FORA DA RETA

A lógica de Marcelo Coelho é inalcançável. Limito-me a reproduzi-la, sem conseguir entendê-la. 

Em suma, disse o seguinte. É impossível que um tribunal erre na tipificação e também na dosimetria. Se erra na dosimetria, não pode errar quanto à tipificação. E se erra na tipificação, pelo menos na dosimetria ele acerta. Como Barroso afirmou que houve dois erros, e não um, é Barroso que está errado, não o tribunal. Ao contrário dos tribunais, afinal de contas, o ministro Barroso está livre para errar quantas vezes achar necessário, q.e.d.

Feito esse raciocínio cristalino, Marcelo Coelho se empolga, e resolve ir além. Conclui que, inexistindo quaisquer razões jurídicas para que Barroso tenha votado como votou, é forçoso admitir que seu voto foi político. Joaquim Barbosa, que está se lançando na carreira política, esse, não. Votou com a consciência, e com base na melhor doutrina disponível. De mais a mais, ao contrário de Barroso e dos tribunais, Barbosa não erra nunca. Nem mesmo quando acusa um colega de estar usando a toga para fazer política. 

É do peru…

 

FORA DA CURVA

Marcelo Coelho

 

Por pouco não acabava mal a sessão de ontem do STF, julgando os últimos recursos do mensalão. O presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, mais uma vez foi perdendo a paciência. Na circunstância, entretanto, Barbosa tinha razão. O mais novo ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, encaminhava-se para livrar os réus da condenação pelo crime de formação de quadrilha.

Até aí, não haveria grande surpresa. Quatro votos (Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia) já tinham sido dados, meses atrás, nesse sentido.

Para esses ministros, Marcos Valério, Dirceu e companhia não constituíram um bando estável, dedicado a cometer crimes indeterminados, que pusesse em risco a “paz pública”, como estabelece o Código Penal. Tratava-se apenas de uma junção de várias pessoas, com funções próprias, dedicada ao propósito da compra de votos parlamentares.

A diferença entre uma coisa e outra, segundo o exemplo clássico do jurista Nelson Hungria, pode ser entendida se pensarmos no grupo de Lampião. A mera passagem do bando de cangaceiros por uma cidadezinha era suficiente, claro, para que ninguém pusesse os pés fora da porta de casa. Mesmo sem fazer nada, Lampião e seus comparsas ameaçavam o sossego geral; a mera existência do grupo já constituía um ato criminoso.

Os mensaleiros, sem mensalão, não constituiriam ameaça nenhuma. Não eram “quadrilha”, nesse sentido. Apenas o mensalão, e não algum modo de vida turbulento, fez com que se unissem ao longo de vários anos.

Se quisesse, Barroso poderia somar-se aos que defendem essa tese, sem maiores inovações. Mas ele escolheu um caminho estranho.

Primeiro, repetiu suas críticas ao sistema político brasileiro, que induz à corrupção. Era, naturalmente, mais um de seus acenos à opinião pública. Rememorou então um famoso artigo que tinha escrito antes de ser conduzido ao STF. O julgamento do mensalão, repetiu, era um “ponto fora da curva”. Primeiro, porque políticos raramente são condenados no Brasil. Segundo, porque a severidade das penas foi fora do normal.

Era o caso das penas relativas ao crime de quadrilha. Em alguns casos, chegaram perto do teto permitido pela lei. Mesmo para o crime de corrupção a dosimetria do STF tinha sido mais moderada.

Barroso deu a entender que a corte exagerou para evitar a prescrição. É que, quando as penas são baixas demais, e muito longo o tempo transcorrido entre o crime e a condenação, o Estado perde o direito de punir o criminoso.

A suposição de Barroso era razoável. Dito isso –o que aliás punha sob suspeita toda a decisão do plenário–, ele foi adiante. Calculou, numa hipótese teórica, a pena “real” que os acusados deveriam receber, caso o tribunal não tivesse exagerado na dose. Concluiu então que o caso da quadrilha estava prescrito.

Veio o acréscimo espantoso: de todo modo, os réus não tinham cometido esse crime! Joaquim Barbosa esbravejava. Barroso mantinha a fleugma.

Foi Cármen Lúcia quem apontou a incoerência de Barroso. Como calcular uma pena mais branda para o réu, se ao mesmo tempo se está absolvendo o mesmo réu? Se ele não cometeu nenhum crime, por que imaginar que sua pena deveria ser, “em tese”, de tantos anos a mais ou a menos?

Barroso queria reforçar a tese de seu artigo, no sentido de que as penas foram altas demais. Mas é possível que também não quisesse ficar com o estigma de quem virou o jogo.

Era contra a condenação, mas não quis repetir a tese mais simples, e impopular, de que não houve quadrilha. Preferiu fazer cálculos meio fora de hora sobre as penas que deveriam ter sido e que não foram.

Foi ele, na verdade, o “ponto fora da curva”. Na prática, dava no mesmo: livram-se os réus do crime de quadrilha. Mas não se livrou Barroso da opinião que de fato tinha a esse respeito.

 

    Redação

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