América Latina e Brasil como modelos de desenvolvimento

O geógrafo britânico David Harvey, professor emérito de antropologia da Universidade da Cidade de Nova Iorque, afirma, em entrevista publicada na Folha de São Paulo, que Dilma Rousseff, em seu segundo mandato, terá que decidir se vai tentar uma acomodação com os mercados ou se buscará satisfazer as demandas da população.

Segundo ele, a sociedade brasileira, hoje, quer mais democracia e participação nas questões políticas. A principal demanda da população atualmente é por uma maior qualidade de vida nas cidades, com um projeto urbano que priorize a melhora dos serviços de transporte, de saúde, de educação e moradias decentes.

Harvey está certíssimo. As manifestações de junho de 2013 revelaram a vontade popular de participação direta. Infelizmente, as iniciativas do governo foram barradas à época, e continuam a sê-lo hoje, como se viu da movimentação do Congresso para impedir a participação popular através dos Conselhos Populares criados por Dilma.

A mesma negativa de participação direta se vê na recusa do Congresso em permitir que o povo se manifeste sobre a reforma política, ainda que para o singelo ato de dizer sim ou não. Aparentemente, essa teimosia parlamentar irá se repetir.

Por outro lado, as demandas de nossa “Primavera Tropical” de junho de 2013, confusa e dissonante, foram, de uma forma geral, entendidas pelo governo federal, que vem se empenhando para acrescer qualidade de vida às cidades na forma de pesados investimentos, em conjunto com municípios e estados, em projetos de mobilidade urbana, como corredores viários, VLT’s e metrôs.

Ocorre que tais demandas contrariam a ótica desse deus chamado “mercado”. No pensamento de Harvey, essa vontade popular de melhoria na qualidade da vida urbana vai de encontro ao modelo de cidade almejado pelo mercado, que é aquele que permita o máximo de lucratividade para poucos, independentemente do conforto do morador. A grandeza dessa mesquinhez ainda mais se evidencia quando se sabe, como relembra o pensador, que, atualmente, os bilionários, os ricos que representam um por cento da população mundial, estão indo muito bem, enquanto o restante da população sofre com a crise econômica mundial.

Na visão de Harvey, a América Latina está dando um exemplo de governos de centro-esquerda que vêm promovendo uma abordagem na estratégia econômica diferente das tradicionais, que usualmente favorecem as finanças internacionais, ou seja, os interesses dessa pequena fração da população mundial que detém quase a metade da riqueza. Por conta disso, a pobreza foi reduzida em países como o Brasil, o Equador e a Bolívia, cujos desenvolvimentos beneficiaram as respectivas populações.

É bastante interessante analisar como a visão intelectual estrangeira, apreciando o conjunto sócio-político latino-americano e brasileiro com maior distanciamento e, por isso mesmo, de forma menos parcial e com maior abrangência, é capaz de constatar coisas boas ocorrendo nessa parte do mundo.

Tais coisas boas, no que se refere ao Brasil, se iniciam a partir do final do processo da redemocratização, pós-período militar, mais especificamente com Collor, que inaugura o processo de renovação da economia.

Essa constatação contraria frontalmente o pensamento de alguns brasileiros que, por conta de uma radicalidade histérica e sem grande reflexão, flertam com a ditadura e o totalitarismo, ingenuamente acreditando que isso seria um mal menor, completamente incapazes de, primeiro, superar o muro da propaganda dos profetas do apocalipse, cujas profecias, claro, são orientadas pelo “princípio Ricúpero”: divulga-se amplamente qualquer banalidade com viés negativo, transformando-a em escândalo, e esconde-se toda e qualquer evidência de realizações positivas.

Segundo, de entender a real natureza de uma ditadura totalitarista, que, concretizada, tem o péssimo hábito de engolir todo tipo de voz, inclusive as vozes que produziram as preces de invocação e lhe deram suporte. E, terceiro, de olhar para si e ao redor e aceitar a realidade tal qual ela se apresenta, sem fantasias: o Brasil está melhor do que esteve.

Ainda falta muito, mas estamos caminhando para frente com passos mais firmes e seguros do que jamais tivemos.

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/11/1541895-prioridade-de-dilma-deveria-ser-melhoria-das-cidades-diz-geografo.shtml

Redação

8 Comentários

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  1. Tão simples e fácil de

    Tão simples e fácil de entender! A palavra-chave é Solidariedade! Com bom senso e boa vontade poderemos abrir caminho para o bem estar de todos, mas isto, para alguns é utopia… 

  2. Brasil foi melhor que o Brazil

    O texto é interessante, porém incompleto. Acredito que dois artigos acima, um deles do Nassif, complementam melhor o conceito colocado neste post. As necessidades básicas de classes menos favorecidas são as primeiras beneficiadas com a estratégia adotada pelos países vizinhos. Por isso o maior crescimento, embora o mundo global esteja em recessão. Lembrando que o Brasil teve no Nordeste uma região que obteve sim essa percepção maior de crescimento (PIB maior que a media nacional), por conta das políticas públicas; e outro Brasil, preponderantemente movimentado por empresariado privado, mais direcionado à economia global e, por tanto, sofrendo com pífios resultados de crescimento ligado a este engajamento. Brasil foi melhor que o Brazil.

    1. Estou de acordo, Alexis. Li o

      Estou de acordo, Alexis. Li o seu comentário, no post do Nassif, sobre a necessidade de investimento em polos de desenvolvimento, com infraestrututa de conexão entre áreas com interesses complementares, o que serviria para alavancar a economia. Ótimo. Aqui, eu tentava apenas chamar a atenção para a imperiosidade de os propagadores da informação ao menos tentarem imbuir a população de um certo orgulho do que está construindo nesse país há mais de trinta anos. O sentimento de catastrofismo também possui efeitos daninhos na economia, algo como um profecia auto-realizada. Se incutimos no povo que tudo vai de mal a pior, e essa não é a expressão da realidade, brota um sentimento de impotência, diante da grandeza do desafio, com efeito paralisante. Por outro lado, se os equívocos são apresentados, porém quando há também a divulgação, no mínimo com igual proporção, dos avanços, o desafio não parece tão grande e o tamanho da conquista imprime uma sensação de viabilidade. A análise macroeconômica deixo para pessoas com conhecimento na área, como o Nassif e você.

      1. Vamos chegando ao ponto

        Agradeço o seu comentário Márcio.

        Cabe elogiar aqui ao Nassif, pela sua competência em apontar caminhos. Houve um tempo, antes da eleição, em que o Nassif apontou muito as suas baterias na macro-economia, o tal do tripé e, ainda, na necessidade de mudança no ministério da fazenda. Hoje Nassif aponta passos para uma economia real, onde muitas das nossas opiniões (incluindo a sua) começam a convergir.

    2. O Nordeste teve crescimento

      O Nordeste teve crescimento do PIB maior que o do Brasil, devido ao maior investimento público. Ótimo, mas de onde veio o capital para esse investimento público? De impostos pagos por outras regiões, ora bolas. Então dizer que Brasil foi melhor que Brazil é balela.

  3. O Brasil foi melhor que o Brazil

    Sr Alexis, brilhante avaliação. Realmente os dois textos se complementam e temos em sua síntese o verdadeiro diagnóstico que culminou com a apertada reeleição. O desafio agora é mover este Brazil, fazê-lo andar, sem abrir mão do exito do Brasil, que quer continuar crescendo e melhorando em qualidade de vida.

    Os dois modelos aparentemente antagônicos, se analisados superficialmente, ou preconceitualmente, são ao meu ver complementares e aí que deve estar a grande sacada e o grande desafio, fazer o tal Brazil compreender que o anseio do Brasil verdadeiro é o impulsor para ele ter ganho de escala e competitividade para alçar outros mercados.

    Esta falta de percepção e a expectativa que se criou desde o ano passado de que o Brazil poderia assumir o governo e assim impor a sua política econômica por inteiro, é o que, no meu enteder e de alguns analistas como Fabio Porchman, que explica ser esta “expectativa” um indutor da paralisia que vivemos desde as amnifestações de junho e que se acentuou com as candidaturas postas pela oposição na corrida presidencial (ora porque investir agora e dar munição para quem não é nossso obejto de desejo ou esperar a definição e obter um ganho maior se a oposição for vencedora? Quase conseguiram).

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  4. Notícias como essa,com base

    Notícias como essa,com base no “copo meio cheio”, só veremos em analistas estrangeiros como o autor da matéria.

    1. Na hora em que esse não

      Na hora em que esse não defendeu que o modelo cubano é o mais justo e adequado para todos os povos da América Laitna, desconfio que está querendo apenas a nosssa desgraça. 

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