Entre a advocacia e a judicatura administrativa

Por Antonio Sepulveda, Flávio Franco, Henrique Rangel e Igor de Lazari 

Em grande medida, as normas jurídicas estimulam condutas positivas ou negativas. Constituindo mecanismos postos à disposição do arquiteto institucional, as normas jurídicas podem incentivar determinados comportamentos ou, ainda, desencorajá-los. 

Recentemente, pôde-se testemunhar interessante exemplo de modificação normativa que já impinge efeitos sobre o perfil dos futuros julgadores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – última instância de julgamento de controvérsias tributárias federais.

Por consequência da Operação Zelotes – procedimento investigatório deflagrado no intuito de apurar informações sobre esquema de venda de decisões administrativas na esfera tributária federal – o Governo Federal, paralelamente ao desenvolvimento de estudos técnicos sobre a estrutura e funcionamento, já promove substanciais alterações no desenho normativo do CARF.

No âmago dos debates sobre as mudanças institucionais apresentam-se opiniões para todo gosto. Em posição extrema, defende-se a extinção do tradicional “Tribunal” administrativo, em cuja composição estão presentes tanto conselheiros indicados pelo Fisco federal (auditores fiscais da Secretaria da Receita Federal do Brasil) quanto pelas Confederações, ou seja, representantes dos contribuintes (na maior parte, advogados).

 Porém, visando à manutenção do CARF na estrutura estatal, o Poder Executivo, em medida instrumentalizante da democracia, realizou consulta pública, no intuito de acolher contribuições da sociedade para o aperfeiçoamento do novo Regimento Interno do órgão. A reforma pretende, entre outros objetivos, minimizar a influência do poder econômico sobre os conselheiros e evitar a indesejada manipulação dos julgamentos administrativos, porquanto, segundo entendimento da Procuradoria da República, a teor das notícias dos jornais, a composição do órgão propiciaria a corrupção dos julgadores.

Seja como for, a sociedade espera que, por meio de novas linhas institucionais (redesenho), construam-se mecanismos que moldem a atuação dos conselheiros do CARF às diretrizes ditadas pela razão pública.

No escopo das medidas preventivas, foi publicado, há poucas semanas, o Decreto Presidencial nº 8.441/15, que prevê, inovadoramente, a remuneração dos julgadores representantes dos contribuintes. A partir de então, os conselheiros indicados pelas Confederações, que nada recebiam dos cofres públicos a título remuneratório, passarão a perceber, no máximo, o valor mensal de R$ 11.235,00 (onze mil e duzentos e trinta e cinco reais). Em contrapartida, estarão sujeitos às restrições ao exercício de atividades profissionais em conformidade com a legislação e demais normas dos conselhos profissionais a que estejam vinculados, o que inclui a vedação ao exercício da advocacia, determinada por recente decisão do pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Aliás, mesmo os profissionais de áreas distintas do Direito – economistas e contadores, por exemplo – não podem atuar, ao tempo do mandato no CARF, ainda que informalmente, como procuradores, consultores, assessores ou intermediários de interesses privados nos órgãos ou entidades da Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma do artigo 5º, inciso IV, da Lei nº 12.813/2013, sob pena de configurar conflito de interesse, sujeitando o infrator ao rigor da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).

Comenta-se que a instituição daquela remuneração – “relativamente baixa” comparativamente ao mercado e ao subsídio percebido pelos representantes do Fisco – aliada à restrição ao exercício da profissão, criaram desestímulo à permanência de conselheiros representantes dos contribuintes no CARF. Tanto o é que a grande maioria dos advogados tributaristas, em exercício no órgão, solicitaram recentemente exoneração da função judicante. 

Por isso, a questão premente que se coloca para fins de reflexão diz respeito ao perfil dos novos julgadores que virão a ocupar a representação dos contribuintes, uma vez que a introdução desse mecanismo preventivo – o pagamento de remuneração conjugado com a proibição do exercício de atividade profissional conflitante, em tese, com a função julgadora – teria diminuído a atratividade da função julgadora.

 Se a remuneração estabelecida em favor dos representantes dos contribuintes não constituir incentivo suficiente para atrair profissionais capacitados, caberá à Administração Pública rever o estímulo proposto, tendo em vista a concorrência, em mercado de trabalho de alta qualificação, com consultorias e escritórios especializados.

 Diga-se, a propósito, que este mesmo fenômeno comumente ocorre quando a Administração Pública quer contratar mediante concurso público, pois a remuneração oferecida é um dos termômetros de medição do interesse da população a que se destina a chamada. Não custa lembrar que essa avaliação, em breve, será possível de ser realizada empiricamente no repaginado CARF, tendo em vista a publicação do novo Regimento Interno, aprovado recentemente pela Portaria MF nº 343, de 9 de junho de 2015. 

 Antonio Sepulveda (professor e doutorando em Direito/UERJ), Flávio Franco (professor e mestre em Direito/UFRJ), Henrique Rangel (mestrando em Direito/UFRJ) e Igor de Lazari (graduando em Direito/UFRJ) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – PPGD/UFRJ.

Redação

11 Comentários

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  1. Realmente, se a remuneração

    Realmente, se a remuneração dos conselheiros ficar abaixo dos valores de mercado, corre-se risco de esvaziamento dos quadros do antigo Conselho de Contribuintes. Parabéns aos autores, excelente artigo!

  2. CARF e sua composição

    Com essas novas medidas, a composição do Conselho pode ficar seriamente afetada.

    Como dito pelos autores do artigo, só o tempo dirá.

    Parabéns aos autores do brilhante artigo.

  3. Em tempos de crise e

    Em tempos de crise e considerando o subdesenvolvimento do País, o valor remuneratório oferecido aos Conselheiros parece bem razoável. Todavia, tais especialistas devem perceber muito mais na iniciativa privada.

    Além de atual, o artigo está muito bem escrito.

  4. política

    Esclarecedor e bem escrito, tanto na forma quanto no conteúdo.

    É preciso repensar o modelo institucional, fundamental para superar este momento de crise, sobretudo moral.

    Parabéns aos subscritores. 

  5. Composição do CARF

    Interessante artigo sobre as repercussões normativas sobre o CARF.

    Fico na dúvida se o objetivo colimado será alcançado.

    Parabéns aos coautores!!!!!!!!!!

  6. CARF

    Entre o serviço público e a iniciativa privada, tudo levar a crer que os Conselheiros que atuavam no CARF preferiram a vida privada. Agora, nos resta esperar que ver o que acontecerá nos próximos capítulos. Fica difícil estabelecer que tipo de julgador teremos no Conselho a partir das inovações do Regimento Interno.

  7. Em meio a tantas matérias e

    Em meio a tantas matérias e reportagens sobre o assunto, fiquei surpresa com a clareza e a excelente forma como este artigo foi escrito.  Parabéns aos autores!

  8. Entre advocacia e a judicatura administrativa

    Não só a lei deve ser avaliada antes de sua publicação, mas também deve-se procurar antever os efeitos que ela produzirá no meio social. As consequencias dessas alterações podem ser nefastas para o Conselho, instituição tradicional na esfera federal brasileira. 

     

  9. Influência da remuneração na qualificação de conselheiros

    Será que é possível concluir que a proibição ao exercício da advocacia, conjugada com a remuneração estipulada, contribuirá para “minimizar a influência do poder econômico sobre os conselheiros e evitar a indesejada manipulação dos julgamentos administrativos”?

    Artigo trata de tema extremanente relevante e atual, com altíssima qualidade técnica.

     

  10. Política

    A abordagem do artigo traz uma forma diferente e inovadora no trato das instituições públicas.  Os articulistas analisam a questão normativa a partir de uma perspectiva mais concreta. Gostei muito da forma com que foi tratado o tema.

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