joaquim Barbosa) http://www.mundojuridico.adv.br/sis artigos/artigos.asp?codigo=33.

                       Destarte, Senhora Relatora, relevante ponderar que em breve o Supremo Tribunal Federal apreciará a constitucionalidade das leis de segregação de direitos raciais, e anotar que, após anos de debates, o parlamento nacional, recusou em 2010 a fixação de cotas raciais previstas na Lei 12.228/2010 – a lei do Estatuto da Igualdade ´racial´, sendo, portanto razoável que o Senado Federal, agora, antes de adotar tão drástica deliberação parlamentar, ampliasse os debates ou aguarde, por cautela, a deliberação da Corte Alta.

                        Devo destacar ainda, Ilustre parlamentar e educadora, essa posição não é a de partidos da direita que o façam pelo exercício de oposição sistemática ao governo federal, nem pode ser confundida com a de alguém que negue a presença negativa de práticas do racismo no Brasil, pois sou antigo ativista contra o racismo e a favor de Ações Afirmativas http://luisnassif.com/photo/1997-vitoria-es-estatuto-de-1?context=user além de integrante desde 1985, do PSB, que Vossa Excelência conhece tão bem, onde integro a Direção Estadual de São Paulo, historicamente aliados nas campanhas vitoriosas e nos governos democráticos e populares do Presidente Lula e Dilma.

                        Essa posição intransigente contra as leis de segregação de direitos raciais, também não se trata de opinião meramente pessoal. Ela coincide e é porta voz da opinião pública da maioria dos afro-brasileiros não organizados, ouvidos em pesquisa no Rio de Janeiro em 2008, a única exclusiva num estado onde vigem leis de cotas raciais desde 2002, em maioria absoluta de 62,3% dos pretos e 64.1% dos pardos, se pronunciaram contra as leis de cotas raciais. http://www.ibpsnet.com.br/descr_pesq. php?cd=83. Tal pesquisa encomendada por uma conceituada ONG do Rio de Janeiro, CIDAN, foi escondida por revelar uma verdade inconveniente que não interessava aos militantes organizados que precisam de uma clientela cativa e renovável. Além disso, as COTAS SOCIAIS recebem o apoio de 86% dos brasileiros que também em maioria de 51% consideram as COTAS RACIAIS como verdadeiras ´cotas de humilhação´, nos informa o DataFolha em 2008: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil /ult96u470649.shtml .

                        Nossa preocupação, Excelência, é que tais políticas públicas raciais, quando impostas de forma compulsória pelo estado – fazendo segregação de direitos raciais – além de violar princípios fundamentais da Carta Cidadã, em especial os arts. 5º e 19º, produzirá ainda, em duas ou três gerações, conflitos raciais no Brasil decorrente da indução a um falso pertencimento racial dos autoclassificados pretos e pardos que passam a constituir uma raça estatal para o usufruto dos privilégios, a ´raça negra´  que jamais professamos. Além disso, o privilégio racial estatal é visto como humilhante e violador da auto-estima.

                        Consigno, por ser fato relevante que a identidade racial – raça negra – não faz parte da tradição política e cultural dos afro-brasileiros. Lembro que nossos heróicos antepassados resistiram por séculos à violência e degradação humana imposta na escravidão, sempre organizados em milhares de Irmandades e de Cemitérios de HOMENS PRETOS ou de HOMENS PARDOS, ocupando milhares de ´terras de pretos´, reverenciando a matriarcal ´Mãe-Preta´ e a sabedoria espiritual do ´Preto-Velho´, sem jamais, se referirem a essa ´raça negra´ que o racista diz ser a ´raça´ inferior. Tal designação aos pretos africanos como se ´raça negra´, tem sua origem histórica em imposição estatal também numa lei da época em que nascia a ideologia do racismo no século 18. Foi no “Directório do Índio” de 1.755, outorgada pelo Marquez de Pombal, que em seu art. 10, por considerar a designação “negra” infamante, aviltante e degradante, expressamente proibia o seu emprego aos índios, reservando-a exclusivamente para “aos pretos da Costa D´África, destinados à escravidão”. É significativo que decorridos 255 anos, esteja novamente o estado, atribuindo aos pretos e pardos o pertencimento à ´raça negra´, aquela que o racismo do século 18 diz ser a ´raça´ inferior. A raça negra estatal sonega a nossa humanidade e nos impõe a classificação racial e sua hierarquia racista.

                        A monstruosidade desse tipo de leis, Nobre Senadora, é que fazem a racialização estatal inédita no Brasil republicano e visam suprimir e tolerância relativa à que se referia o saudoso professor MILTON SANTOS http://luisnassif.com/video/milton-santos-sobre-a-politica visando instalar o conflito racial que nós afro-brasileiros não desejamos. Esse é um projeto acadêmico e político da inteligência imperialista, fomentado por milhões de dólares pelas Foudation´s no Brasil, constatado desde 1990 conforme LIVIO SANSONE (Negritude sem Etnicidade, 2004), da UFBA: “O Brasil nunca foi um paraíso racial, nem tampouco é hoje um inferno racial: o que mudou drasticamente foi a perspectiva dos cientistas sociais e dos intelectuais em geral no tocante à raça no Brasil. Essa mudança deveu-se sobretudo à alteração dos projetos políticos do meio acadêmico e das fundações Ford, Rockfeller e Mac Arthur, uma vez que os Estados Unidos sempre tiveram uma importância indireta na definição das relações raciais como área de estudo no Brasil. (www.ceao.ufba.br/fabrica/ LSansone_07.doc – p. 269 – Negritude sem etnicidade. Salvador/Rio de Janeiro: EDUFBA/PALLAS.  

                        Com a devida reverência, espero contribuir para alertar a Vossa Excelência e demais Senadores que o Voto e a deliberação a ser proferida neste Projeto de Lei, vão alterar, profundamente, a identidade jurídica e a personalidade nacional de brancos, pretos e pardos para sempre com a introdução de um pertencimento racial que não desejamos tal como tentou fazer a lei pombalina em 1755.

                        Agradecendo a atenção de Vossa Excelência, informo que devido à premência da matéria, transmitirei essa Carta Aberta aos demais nobres Senadores da República, bem como, ao público em geral, já que diante da ameaça de aprovação dessa legislação racialista que é violadora da dignidade humana das vítimas do racismo, silenciar seria omissão criminosa em relação às futuras gerações, direito de omissão que, segundo Jean Paul Sartre, já não temos o direito de exercê-lo.

José Roberto Ferreira Militão, OAB/SP 82.946 – Direitos Civis,  Direitos Sociais e Direitos Humanos – ativista contra o racismo minha página em  http://luisnassif.com/profile/JoseRobertoFerreiraMilitao ´ Numa sociedade com a cultura de ´raça´, a presença do racista, será, pois, natural.´ FRANTZ FANON, 1956 (foi o primeiro grande ativista contra o racismo).

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador