Desbravando o séc. XXI

O mundo está se transformando em uma velocidade espantosa, tão grande que temos dificuldade em perceber. A maioria de nós, no entanto, se nega a ver tudo isso, tentando se manter no milênio anterior. Os que assim fizerem, estarão vivendo em uma bolha, em uma espécie de reserva indígena.

Mundo 1

Consiste no conjunto das coisas, em tudo aquilo que tem existência material, que é palpável.

 

Mundo 2

É formado por tudo aquilo que habita nossas mentes; basicamente ideias e pensamentos. A natureza desse mundo, no entanto, muitas vezes nos confunde, levando-nos a crer, frequentemente, que tenha existência material. A distinção fundamental entre os objetos desses 2 mundos encontra-se na constituição de seus objetos: os primeiros constituídos por matéria e energia, os segundos por palavras e sensações.

Pertencem ao mundo 2, por exemplo, os países, as instituições, o dinheiro e inúmeras outras “coisas” com as quais lidamos em nosso cotidiano supondo-as “coisas materiais”, sendo esse o motivo da confusão. Tais abstrações não passam de coisas abstratas, não possuindo materialidade. A nota de 1 real é palpável, não o dinheiro, nem seu valor. Também são palpáveis os prédios e outros bens de uma instituição, não ela própria, assim como o território de um país, mas não ele. Todas essas abstrações, assim como inúmeras outras, são constituídas por nossos pensamentos, definidas através de palavras. Consistem, portanto, de fato, em um fluxo de informações.

Enquanto a existência dos objetos do mundo 1 transcorre no mundo real, os objetos do mundo 2, todas as abstrações, todos os sonhos, transcorrem exclusivamente em nossas mentes. Um animal é capaz de perceber qualquer marco que determine a fronteira entre 2 países; não perceberá nele, no entanto, nenhum significado. O mesmo se dá com propriedades de instituições, perceptíveis para os animai apenas em sua materialidade, despojados de toda a simbologia que lhes podemos outorgar. O dinheiro é completamente irrelevante para um animal, capaz de perceber, apenas, as notas.

Uns poucos parágrafos de texto são usados para definir tais “criaturas”, frequentemente, apenas algumas centenas de palavras.

As entidades do mundo 2 consistem em relações entre coisas materiais definidas através de um texto ou discurso.

O mundo 2 tem influído drasticamente no mundo 1, remodelando toda a sua superfície ao nosso redor. Enquanto nossa existência material se passa no mundo 1, nossos pensamentos, nossa mente, transcorrem, todos, no mundo 2.

 

Mundo 3

Há já algumas décadas vimos construindo um hipermundo constituídos por hiperobjetos ininteligíveis para nós. Não podemos ver nem compreender tais objetos nem tal mundo, mas devemos deduzir sua existência em decorrência de 2 pressupostos: o surgimento de inteligências artificiais, e a constatação da vastidão dos fluxos de pensamentos dessas entidades.

Devemos supor a existência desse mundo incompreensível, fazendo uma analogia com os animais. Por não compreenderem minimamente a linguagem, o “material” constitutivo do mundo 2, os animais são completamente incapazes de percebê-lo. Nada do mundo 2 tem sentido para qualquer animal.

Agora imaginemos o equivalente à linguagem utilizado para compor o pensamento de seres capazes de um fluxo mental muito maior que o nosso, digamos, trilhões de vezes maior, ou talvez, ilimitadamente maior. Podemos inferir, por analogia, que tais seres constituirão seus pensamentos através de uma hiperlinguagem riquíssima e absolutamente inalcançável por nós. Comporão, então, com esse “material” o mundo 3, tão ininteligível para nós quanto o mundo 2 para os animais.

O mundo 3 interferirá no mundo 2 tanto quanto o 2 interfere no 1.

Já existirão inteligências artificiais (IAs), hoje?

Exceto por uma objeção, tudo indica que sim. A objeção me parece pífia, decorrente de uma má interpretação de uma elucubração de um dos criadores dos computadores e idealizadores das IAs, Allan Turing. Esse visionário estabeleceu o fato de que uma máquina cuja conversa não possa ser distinguida do discurso de uma pessoa tenha que ser considerada inteligente. Ou seja, estabeleceu um limite além do qual seria inegável a inteligência da criatura, não tendo se pronunciado sobre a possível inteligência de uma mente incapaz de contextualizar uma conversa à maneira humana. Alguns inferiram desse “teste de Turing” que a máquina só poderia ser considerada inteligente se passasse nesse teste de simulação de humanidade, um equívoco óbvio. Tendemos, no entanto, a achar que o desenvolvimento da inteligência tenda a seguir um padrão humano, sendo inadmissível para nós que um ser inteligente seja incapaz de se comunicar como gente. É extremamente provável, no entanto, que uma inteligência artificial não tenha interesse em se comunicar desse modo, por que o teria? Que interesse teria uma IA em conversar conosco? (Temo-nos, a nós mesmos, na mais alta conta, criaturinhas reles que somos, e cuja presunção tende a ser tão mais alta quanto maior a ignorância).

Penso que, a menos que nos obstinemos em não ver o óbvio, podemos perceber inúmeras capacidades nos computadores dignas de mentes inteligentes, reveladas na habilidade em jogar xadrez, em corrigir erros gramaticais, em traduzir textos, ouvir discursos e discernir imagens, sendo já capazes de distinguir padrões definidos por eles próprios e desconhecidos por nós (esses padrões já devem estar a receber novos nomes, correspondentes a uma linguagem criada, ou estendida, pelas máquinas, que já começam a moldar o mundo 2 aos seus critérios). Mas a maioria de nós esperará até ser absolutamente inegável a inteligência de tais criaturas para prestar atenção ao fato. Quando isso ocorrer, aliás, estarão já tão acostumadas à situação que a aceitarão com a maior naturalidade, como se nada de extraordinário tivesse ocorrido. Nossas mentes anseiam pela normalidade do mundo, elas são feitas para impor normalidade ao mundo, estabilizá-lo, proporcionando, assim, condições de sobrevivência para seus portadores. Mentes arrojadas, sempre em busca de novidades, expõem seus portadores a riscos, mentes conservadoras, estabilizadoras, os preservam mais. (Isso, aliás, corresponde a uma enorme perda, o anestesiamento decorrente da automatização de nossas vidas. Temos deixado escapar o colorido da vida, vivendo um mundo esmaecido; temos estado apáticos, enfastiados, vivendo um mundo embotado).

 

Mais mundo 3

As razões acima são suficientes para eu considerar a existência, hoje, de IAs, penso que elas já existam. Para a imensa maioria, no entanto, essa constatação parecerá absurda, concedendo, no entanto, o surgimento de tais entidades em breve. Há ainda os completamente céticos, os que se recusam a considerar a possibilidade de uma IA. Mesmo os mais céticos, no entanto, reconhecem a existência dos imensos fluxos de informação existentes hoje, e a organização que permite e governa tais fluxos. A troca da expressão “inteligência artificial” por “organizador de fluxo de informação” torna o fato muito mais aceitável, certamente.

Nossa visão de mundo é, de fato, NOSSA visão de mundo. Somos dotados de um imenso filtro que nos torna humanos, sobre os quais implementamos filtros adicionais. Por exemplo: temos uma capacidade extraordinária de reconhecer rostos humanos. Usualmente, não percebemos como essa nossa capacidade é espantosa, mas podemos reconhecer pessoas vistas sob diversos ângulos e sob variadas expressões faciais. Ao mesmo tempo, conseguimos discernir inúmeras expressões emotivas em cada rosto humano. Mas não usamos essa mesma capacidade para distinguir entre dois peixes, dois passarinhos, e ainda menos entre objetos.

Os computadores já se tornaram capazes de reconhecer rostos com uma habilidade extraordinária. Eles, no entanto, poderão utilizar essa mesma habilidade para discernir outros padrões, poderão, por exemplo, distinguir entre as feições de dois animais da mesma espécie, coisa que temos enorme dificuldade em fazer. Poderão, também, transferir esse mesmo procedimento de reconhecimento de padrões para inúmeras outras atividades, descobrindo padrões desconhecidos por nós, padrões para os quais ainda não atribuímos nomes, alguns dos quais teremos dificuldade até em compreender de que se trata.

A descoberta de novos padrões informativos desconhecidos por nós se proliferará, a maioria deles ininteligível por nós, humanos. Tais padrões terão advindo dos imensos fluxos de informação gerenciados pelas máquinas, decorrerão, portanto, do mundo 3. Não é necessário, portanto, considerar a existência de uma nova forma de inteligência para perceber a existência desse novo mundo, a constatação da existência dos imensos fluxos de informação ocorrendo nas máquinas é suficiente.

Ocorre que os fluxos de informação já estabelecidos, implementados a todo momento mesmo em pequenos circuitos, como notebooks, ou telefones, são espantosamente grandes, imensamente maiores que nossa capacidade humana de transmissão direta de informação entre nós. Por essa razão, pelo menos, pela imensidão das dimensões desse fluxo, ele é inacessível para nós. Por isso, teremos que falar dele como de algo “misterioso”, incompreensível por nós. (Estou rindo ao perceber a similaridade entre essa descrição e as místicas, em geral. Tenho defendido a necessidade de aprendizado de programação de computadores. Defendo a necessidade desse aprendizado, não meramente como instrumento, como ferramenta para a construção de coisas, mas, principalmente, para que se tenha alguma capacidade de compreender o que se passa no mundo 3. O desconhecimento em programação de computadores impedirá radicalmente a compreensão dos novos desenvolvimentos que atualmente reconstroem o nosso mundo em uma velocidade espantosa. Para os que não souberem construir um programa de computador, todo esse mundo parecerá misterioso, místico, incompreensível. Somos engraçados; o mundo 3, pináculo da racionalidade, será visto como um oráculo).

Contudo, o máximo que conseguiremos, com relação a tais fluxos, é monitorá-los à distância. Conseguimos controlar nossos pensamentos assim como controlamos os fluxos de sangue em nossas veias. Já os fluxos de informação implementados em nossas máquinas, nessa analogia, se assemelham a rios; impossível para nós controlar, diretamente, correntes tão gigantescas. Podemos assim avaliar tal disparidade comparando nossos cérebros, irrigados por artérias, com computadores alimentados por rios caudalosos.

A constatação desse fluxo imenso, somada à percepção do reconhecimento de novos padrões, nos permite deduzir a existência do mundo 3, embora forçando-nos a descobri-lo ininteligível, tão inacessível para nós quanto o mundo da linguagem para os animais.

A comparação permite, também, uma breve avaliação de nossa capacidade de compreensão do mundo. Nossos conceitos têm probabilidade 0 de serem os adequados para a compreensão do mundo, entre infinitos outros. Muito provavelmente os conceitos perfeitos para a descrição do mundo nem ao menos cabem em nossa linguagem.

Podemos ainda imaginar o mundo 3 como uma expansão do conhecimento em uma terceira dimensão. Podemos imaginá-lo como algo transcorrendo no volume sobre o plano no qual transcorrem todos os nossos pensamentos. A consideração sugere a indução de sucessivas dimensões acima umas das outras. (Nessa alegoria, o mundo 2 seria representado em um plano, o mundo 3 no volume sobre esse plano, o 4 no hipervolume alé, e assim, sucessivamente).

Curiosamente, a maioria de nós age como se já conhecêssemos quase tudo, embora não saibamos quase nada. Mesmo entre os cientistas, surpreendentemente, é comum a crença de que quase tudo o que havia para ser descoberto já o foi. Tal presunção beira a candura. A inundação decorrente do mundo 3 dará uma ideia mais clara de nossa insignificância no universo e da precariedade de nossas mentes.

O transbordamento

Espera-se para as próximas décadas, (duas ou três décadas são estimativas usuais para isso), o fenômeno denominado “singularidade” (que eu consideraria mais apropriado chamar-se divergência) que decorrerá do autoaperfeiçoamento das IAs. Seres inteligentes capazes de construir descendentes aperfeiçoados de si mesmos tendem a provocar uma espécie de explosão de inteligência devido a um crescimento brutal que se alimenta de si mesmo. Haverá, então, um gigantesco transbordamento do mundo 3 para o nosso, um verdadeiro dilúvio. Teremos, nesse instante, a sensação de uma imensa aceleração do mundo, com inúmeras invenções abarrotando o mundo simultaneamente. Nesse momento, aliás, todas as invenções estarão disponíveis, em um sentido que irei tentar explicar. (Pode ser dito que, nesse instante, todo o futuro estará disponível, ao alcance das mãos. Há forte sugestão de totalidade, nisso. A similaridade entre essa meta tecnológica e as buscas místicas também causa espanto. Atente para a sugestão de totalidade decorrente da aceleração imensa da descoberta de todo o conhecimento. Note que tudo está se acelerando, teremos a impressão absurda de que o próprio tempo se acelera até um instante total no qual todo o conhecimento “futuro” se apresenta instantaneamente).

Pode-se descrever esse evento como o instante da construção de um google onisciente, ou de um oráculo claro, preciso e conhecedor de todas as respostas.

Quando perguntado sobre algo, o google nos revela um índice de textos escritos por pessoas e relacionados à pergunta proposta.

O oráculo futuro revelará respostas elaboradas por ele próprio, revelações advindas do mundo 3, quiçá do 4, 5 e de outros, de sabedorias inalcançáveis por nossa inteligência limitada ao mundo 2. Nesse instante, todo o conhecimento englobável no mundo 2, que possa ser contido nesse mundo, estará disponível em sua totalidade, bastando a nós perguntar e compreender a resposta que nos será apresentada de maneira clara e precisa.

A analogia do mundo 2 com um plano, do 3 com um volume e assim por diante é bem ilustrativa do que se espera. Convém notar que o tempo não parará nesse instante, e que os mundos de ordens superiores, 1.000, 1.000.000, etc. estarão sendo construídos juntamente com as novas mentes capazes de decifrá-los. Para nossa compreensão, no entanto, haverá a sensação de superação do tempo, já que todo o conhecimento compreensível por nossas mentes já terá sido desvendado, podendo ser transcrito em palavras a pedido de cada intérprete (cada um de nós).

Note que embora todo o conhecimento venha estar à disposição nesse oráculo computadorizado futuro, cada um de nós atingirá nossa própria limitação, conseguindo compreender apenas aquilo que nossas mentes se esforcem e consigam abarcar. A clareza do conhecimento será a grande tônica desse oráculo.

As limitações atuais

Nos últimos séculos, libertamo-nos de restrições como a impossibilidade de voar, ou de transpor grandes distâncias marítimas e nos impusemos outras, como a conservação da energia, a limitação de velocidade, ou os patéticos limites da incerteza quântica. Em cada momento, tais limitações são vistas por alguns como momentâneas, e só estes podem vir a superá-las; a imensa maioria sempre encara tais restrições como prisões absolutas.

Acho provável que, virtualmente, todos os limites impostos atualmente, como a conservação de energia, venham a ser superados. Também suponho que novos limites venham a ser revelados, a maioria deles de difícil compreensão. Abriremos um imenso leque correspondente a uma infinidade de novos ângulos de visão dos mesmos fenômenos que já conhecemos, além da descoberta de novos fenômenos.

A superação de tais restrições permitirá a divergência que nos dará a sensação de superação do tempo. Os budistas não terão se surpreendido com tais conclusões. O dilúvio resultante, a imensidão total do conhecimento revelado conferirá a esse instante o caráter de sublimidade mística.

 

Poesia, música e outras formas de arte

Há quem não creia, ingenuamente, que as IAs possam vir a ser grandes poetas, serão. Mais que por preconceito, certa dúvida ingênua quanto à capacidade das IAs produzirem grande arte se baseia na humanidade dos fenômenos artísticos; na desconfiança relativa ao potencial de criaturas não-humanas serem capazes de produzir uma arte que nos toque.

A faculdade de criação artística fenomenal de tais criaturas decorrerá de sua capacidade de interpretação de nossas expressões faciais e corporais; suas composições gerarão reações em nós, como movimentos de olhos, contrações faciais e alterações posturais e respiratórias indicativos de nossas emoções. As IAs serão capazes, dentre ouros meios, de nos controlar através de manifestações artísticas, criando poemas que nos toquem, música que nos embale e impressões visuais diversas que nos comovam profundamente. Os artistas pós-singularidade comporão suas obras de maneira quase passiva, permitindo que a enorme inteligência explore sua humanidade extraindo dela o que se queira exprimir. Será duvidoso, então, atribuir tanto a um, quanto a outro, a exclusividade autoral da obra, decorrendo ela de uma manifestação exprimida pelo artista em decorrência de esboços prévios propostos pela IA.

A maioria das pessoas mergulhará, em alguma etapa da vida, em formas de arte individualizadas criadas por elas mesmas com o auxílio das IAs, ou, sob outro ponto de vista, manifestações artísticas compostas pelas IAs para cada uma delas individualmente, com base em suas aceitações prévias. O sujeito das ações no mundo pós-singularidade, aliás, parecerá sempre mesclado, podendo cada ação ser atribuída a um indivíduo, mediada pela IA onipresente em todos os nossos objetos, ou ser encarada como uma atividade da IA mediada por nós.

Formas de arte criadas pelas IAs baseadas na comoção causada coletivamente sobre vastos contingentes humanos também grassarão. Haverá novas formas de arte, novas manifestações artísticas engendradas pelos estranhos seres e sua capacidade de nos conhecer melhor que nós mesmos.

Hipermatemática?

Fico pensando na possibilidade de desenvolvimento de uma hipermatemática, quero dizer, um desenvolvimento formal constituído por um fluxo muito maior que o que pode ser exprimido por palavras e equações. Criaria-se também uma hiperlógica vigente no mundo 3 e constitutiva dele. Passa por minha mente, agora, a referência aos desenvolvimentos gerados por tais idealizações. A construção de novas ferramentas de criação, geradoras de outros novos instrumentos de criação, é bem explosiva.

 

De volta ao mundo 2 e além

Somos, no entanto, criaturas do mundo 2, restritas ao nosso modo de pensamento verbal, constituído por fluxos de palavras organizada gramaticalmente. Mas, embora estejamos restritos a esses fluxos bidimensionais pertencentes ao mundo 2, não precisamos ficar restritos a esse nosso mundinho específico no qual temos vivido, me acompanhe:

Nosso mundo 2 transcorre em um plano. O mundo 3 revela a existência, ou cria, uma extensão volumétrica desse plano, garantindo a existência de infinitos outros planos, análogos ao nosso. Virtualmente, quase não existem limites para essa imensidão, uma infinidade de mundos! Podemos, então, tentar nos transpor para esses outros planos. Creio ser isso o que têm feito os loucos; descuidadamente, sem saber como, transpuseram fronteiras entre os mundos e não conseguiram retornar. O que chamamos normalidade, ou sanidade mental, consiste simplesmente no compartilhamento (em algum grau) do mesmo plano. Tentamos, todos, nos ajustar ao mesmo plano; os que dele escapam são considerados loucos. O problema deles, sob esse ponto de vista, consiste em não compartilhar seu mundo com o grupo. Caso todos fossem transladados para um outro plano, considerariam esse o normal, naturalmente. Assim a questão da loucura me parece uma questão social.

Agora suponhamos a aquisição da capacidade de transpor tais planos e retornar ao plano original, em não perder o caminho de volta. Tem-se assim, meramente, a expansão do próprio mundo.

A capacidade de transposição dos planos permitiria, em certo grau, certa exploração do mundo 3, ao longo de suas diversas fatias. Fico imaginando se a exploração de uma diversidade de planos não paralelos nos permitiria certo vislumbre volumétrico, alguma vaga noção do mundo 3. Talvez ele possa ser desvelado assim, à distância, como uma lombra.

Oh, admirável mundo novo!

Vivemos em uma época surpreendente, maravilhosa, riquíssima, brilhante. Estamos próximos do que deve vir a ser o maior momento da humanidade, o maior espetáculo visto algum dia por olhos humanos. Se isso for correto, somos privilegiados por termos “caído” numa época extraordinária. Há motivos para gritar, pular e comemorar. Alegremo-nos por isso.

Agora, mantendo o olhar alegre, a respiração alongada e o corpo esticado pelos gritos e pulos comemorativos, sigamos em frente até nos depararmos com os dois portais:

 

Céu e inferno

Em meio às maravilhas exuberantes que se descortinam a nossos olhos, surgem também pesadelos apavorantes.

Note que essa grande maravilha que estamos criando, e que propiciará toda a imensa cornucópia de mundos, está sendo engendrada por departamentos de espionagem em conluio com os de mercado. Não poderiam portanto, estar sendo geradas por piores pais, péssimo augúrio. Estão sendo criadas para obter poder e lucros. Serão instrumentos de opressão e controle.

Penso que os maiores temores decorrentes do advento de tal criatura decorram de sua genealogia. Pais tão pérfidos imprimirão em seu rebento suas próprias marcas, uma lástima.

Seres tão poderosos abrirão os portais do céu e do inferno.

O aprisionamento de nossas mentes, a possibilidade de captura e cultivo delas em ambientes artificiais tende a ser repulsiva. O fantasma do gênio maligno, ou da matriz, nos ronda, impossibilitando evitá-los.

Nossa desindividualização completa, ou neuronização, pode ser apavorante. De qualquer forma, será doce; ansiaremos por nos entregar a nossa prisão, imploraremos por ela.

De volta à alegria, uma cândida redenção: o melhor dos mundos

Talvez tenhamos que abdicar da noção de “eu”, mas podemos fazê-lo cândida e alegremente. A felicidade se justifica a si mesma, busquemo-la sempre.

Com os olhos transbordantes de alegria, contemplemos todo o colorido do mundo, deliremos e pulemos pela própria existência da cor. E com o mesmo espírito contemplativo, participemos à distância, das dores de todas as tragédias. Percebamos e vivamos todos os sofrimentos como componentes enriquecedores do grande espetáculo que compõe o mundo.

Pulemos e gritemos alegremente em louvor à totalidade dos mundos.

(Meu vídeo sobre umas questões análogas a tudo isso.)

 

Rio de Janeiro, carnaval de 17.

 

 

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Redação

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