18 anos depois, o caso do Banco Marka

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

18 anos depois, o caso do Banco Marka

Caro Nassif,

Estava relendo seu artigo publicado no longínquo 06/05/1999, “O BC e o Banco Marka”, onde você analisou  as operações realizadas pelo Banco Central em 14/01/1999, época da rumorosa mudança da política cambial.

Ressalto a precisão da sua análise e conclusões, no que se refere ao Banco Fonte Cindam (não estou me ocupando aqui da outra instituição).

A propósito, decorridos  dezoito anos daquele marcante e indelével episódio, no último dia 21 de junho de corrente ano a 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 1a. Região reconheceu a legalidade das aludidas operações realizadas e deu provimento às apelações feitas por nós, pelo Banco Central do Brasil, pela BM&F e outros, nos termos do elucidativo voto do eminente Desembargador Ney Bello.

Com o abraço do

Luiz Antonio A. Gonçalves

LUíS NASSIF

O BC e o banco Marka

À medida que os depoimentos de técnicos do Banco Central vão se sucedendo na CPI do Sistema Financeiro, é possível reconstituir as razões que determinaram sua conduta no auxílio aos bancos apanhados no contrapé pela mudança de política cambial.

Como se recorda, a “banda cambial exógena” de Francisco Lopes foi implantada no dia 13 de janeiro, com o teto saltando de R$ 1,22 para R$ 1,32. Esse novo teto vigorou até o dia 14. No dia 15, o câmbio foi liberado.
Na BM&F, nos contratos futuros para fevereiro, o mês começara com o dólar cotado a R$ 1,223. Até o dia 11 de janeiro houve poucas variações, com o dólar a R$ 1,222. No dia 12, véspera da primeira mudança cambial, o dólar saltou para R$ 1,225. No dia 13 foi para R$ 1,237. No dia 14, para R$ 1,250. Depois, sucessivamente, para R$ 1,275, R$ 1,351, R$ 1,500 e, no dia 20, para R$ 1,574. O banco Marka deixou de cobrir margem no dia 14, quando o dólar bateu em R$ 1,250.

Naquele dia, seria possível ao Marka e ao FonteCindam zerarem sua posição, se houvesse liquidez no mercado. Para um banco “vendido” em dólar (que apostou na manutenção do câmbio) zerar sua posição, ele necessita “comprar” contratos. Só que, depois da grande corrida do dia 12, o mercado murchou. De 4 a 11 de janeiro, a média diária de contratos negociados era de 43.903. No dia 12, saltou para 57.456. No dia 13, caiu para 4.323, e, no dia 14, para 2.751. Provavelmente essas operações do dia 13 e 14 eram apenas internas, com bancos acertando transferências de aplicações entre contas. Como só o Marka dispunha de mais de 9.000 contratos em aberto, não tinha como comprar contratos em número suficiente para zerar sua posição.

O socorro

No dia 14, o BC acertou a operação de socorro ao Marka e ao FonteCindam, com venda direta de contrato de dólares. Como demonstrado na coluna de ontem, a própria BM&F poderia ter resolvido seus problemas internamente, mas com dois movimentos (na opinião do BC) capazes de assustar um mercado: interrupção do pregão (para um leilão exclusivo para os bancos que ficaram com posições em aberto) e quebra e liquidação do banco Marka -que ficaria inadimplente não apenas na BM&F, mas também na Bolsa de Mercadorias de Chicago.

O BC só acertou a operação às 21h do dia 14. A BM&F tem teto até as 20h, pois precisa rodar nos computadores as transações do dia. O BC comunicou por escrito a operação, número de lotes e valores. A Bolsa só rodou no dia seguinte, quando houve a liquidação financeira.

Na própria noite do dia 14 foi decidida a liberação cambial, em um processo que durou até altas horas, com consultas frequentes ao FMI. É provável que até as 21h ainda não se tivesse decidido pela liberação do câmbio, pois interlocutores de FHC revelaram à coluna que, pelo menos até as 23h, o presidente ainda estava em processo de consulta, inclusive junto ao FMI, que pressionava pela liberação.

Na operação, o BC usou duas medidas. Para o FonteCindam, vendeu dólares a R$ 1,32 -teto máximo da banda cambial que vigorava até 14 de janeiro. Não houve subsídio nesse caso. Se o BC não vendesse, o FonteCindam simplesmente adquiriria os dólares no mercado à vista (o BC seria obrigado a vender por esse valor), zerando sua posição. O banco foi sacrificado injustamente nesse episódio.

Para o Marka, decidiu-se pela cotação de R$ 1,275. Por que esse valor?

Na BM&F, o Marka tinha algo em torno de 9.000 contratos. Havia mais 2.300 contratos que o Marka tinha no banco Stock, por meio do anexo 6 (nem o BC nem o Stock podiam saber que era dele). O total era 11.300 contratos. Mas o BC ordenou que fossem vendidos bem mais.

O que se alega é que, além das operações com dólares aqui, o Marka tinha operações na Cetip e na Bolsa de Chicago, para liquidação futura. A diferença seria para pagar esses prejuízos. A essa altura, auditores do BC já tinham assumido a instituição e providenciaram que o dinheiro fosse utilizado para esse propósito.

Como as cotações não estavam claras ainda, após a liberação do real, os contratos vendidos a mais foram um “chute”, que acabaram permitindo um “troco” de alguns milhões ao banqueiro.

No dia 20, com o mercado recuperando relativamente a liquidez, o BC fez mais uma venda direta a Cacciola, pelas cotações do dia, R$ 1,56, para liquidar a posição de seus fundos.

Motivações

Até agora há duas faltas graves evidentes. Uma de natureza administrativa, do BC planejando uma operação de salvamento desastrada. Embora se possa entender suas motivações -impedir que o pânico se alastrasse-, nada justifica a definição arbitrária do valor do dólar e o fato de não ter se cercado de garantias mínimas em relação aos bens de Salvatore Cacciola a ponto de permitir ao banqueiro sair com dinheiro do episódio.

Nessa operação, o subsídio implícito (diferença entre o teto da banda e o dólar vendido a Cacciola) foi de cerca de R$ 60 milhões. Na segunda operação, não houve subsídio. Dado o caráter colegiado da decisão, fica evidente que ocorreu um tremendo erro de ordem administrativa -não criminosa, à luz dos fatos até agora levantados.

A segunda falta grave -esta de natureza política- foi o fato de o governo ter apostado na manutenção de uma banda cambial impossível, a um custo de vários bilhões ao país. Os prejuízos de mais de US$ 1 bilhão -de acordo com alguns cálculos- devem ser debitados à aposta do governo na manutenção da banda, não na operação do BC em si.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E no fim…

    Fica tudo o dito pelo não dito. O Estado (leia-se o “Povo*”), como sempre, salvando o Capital (leia-se o “Mercado”). A velha e boa privatização dos lucros e socialização dos prejuízos. Estamos, como sempre, fodidos.

    A regra do jogo é: “A banca sempre ganha, e o povo paga o verdadeiro pato.”

    A culpa, claro, é do Lula e do PT (tem que falar isso fazendo cara de nojinho).

    * E a classe média golpista, que também paga impostos, não consegue juntar lé com lé nem cré com cré.

    1. Prezado Alguém…

      …discordo em parte. O prejuízo é grande, realmente, aos contribuintes mas em boa parte a origem não vem de uma disputa entre público e privado ou capital x trabalho. Este caso seria mais um de inúmeros em que a incompetência em sua forma pura assume a gestão da rés pública, nesta vez na forma de um BC inepto – senão como se estabelece algo tão crítico tendo por base o “chute” citado no artigo? Onde faltam cabeças sobram cabeçadas…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador