Primeiros sinais de matéria escura a auto-interagir?

A matéria escura pode afinal não ser completamente escura

15 de Abril de 2015

Nota à imprensa do ESO, traduzida por Gustavo Rojas

Pela primeira vez, matéria escura pode ter sido observada interagindo consigo mesma de uma maneira que não é através da força da gravidade. Observações de galáxias em colisão obtidas com o Very Large Telescope do ESO deram as primeiras pistas intrigantes acerca da natureza desta misteriosa componente do Universo.

Com o auxílio do instrumento MUSE montado no VLT do ESO, no Chile, e de imagens do telescópio espacial Hubble, uma equipe de astrônomos estudou a colisão simultânea de quatro galáxias do aglomerado de galáxias Abell 3827. A equipe pôde traçar onde é que a massa se encontra no sistema e comparar a distribuição de matéria escura com as posições das galáxias luminosas.

Embora a matéria escura não possa ser observada, a equipe pôde deduzir a sua localização usando uma técnica chamada lente gravitacional. A colisão ocorreu, por mero acaso, em frente de uma fonte muito mais distante, sem relação nenhuma com estes objetos. A massa da matéria escura em torno das galáxias em colisão distorceu fortemente o espaço-tempo, fazendo desviar o caminho percorrido pelos raios de luz emitidos pela galáxia distante que se encontra no campo de fundo – e distorcendo por isso a sua imagem em características formas de arcos.

O que sabemos atualmente é que as galáxias existem em meio a aglomerações de matéria escura. Sem o efeito confinante da gravidade da matéria escura, galáxias como a Via Láctea se despedaçariam à medida que giram. Para que isso não aconteça, 85% da massa do Universo [1] deve existir sob a forma de matéria escura, no entanto a sua verdadeira natureza permanece ainda um mistério.

Neste estudo, os astrônomos observaram as quatro galáxias em colisão e descobriram que uma das aglomerações de matéria escura parece estar ficando para trás da galáxia que rodeia. A matéria escura encontra-se atualmente 5000 anos-luz (50 000 trilhões de quilômetros) atrás da galáxia – a sonda espacial Voyager da NASA levaria 90 milhões de anos a chegar a uma tal distância da Via Láctea.

Um desvio entre a matéria escura e a sua galáxia associada é algo que se prevê que possa acontecer durante colisões se a matéria escura interagir consigo própria, mesmo que de forma sutil, através de forças que não a gravidade [2]. No entanto, nunca se observou anteriormente matéria escura interagindo de outro modo sem ser por ação da força da gravidade.

O autor principal do estudo Richard Massey, da Universidade de Durham, explica: “Pensávamos que a matéria escura estava apenas ali, não interagindo de outra forma que não fosse pelo efeito da gravidade. No entanto, se a matéria escura está a ficar lentamente atrasada durante esta colisão, isto pode ser a primeira evidência de uma rica física no setor escuro, ou seja, no Universo escondido que nos rodeia”.

Os pesquisadores dizem que precisam investigar outros efeitos que poderiam também dar origem a este atraso. Terão que ser feitas observações semelhantes de outras galáxias e simulações de computador de colisões de galáxias.

Liliya Williams, membro da equipe da Universidade de Minnesota, acrescenta: “Sabemos que a matéria escura existe devido ao modo como interage gravitacionalmente, ajudando a moldar o Universo, mas sabemos ainda muito pouco sobre o que ela realmente é. As nossas observações sugerem que a matéria escura pode interagir através de forças sem ser a gravidade, o que significa que poderemos excluir algumas teorias chave sobre a sua natureza”.

Este resultado dá sequência a um resultado recente desta equipe, que observou 72 colisões de aglomerados de galáxias [3] e descobriu que a matéria escura interage muito pouco consigo própria. O novo trabalho, no entanto, diz respeito ao movimento das galáxias individuais, em vez de tratar dos aglomerados de galáxias como um todo. Os pesquisadores dizem que a colisão entre estas galáxias poderia ter durado mais tempo do que as colisões observadas no estudo anterior –  permitindo que os efeitos de mesmo uma força de atrito minúscula crescessem com o tempo, dando origem a um desvio possível de ser medido [4].

Em conjunto, estes dois resultados limitam o comportamento da matéria escura pela primeira vez – ou seja, a matéria escura interage mais do que “isto”, mas menos do que “aquilo”. Massey acrescenta: “Estamos finalmente chegando na matéria escura, vindos de cima e de baixo – ou seja, vamos confinando o nosso conhecimento nas duas direções”.

Notas

[1] Os astrônomos descobriram que o conteúdo total massa/energia do Universo está separado segundo as seguintes proporções: 68% de energia escura, 27% de matéria escura e 5% de matéria dita normal. Por isso, se descartarmos a energia escura, 85% do total de matéria (sendo o total de matéria 27% + 5%) estará relacionado com a fração de matéria dita escura (já que 27/32 ~ 0,85).

[2] Simulações de computador mostram que o atrito extra da colisão faria com que a matéria escura se movesse mais devagar. A natureza dessa interação é desconhecida; poderia ser causada por efeitos bem conhecidos ou por alguma força exótica desconhecida. Tudo o que podemos dizer nesta fase é que não se trata da gravidade.

As quatro galáxias podem ter sido separadas da sua matéria escura. No entanto, temos apenas uma boa medida para uma delas, já que, devido a um alinhamento casual, o objeto está sofrendo o efeito de lente gravitacional. No caso das outras três galáxias, as imagens afetadas pela lente gravitacional estão mais afastadas, e por isso os limites relativos à localização da sua matéria escura são demasiado amplos para que se possam tirar conclusões significativas.

[3] Os aglomerados de galáxias podem conter até cerca de mil galáxias individuais.

[4] A principal incerteza no resultado é a duração da colisão: a fricção que atrasou a matéria escura pode ter sido exercida por uma força muito fraca que atuou durante cerca de um bilhão de anos ou alternativamente por uma força relativamente mais forte que atuou “apenas” durante 100 milhões de anos.

Mais Informações

Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “The behaviour of dark matter associated with 4 bright cluster galaxies located in the 10 kpc core of Abell 3827”, que será publicado a 15 de abril de 2015 na revista especializada Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

A equipe é composta por R. Massey (Institute for Computational Cosmology, Durham University, Durham, RU), L. Williams (School of Physics & Astronomy, University of Minnesota, Minneapolis, Minnesota, EUA), R. Smit (Institute for Computational Cosmology, RU), M. Swinbank (Institute for Computational Cosmology, RU), T. D. Kitching (Mullard Space Science Laboratory, University College London, Dorking, Surrey, RU), D. Harvey (Ecole Polytechnique Fédérale de Lausanne, Observatoire de Sauverny, Versoix, Suíça), H. Israel (Institute for Computational Cosmology, RU), M. Jauzac (Institute for Computational Cosmology, RU; Astrophysics and Cosmology Research Unit, School of Mathematical Sciences, University of KwaZulu-Natal, Durban, África do Sul), D. Clowe (Department of Physics and Astronomy, Ohio University, Athens, Ohio, EUA), A. Edge (Department of Physics, Durham University, Durham, RU), M. Hilton (Astrophysics and Cosmology Research Unit, África do Sul), E. Jullo (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille, Université d’Aix-Marseille, Marseille, França), A. Leonard (University College London, London, RU), J. Liesenborgs (Universidade de Hasselt, Diepenbeek, Bélgica), J. Merten (Jet Propulsion Laboratory, California Institute of Technology, Pasadena, California, EUA; California Institute of Technology, Pasadena, California, USA), I. Mohammed (Physik-Institüt, Universidade de Zürich, Zürich, Suíça), D. Nagai (Department of Physics, Yale University, New Haven, Connecticut, EUA), J. Richard (Observatoire de Lyon, Université Lyon, Saint Genis Laval, França), A. Robertson (Institute for Computational Cosmology, RU), P. Saha (Physik-Institüt, Suíça), R. Santana (Department of Physics and Astronomy, Ohio University, Athens, Ohio, EUA), J. Stott (Department of Physics, Durham, RU) e E. Tittley (Royal Observatory, Edinburgh, RU).

O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronômica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico ótico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.

Ref: http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1514/

Redação

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