Prisões da Lava Jato do Rio ocorrem em meio a risco de remessa à Justiça Eleitoral

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Marcelo Bretas usou acusações de três operações para prender cúpula do MDB e outros investigados por organização criminosa envolvida em delitos eleitorais

Foto: Agência Brasil

Jornal GGN – Na decisão que prendeu preventivamente o ex-presidente Michel Temer, o coronel Lima, o ex-ministro Moreira Franco e mais sete pessoas, o juiz Marcelo Bretas misturou acusações de três operações para integrar a cúpula do MDB e outros investigados em uma grande organização criminosa relacionada a delitos eleitorais. Mas para impedir que o caso seja remetido à Justiça Eleitoral, Bretas justificou o uso desses montantes, inicialmente destinados ao financiamento de campanhas do MDB, como gastos pessoais de Temer.

O que disse a Lava Jato

As alegações da Lava Jato do Rio de Janeiro são de que, nessa grande organização criminosa, o coronel Lima foi o operador financeiro de Temer e solicitou pagamentos ilícitos por meio da empresa Argeplan, ao vencer a licitação da Usina Nuclear de Angra 3, e Moreira Franco atuou “intercedendo” e “influenciando” nos contratos ilícitos.

Nas acusações que envolvem a Eletronuclear, derivadas da Operação Radioatividade, Pripyat e Irmandade, os procuradores do Rio de Janeiro apontaram a participação do engenheiro nuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, de 80 anos, de Carlos Alberto Costa e seu filho, Ana Cristina Toniolo, Maria Rita Fratezi e Carlos Alberto Montenegro Gallo, todos como “viabilizadores” das “empreitadas criminosas”, uma vez que suas empresas foram usadas para a obtenção de vantagens indevidas.

O desvio da lógica da investigação ocorre quando a Lava Jato tenta justificar aonde estes montantes teriam sido usados.

Após os crimes, a empresa de Vanderlei Natali teria sido usada para formular contratos fictícios para justificar esses recursos, que teriam destinação pessoal, e a filha de Temer, Maristela Temer, teria também aplicado nas reformas em sua casa, a benefício do pai.

“A lavagem do dinheiro ilicitamente recebido na reforma do imóvel de Maristela Temer seria exemplo eloquente da utilização pessoal da propina recebida”, disse o magistrado.

“Portanto, segundo o MPF, a presente cautelar versa sobre atos ilícitos ligados a crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Dessa forma, no atual momento, o parquet requer o deferimento das medidas cautelares indicadas, pois, de acordo com as provas apresentadas, há envolvimento relevante das pessoas físicas e jurídicas apontadas nos ilícitos”, pediu o MPF/RJ.

Leia aqui a decisão que prendeu Michel Temer

‘RELAÇÕES ESPÚRIAS’: Temer, Moreira e coronel Lima

Temer aparece nas acusações como responsável por manter relações de proximidade e “espúrias” com o coronel Lima e com Moreira Franco, que possibilitaram os crimes. As acusações têm como base a delação premiada do empresário José Antunes Sobrinho, dono da Engevix. Segundo o delator, a propina foi solicitada pelo coronel Lima e por Moreira Franco, a mando de Temer.

“O sucesso empresarial da empresa ARGEPLAN, em especial sua exitosa parceria no contrato de Projeto da usina nuclear de Angra 3, bem como solicitações de valores indevidos que teriam sido feitas pelo seu representante ao colaborador José Antunes Sobrinho, devia-se à proximidade existente entre os requeridos CORONEL LIMA e MICHEL TEMER, este então Vice-Presidente do Brasil”, aponta Bretas, em um trecho.

Diz em outra parte: “Noutro giro, verifico que o órgão ministerial, com fundamento no acordo de colaboração com SOBRINHO, relata situações, além do projeto de Angra 3, nas quais CORONEL LIMA viabilizou, aparentemente, o recebimento de vantagens indevidas direcionadas a MICHEL TEMER, com a intermediação de outro investigado que gozava de grande prestígio nos governos da União passados, o ex ministro MOREIRA FRANCO”.

Em uma terceira referência, assim descreve o juiz Marcelo Bretas:

“Mostra-se necessária uma breve digressão sobre a aparente relação próxima e espúria de MOREIRA FRANCO com MICHEL TEMER, bem como os estratagemas supostamente empreendidos pelo primeiro a fim de viabilizar a solicitação de SOBRINHO, ou seja, providenciar para que a empresa do colaborador pudesse faturar em outros contratos públicos para reverter parte dos valores à organização criminosa.”

Crime eleitoral?

No início de sua decisão, Bretas faz questão de defender que a competência para julgar este caso é dele, justificando que os crimes investigados são derivados da Operação Radioatividade. Com o intuito de manter a apuração sob o seu controle, o juiz federal deixou uma observação destacada logo no início do despacho.

Bretas argumentou que os crimes tratados não tinham como objetivo o uso para dívidas eleitorais do MDB, afirmando que, por ora, não existe “nenhum indício de que os requeridos estariam recolhendo valores para financiamento de campanhas políticas”.

O comentário foi feito porque em recente entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que todas as investigações relacionadas a crimes eleitorais devem ser encaminhados à Justiça Eleitoral.

“Pelo contrário, são apresentadas várias evidências de que foi instaurada uma gigantesca organização criminosa em nosso país, cujo único propósito é recolher parte dos valores pagos em contratos públicos e dividi-los entre os participantes do esquema”, acrescentou.

Dessa forma, tentou garantir que a investigação permaneça na Lava Jato do Rio. Entretanto, ao contrário do que justifica inicialmente, as articulações de Lima e de Moreira Franco teriam como motivação os fins eleitorais, o que admite o próprio delator.

O ato criminoso teria iniciado no segundo semestre de 2014, quando o coronel Lima procurou o dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, “informando que ele deveria fazer doações para a cúpula do PMDB”. Na ocasião, Sobrinho explicou que não tinha margem em seus contratos com a Eletronuclear para o pagamento de R$ 1 milhão solicitado.

E “para atender ao pedido de R$ 1.000.000,00 (um milhão) feito pelo CORONEL LIMA, SOBRINHO assevera que tentou obter recursos com MOREIRA FRANCO, com quem tinha bom relacionamento, por meio dos contratos ligados à Secretaria de Aviação Civil, de responsabilidade do segundo a época”.

Em junho de 2014, o consórcio formado pela Engevix, de Sobrinho, e a Argeplan, de Lima, venceu uma licitação da Secretaria da Aviação, então comandada por Moreira, mas foi posteriormente desclassificada. Por isso, o delator afirma que decidiu “fazer uso de uma de suas empresas para atender a demanda de propina”, que tinha, inicialmente, a intenção eleitoral.

Trechos do depoimento do delator deixam claros a destinação ao partido de Michel Temer:

O contrato narrado junto a Alumi, empresa vinculada a Sobrinho, é uma das provas de pagamentos ilícitos para a organização criminosa investigada por Bretas. Mas ao relacionar estes recursos à reforma do apartamento da filha de Temer, por exemplo, o juiz tenta distanciar o caso do delito eleitoral.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Bolsonaro tem de ver que se o levarem a impedimento, o que parece ser bastante possível, já que não tem a menor capacidade de governar ainda mais quando é a única alternativa para o país sair de onde se foi colocado – ele, Bolsonaro se torna um sem cargo, sem privilégios e como um frágil personagem vai cair nas mãos dos vingadores da lei.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador