Às Déboras, Marias, quase sempre da Silva

Às Déboras, Marias, quase sempre da Silva

 

As Mães de Maio mantém acesa as luzes de seus meninos e se dedicam pra que nossa queda de tiro curto, esborrachando com a cara no asfalto, cesse de vez

 

19/05/2014

Michel Yakini

(Dedicado ao Movimento Mães de Maio).

Maio é um mês que costuma esfolar as feridas abertas da nossa gente, e isso não é de hoje. Começa com um feriado 1º que faz festa pra celebrar o miserê patronal, passa por um 13 que louva um cheque sem fundo empoeirado de cativeiro e firma essa marca na sina teimosa do nosso sumiço, como foi em 2006 em SP e tem sido ao longo dos anos. Por isso, o conhecido “mês das mães” se tornou, principalmente pela última citação, o estopim da luta contínua das Mães de Maio

Essas mães receberam como presente ingrato a noticia da perda de seus filhos, acompanhado de um batismo de lágrima e capuz-covarde, de um consolo traíra, vindo de uma (im)prensa que (ar)rota morte como metáfora azeda de justiça, de boletins padrões regados de “resistência seguida de morte”, de balas teleguiadas pra estourar numa cara preta, numa cara pobre, em chacinas sem fim.

Por isso, não engolem a equação do silênciocídio imposto e, mesmo com a dor enterrada nas entranhas, elas fazem o verbo embargado ecoar das beiradas aos carpetes, dos butecos aos castelos de teses, nas ruas e frente às canetadas letais, mirando verdade, memória e dignidade.

São Déboras, Marias, quase sempre da Silva, que na ausência doída de seus curumins (Rogérios, Silvas, quase sempre dos Santos) carregam no colo horizontes ignorados, um aperto mexido de ódio, inconformismo e um peso eterno de descaso, mas não se curvam a essa realidade.

Elas se arriscam pela vida surrupiada de seus meninos. Militam pela necessidade, não pra serem descoladas e pagar de revolução, tampouco por mera simpatia a causa. Não dá pra ser “meio Mães de Maio”, como ser “meio anarquista” ou “meio de esquerda”, ou você é ou você não é, e isso as tragédias cotidianas é que vão dizer, infelizmente.

As Mães de Maio mantém acesa as luzes de seus meninos e se dedicam pra que nossa queda de tiro curto, esborrachando com a cara no asfalto, cesse de vez.

O maior presente delas está ausente e a homenagem mais digna que essas mães podem receber, é um dia enxergar a condenação dos assassinos impunes de seus xodós e o fim da licença para matar que as continências usam nas crocodilas-madrugadas.

Só assim a força emanada por elas evitará que essa luta agregue outras Déboras da Silva e oxalá elas não precisem mais ir às ruas, mandar cartas à presidenta e nem beber seus traumas em busca de justiça, enquanto as flores de suas crias são despejadas (quando são) nos caixotes frios da desilusão.

Pra que o afeto de seus meninos seja presente, seja presença e as flores, em vez de protocolar enterros precoces, embelezem suas janelas de vida, e assim possamos contemplar um abraço firme de filho pra mãe, não só em maio, mas em todos os dias.

Michel Yakini é escritor, educador e produtor cultural 

 

Redação

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