Indústria brasileira acumula seis anos de perdas nos últimos 10 anos, por Lauro Veiga Filho

A indústria tem sido castigada, ao longo do tempo, por um ambiente macroeconômico marcadamente hostil

Agência Brasil

por Lauro Veiga Filho*

A indústria brasileira perdeu quase um sexto de sua capacidade produtiva na última década, acumulando resultados negativos em seis daqueles 10 anos, com avanços eventuais apenas em 2013, 2017, 2018 e 2021. Ainda assim, foram taxas de crescimento extremamente modestas quando comparadas aos tombos registrados nos anos imediatamente anteriores, vale dizer, sem que o setor jamais conseguisse se recuperar das perdas sequenciais que sofreu e vem sofrendo. No ano passado, a produção recuou 0,7% depois de avançar 3,9% em 2021, resultado que não chegou a repor as perdas de 4,5% sofridas em 2020, como resultado da pandemia.

O crescimento de 2,1% em 2013 veio na sequência de uma queda de 2,3% em 2012. Em 2017 e 2018, a produção chegou a avançar, pela ordem, 2,5% e 1,0%, num ritmo insuficiente para recompor o parque industrial depois de tombos de 3,0%, 8,3% e 6,4% em 2014, 2015 e 2016, na fase de recessão em toda a economia. Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o desempenho pífio dos últimos anos é um claro reflexo da “ausência de vetores de dinamismo que possam restabelecer uma trajetória de retomada industrial no País”.

De fato, a indústria tem sido castigada, ao longo do tempo, por um ambiente macroeconômico marcadamente hostil, sujeita a custos de capital muito elevados em função de juros usualmente na estratosfera, baixo crescimento, câmbio apreciado na maior parte do período e ainda sujeito a fortes oscilações, agravando e tornando mais injusta a concorrência com produtos importados, entre outros fatores. Na visão do Iedi, a longa sucessão de adversidades de caráter pontual e principalmente estrutural resulta “em uma sequência de resultados ruins que já está ficando bastante longa, comprometendo novos ciclos de investimento e modernização do parque produtivo que são essenciais para a competitividade do setor”. Na contabilidade do instituto, entre 2014 e 2022, “em dois terços do tempo a indústria ficou no vermelho e os anos positivos em geral foram recuperações parciais de quedas anteriores”.

Uma das consequências dessa combinação de fatores negativos está refletida na série estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já com os devidos ajustes sazonais, a produção industrial encolheu nada menos do que 15,5% entre dezembro de 2012 e o mesmo mês de 2022, com perdas praticamente generalizadas. Considerando o nível alcançado em maio de 2011, quando o setor como um todo havia alcançado sua melhor marca histórica, o retrocesso chega a 18,5%.

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Prejuízos em série

Entre os grandes setores da indústria, sempre considerando o mesmo intervalo, a indústria de bens duráveis foi a mais afetada, supostamente em função dos valores médios mais elevados de seus produtos, tornando-os mais dependentes de crédito na ponta final do consumo, e do baixo poder de compra das famílias em geral. A produção no setor desabou 32,4% em uma década e mantinha-se, em dezembro passado, 38,2% abaixo do seu melhor período, registrado em março de 2011. No ano passado, a produção de duráveis ficou 3,3% menor na comparação com 2021. Considerado como o “coração” da indústria como um todo, o setor de produção de bens intermediários (celulose e papel, produtos de plástico e borracha, produtos químicos e siderúrgicos, componentes eletroeletrônicos, petróleo e gás, entre outras matérias primas) sofreu baixa de 15,3% na década encerrada no ano passado. Desde maio de 2011, quando a produção de bens intermediários registrou seu melhor desempenho na série histórica, o setor sofreu perda de 17,8% depois de recuar 0,7% no ano passado, em relação a 2021.

Mais próxima do consumidor final e dominada por setores dedicados à produção de bens de consumo mais popular, a indústria de produtos semiduráveis e não duráveis reduziu sua produção em 11,6% em 10 anos, acumulando retrocesso de 13,5% desde junho de 2013, quando chegou a seu melhor resultado em toda a série do IBGE. E o ano passado foi mais um período de estagnação, com a produção do setor recuando 0,2% diante de 2021.

Como exemplo, a indústria de alimentos anotou um retrocesso de quase 7,0% entre dezembro de 2012 e o mesmo mês do ano passado. Ainda em 2022, a produção de bens alimentícios cresceu 2,4% na comparação com um ano antes. A reação, no entanto, não levou o setor sequer a recuperar as perdas sofridas desde a pandemia. Comparada a fevereiro de 2020, a produção de alimentos ainda acumulava perda de 2,1%.

Os números da indústria de bens de capital, por sua vez, sugerem um nível de investimento reduzido considerando o volume que seria necessário para preservar o dinamismo da economia e sua capacidade de crescimento. A produção do setor caiu praticamente 8,0% na década, mas sofreu queda mais pronunciada, precisamente de 24,8%, quando tomado o mês de abril de 2013, quando havia anotado seu melhor momento na série histórica.

A produção de bens de capital, incluindo máquinas e equipamentos em geral, caminhões, computadores, instalações industriais e outros, também ficou 0,3% menor no ano passado, frente a 2021, quando havia experimentado salto de 27,8% (lembrando que a produção nesta área havia sofrido baixas de 0,6% e de 9,6% em 2019 e 2020).

No ano passado, num balanço geral, nove entre 26 setores transitaram por terreno positivo, com as perdas alcançando 17 setores ou 65% dos segmentos acompanhados pelo IBGE. Em dezembro, na comparação com igual mês de 2021, pouco mais de 69% dos setores tiveram perdas e oito conseguiram registrar algum crescimento. No geral, a produção caiu 1,3%. Na visão do Iedi, em 2022, “muitos obstáculos conjunturais estiveram em atuação, como pressões de custo, gargalos remanescentes das cadeias, aumento das taxas de juros e encarecimento do crédito, desemprego e queda do poder de compra, além das incertezas advindas do campo político e do cenário internacional”. Mas as dificuldades aqui são de outra ordem, com causas mais profundas e duradouras, como sustenta o Iedi.

*Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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Redação

1 Comentário

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  1. O Brasil demorou muito para reconhecer o impacto valoroso do setor de indústrias em relação ao desenvolvimento do País. Esse desapego, essa falta de identificação com o avanço de todo o Brasil nessa disputa pelo crescimento, em todas as formas que se expressa. Não apenas e somente econômico e social, mas em todas as demais áreas envolvidas na construção e organização de uma sociedade civilizada. Lutar interna e externamente em busca de ter maiores capacidades. Ao abrir mão em certa medida do País, a indústria abriu mão de si mesma. A reversão do processo de desindustrialização no Brasil, necessitava o envolvimento de corpo, alma e coração de todos os que quisessem esse objetivo. Tanto governo quanto iniciativa privada, assumindo que o crescimento do Brasil e seu melhor desenvolvimento é o objetivo que fortalece a todos. Sem fantasias acerca de ganhar produtividade, competitividade e outros termos. Produtividade e competitividade são os resultados colhidos e não os produtores de um resultado. É preciso a humildade de estabelecer diálogos tendo a vontade de ouvir e não somente de falar e exigir. Muita precipitação aconteceu em relação à própria desindustrialização, hoje assumidamente prematura, aceita e feita sem resistência. Reconhecer o País e o que representa primeiro aos brasileiros e atingir a capacidade de fazer progressos. Isso é um desafio.

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