Memórias de uma mulher e um país impossível

Rose Marie Muraro

A trajetória de Rose Marie Muraro (1930-2014)

por Ana Paula Alcântara

Para compreender o legado da brasileira Rose Marie Muraro é preciso descobrir a autobiografia Memórias de uma mulher impossível. Depois da leitura você vai corrigir essa frase anterior, pois para entender a História recente do Brasil é necessário ler este livro.

“Tinha de ser a Rose Marie para poder dar este título, Memórias de uma mulher impossível, ao relato de sua vida. Pois esta biografia, além de mostrar um período da vida brasileira raramente descrito sob este ângulo, alguém ligado a Igreja mas não pertencente a sua hierarquia, mostra uma mulher que suplantou todas os espinhos que o destino foi colocando à sua frente”. Este é um trecho do texto de Marta Suplicy escrito especialmente para a contracapa da biografia de Rose Marie Muraro, lançada em 1999.

Segundo o Dr. Philip Evanson co-autor da obra explica no livro, Memórias de uma mulher impossível começou como um projeto de histórico oral em junho de 1997 na Filadélfia, Estados Unidos, onde Rose Marie Muraro estava cumprindo um período como pesquisadora e professora visitante na Universidade de Temple, através de uma bolsa da Fundação Fullbright.

Rose concordou em responder a Philip uma série de assuntos pré-selecionados que fossem representativos do seu trabalho, de sua vida e de sua militância. O que havia sido concebido como um depoimento se tornou uma autobiografia publicada pela Editora Rosa dos Tempos em 1999. Ao mesmo tempo a obra é uma contribuição para a história do Brasil contemporâneo.

O trabalho de Rose Marie Muraro a fez ser reconhecida e eleita nove vezes a Mulher do Ano e duas vezes uma das Mulheres do Século. A biografia nos evidencia os muitos exemplos de conquistas de Rose que nos faz esquecer das dificuldades sofridas, desde seu nascimento. Rose era praticamente cega e só conseguiu melhorias na visão aos 66 anos, quando ela finalmente conseguiu ver seu rosto de fato.

A intelectual polivalente nos deixou este ano. Rose faleceu em decorrência de um câncer na medula, no último dia 21 de junho deixando um legado sem precedentes nas diversas áreas que atuou. Além dos pensamentos fortes e revolucionários, dos livros, verdadeiros best sellers do século XX e das pesquisas publicadas em diversos países, Rose deixou vivo um Instituto Cultural, criado em 2009 e dirigido pela filha Tônia. A fundação localizada no Rio de Janeiro promove diversos eventos e oficinas culturais.

Para Tônia a maior lição de vida que sua mãe deu foi a coragem de transgredir e buscar a plenitude da vida. “Rose Muraro foi uma mulher transgressora desde o dia em que nasceu lutando por sua própria sobrevivência. Foi condenada a morte, a cegueira, a não ter filhos, a não ler e nem trabalhar, mas transgredindo as leis físicas e as do homem, aprendeu a ler sozinha, começou a escrever aos 15 anos, trabalhou desde então, teve cinco filhos, foi militante ativa e escritora de mais de quarenta títulos. E ainda venceu duas vezes o câncer, mas na terceira partiu deste mundo” explica.

A filha da feminista acredita que o legado cultural de Rose se funde com a história do Brasil. “Ela conviveu e trabalhou com Dom Helder Câmara na Igreja Católica, viveu e militou na ditadura, participou da construção da democracia, vivenciou as transformações tecnológicas do mundo, com uma biblioteca de mais de três mil títulos, estudou e pesquisou ao longo de seus oitenta e três anos, tendo produzido desde poesias às varias obras sobre a condição da mulher brasileira, a construção de um mundo mais humano e até sobre novas formas de economia, e sempre com seu olhar feminino. Foi palestrante e professora de varias universidades e instituições brasileiras e internacionais. Nos EUA conferenciou em seiscentas universidades e muitas delas adotaram alguns de seus livros para o Departamento de Estudos da Mulher Latino Americana”.

Como escritora e editora, ao lado de Leonardo Boff, Rose criou os dois maiores movimentos sociais do Brasil na época: o Movimento das Mulheres e a Teologia da Libertação. Criou a primeira editora de mulheres do Brasil em sociedade com Laura Civita, Ruth Escobar e a Editora Record. Foi fundadora do Conselho Nacional dos Direitos da Mulheres e nomeada pelo governo federal a Patrona do Feminismo Brasileiro.

Segundo sua filha, Rose foi sim, uma poeta e mulher visionária, que viveu do impossível, guerreira e vencedora, dedicou toda sua vida à luta por uma sociedade mais justa e abriu o caminho para as mulheres conquistarem seus direitos e cidadania. Como sempre dizia: “entre homens e mulheres deve haver diferenças, mas não desigualdades”. E assim lutava para conquistar a igualdade entre os seres humanos e a harmonia com nosso planeta. E falava ainda: “eu mudei a cabeça de várias gerações… quem educa uma mulher educa uma geração inteira…” E Rose sempre trabalhou para fazer a diferença em nossa sociedade.Rose Marie Muraro tornou-se uma das grandes referências brasileiras na área de estudos de gênero.

Atualmente o ICRM – Instituto Cultural Rose Marie Muraro tem a responsabilidade de acolher, conservar e difundir o acervo cultural da escritora. Em parceria com a SPM/PR o ICRM está a caminho de realizar o último desejo de Rose: o de garantir que seu legado seja transmitido às gerações futuras. “Para tanto estamos criando, física e virtualmente, a partir do acervo da escritora e outras obras de grande relevância, a primeira biblioteca brasileira especializada nos estudos de gênero. Se nosso processo de convênio e busca de parcerias der certo, a Biblioteca Rose Marie Muraro será instalada na sede do ICRM situado no Rio de Janeiro, e deverá ser inaugurada final de 2015. Estamos também captando recursos para ainda este ano homenagear os 84 anos de Rose Muraro, com um curta sobre as varias facetas de sua vida a ser lançado em novembro, mês de seu aniversário, no ICRM e posteriormente em várias outras salas”, explica Tônia.

A filha caçula de Rose lembra que na década de 1990 teve o privilégio de trabalhar com a mãe na Editora Rosa dos Tempos, a primeira editora feminista do Brasil, onde publicou obras maravilhosas sobre estudos de gênero. “Foi um lindo trabalho. Em 2010 abandonei um emprego de dezesseis anos numa grande multinacional para me dedicar a Rose e ao nosso Instituto. Participei então da criação e do lançamento de seus dois últimos livros e fizemos vários trabalhos juntas, Fiz o que pude para ampará-la e tentei absorver o máximo de seu final de vida que não foi nada fácil”. Tônia destaca que a última transgressão da mãe foi em outubro de 2013 quando se expôs publicamente para conscientizar a sociedade brasileira da condição de vida de suas mulheres, que como ela não conseguem ter uma velhice merecedoramente digna depois de mais de 60 anos de dedicação ao Pais. E o resultado disso foi uma campanha solidária que a ajudou financeiramente a sair do vermelho e a criação do prêmio Rose Marie Muraro que a SPM/PR concretizou no mês passado por edital para as mulheres com mais de 75 anos que tenham dedicado suas vidas em prol da conquista dos direitos da mulher.

Para compreender mais a importância da vida desta brasileira na nossa sociedade sugiro ler o artigo de Leonardo Boff

– A saga de uma mulher impossível

http://leonardoboff.wordpress.com/2014/06/22/rose-mrie-muraro-a-saga-de-uma-mulher-impossivel/

 

Redação

4 Comentários

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  1. reportagem

    Ana parabens pelo seu trabalho, espero que possa alcançar muitas(os) internautas lhes trazendo um pouco mais conhecimento de noss Historia. um grande abraço Tônia Muraro

    1. Agradecimento

      Obrigada Tônia pela oportunidade e pelas palavras. Parabéns pelo trabalho e pela disposição de dar continuidade a obra espetacular de sua mãe. Abraços

  2. tive o prazer de conhecê-la

    tive o prazer de conhecê-la pessoalmente em um Seminário sobre a Mulher  lá em Salvador quando ela militava na Movimento Feminino.. pessoa doce, inteligente e muito preparada intelectualmente , mais uma grande perda para a sociedade brasileira..

  3. Mil vezes maravilhosa

    Não existem palavras que consigam descrever a grandeza dessa mulher; tudo fica pequeno diante de seu exemplo. Ave, Rose Maria Muraro.

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