Software livre amplia acesso às redes sociais

Grupos periféricos buscam na internet formas de expressar suas idéias, publicar seus conteúdos, relacionar-se e obter informações. Os programas de código aberto, conhecidos como software livre, têm sido grandes facilitadores desse processo por não ter custo e pela facilidade de adequação às necessidades específicas. Entretanto, ainda há divergências quanto ao real potencial de inclusão social das redes digitais.

Dados da pesquisa Internet Pop – estudo do Ibope sobre uso da Internet em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Distrito Federal, Recife, Fortaleza e Salvador – mostram que, pela primeira vez, em 2008, o número de internautas pertencentes à classe C, D e E (51,3%) ultrapassaram o da classe A e B (48,7%).

O aumento de acessos à internet é significativo, mas há dúvidas quanto ao domínio e apropriação dessas tecnologias pelos usuários. Apoderar-se das novas tecnologias e usá-las de forma eficiente só é possível se houver adequação à sua necessidade de uso.  A avaliação é do lingüista e professor doutor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), especializado em letramento digital, Marcelo El Khouri Buzato.

É neste contexto que o software livre surge como alternativa à inclusão. “A regra da abertura e do compartilhamento é mais inclusiva e precisa ser difundida, apoiada e valorizada”, segundo Buzato.

Apropriações

Em 2007, um grupo de índios da etnia Tupinambá Pataxó Hã-hã-hãe utilizando o Ubuntu – sistema operacional baseado em Linux –, alguns outros softwares livres e equipamentos emprestados, montaram uma rádio online, chamada Web Rádio Indígena. Anápuáka Muniz, o idealizador do projeto, ampliou a idéia inicial e hoje administra um centro online de discussão e disseminação de conteúdos indígenas.

Anápuáka, articulador do conceito de etnomídia – uma mídia apropriada por um grupo étnico –, conta que a partir da Rádio, eles criaram o site com domínio próprio (Web Brasil indígena/WIB), uma TV online, e, por fim, acoplou todos os formatos no Aldeia Brasil Indígena. Hoje, usam Webcast para teleconferências. “Isso fez diminuir os espaços entre os indígenas. Hoje fazemos reuniões, tomamos decisões, discutimos pautas, fazemos pensar sobre nós mesmos”, explica Muniz.

Para construir todo o aparato dos sites, Anápuáka gastou pouco menos de R$ 5 mil, referente à anuidade do domínio e computadores. Recentemente, ele fez as contas e viu que se tivesse que pagar por tudo, inclusive com softwares, gastaria R$ 70 mil. “Seria inviável”, acrescenta.

Cidade Tiradentes

A Cidade Tiradentes também encontrou no software livre um apoio para a inclusão social.  O técnico em eletrônica, Claudio Nunes de Souza, conhecido como Tio Pac, encontrou nos programas de código aberto, o incentivo que precisava para inserir o audiovisual no cotidiano dos moradores da periferia.

O Grupo Ecológico Cultural Tio Pac oferece cursos, produz curtas-metragens e filmes sobre o cotidiano dos moradores da Cidade Tiradentes. A direção e distribuição são feitas por Tio Pac e são de livre acesso à todos.

Tio Pac argumenta que  o audiovisual era elitizado há 10 anos atrás e que a mudança só foi possível com a internet. Hoje, planeja tornar a TV Cidade Tiradentes, construída com programas open source, na web. “A imagem da periferia não é respeitada de fora para dentro”, avalia, “mas quando é da comunidade as coisas saem mais autênticas. Isso é o que a Internet possibilita para a gente”.

Reciclando

O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) passou a usar, desde agosto de 2009, um software livre que centralizará dados resultantes do cadastro de todos os catadores e cooperativas do país. O objetivo é colher informações que possam agilizar a criação e implantação de políticas públicas para suprir a demanda da categoria, que agrega por volta de 800 mil catadores, com apenas 40 mil vinculados a uma das 600 cooperativas.

Davi Amorim, membro do MNCR, acredita que o software, desenvolvido em parceria com o setor de TI da empresa Itaipu Binacional, será de grande importância para os trabalhadores. “Como é um sistema aberto”, conta Amorim, “a gente pode ir desenvolvendo e incorporando novas funções a ele de acordo com nossas necessidades”. Para o início de 2010 já está prevista uma ampliação com mais recursos para o sistema.

 Inclusão ou exclusão?

Diversos são os exemplos de utilização dos softwares livres pelo Brasil, mas especialistas ainda questionam uma política de inclusão digital que possa atender a necessidade brasileira.

 O professor de Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bernardo Sorj diz que realmente existem alguns exemplos de apropriação por “grupos sociais privilegiados”, mas que não servem para representar o quadro brasileiro. Lembra que do ponto de vista das políticas públicas, “continuará faltando um projeto sério para pensar a inclusão digital como algo cultural e econômico”.

O linguista Marcelo Buzato ressalta que o mais interessante é observar como esses  grupos se apropriarem da tecnologia sem “abrir mão de suas diferenças”. Ele ainda ressalta que a inclusão digital não coloca em risco a identidade cultural dos grupos, pois a identidade está no que eles transformam e reinventam as coisas que vêm.

Quando a associação entre inclusão digital e social, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiros (UFRJ), Bernardo Sorj, é mais cético e diz essa associação só será possível quando houver uma mudança na política educacional.  Para ele a informática só é uma ferramenta pontecializadora para aqueles que têm repertório para se apropriar dela. “Já é, por origem, uma tecnologia que exclui os analfabetos”, diz. “Tem que ter um mínimo. Quem não tem esse mínimo, fará um uso precário ou nulo dessa tecnologia”, argumenta.

Em relação aos programas de inclusão digital, o sociólogo analisa que as menores despesas deveriam ser com computadores e softwares; e as maiores, com pessoal, que fariam acompanhamento, suporte e treinamento dos usuários. Ele afirma que apenas ter acesso ao computador não é garantia de inclusão. “Fornecer salas computadorizadas e com acesso à Internet banda larga é um ponto de partida, mas não o de chegada”, diz.

Para o  coordenador-geral de Projetos Especiais do Ministério das Comunicações, Carlos Paiva, já é possível falar em política pública de inclusão digital em face do alcance dos programas já existentes. Paiva cita como exemplo o Gesac (Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão) e os Kits Telecentros, pelos quais o governo fornece computadores, conexão, mesas e cadeiras. A gestão e capacitação ficam por conta do conselho gestor definido pelo município. Segundo Paiva, “há 6.900 telecentros comunitários de plataforma livre em 5.474 municípios, os demais não têm porque não optaram por isso”.

Redação

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